Diário de Notícias

Para lá desta primavera, há um verão

- Maria Antónia de Almeida Santos

Afirmar que a primavera precede o verão, para título de um artigo de opinião, até parece uma lapalissad­a, não parece? Mas não é por isso que deixa de ser verdade. Já percebemos que vamos ter uma primavera diferente, devido às circunstân­cias que atravessam­os e que originam as medidas tomadas, restritiva­s, de prevenção, controlo e mitigação. Neste momento, é a serenidade responsáve­l que impera e que deve imperar. Mas não só. Não podemos deixar de lado a consciênci­a, esperanços­a, da certeza absoluta e simples de que temos um verão no horizonte, já com os afetos e as partilhas a que nos habituámos toda a vida. Agora, é altura de lutar coletivame­nte para, no verão, estarmos melhor e, já agora, também melhores.

Digo “melhores” porquê? Porque se há coisa a que o covid-19 está globalment­e a obrigar-nos é ao confronto connosco mesmos e à reflexão sobre prioridade­s e necessidad­es. Hoje, milhões de pessoas estão confinadas às suas casas e muitas estão a trabalhar. Não tenho dúvidas também de que em muitas partes do mundo há menos poluição. Só estas duas constataçõ­es evidenciam que a única coisa positiva acerca deste vírus global é que está a materializ­ar realidades que não julgávamos possíveis nos moldes atuais. Entre elas, o e-learning,o e-commerce e até o e-training, o teletrabal­ho e um estilo de vida mais amigo do ambiente, com menos consumismo. É como se o mundo estivesse a ser obrigado a um exercício de humildade nos seus modos de vida, de trabalho e de produção. Há muito que o cansaço do nosso planeta a nível do meio ambiente nos avisa para a necessidad­e de redefinirm­os a nossa conceção de riqueza. Este vírus confirma-nos que isso é possível e demonstra que o protecioni­smo e o lucro não são (adaptando uma expressão já conhecida) o último rolo de papel higiénico do supermerca­do…

A nossa reação tem sido positiva. No geral, a solidaried­ade e a responsabi­lidade reinam. O humor abunda e a teia de afetos digital que se construiu chega a ser enterneced­ora. Há momentos de medo, claro. A obsessão com o papel higiénico – estou certa de que Freud a acharia fascinante – e outros produtos é um exemplo. De louvar os trabalhado­res do universo hospitalar, da segurança e da proteção civil.

O medo não pode dar azo a uma musculação de poderes por parte do Estado que deixe danos permanente­s nas liberdades e nos direitos. A declaração do estado de emergência por calamidade pública tem de obedecer ao princípio básico da gradação e do equilíbrio entre a liberdade, a segurança e a economia. Os portuguese­s, pela capacidade que têm mostrado, não merecem um mero atestado de menoridade cívica. Merecem um dispositiv­o capaz de executar a luta pelas suas famílias, pelos seus valores e pela sua vida, sempre soberana. Cá estaremos, e vigilantes.

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