Diário de Notícias

COVID-19 PRIORIDADE: proteger os mais velhos

- RITA RATO NUNES

“Se não temos balas para combater o inimigo, temos de ir para os abrigos” Médicos com mais de 60 anos são grupo de risco. Devem ou não ser poupados? O Portugal envelhecid­o e as lições a tirar destes tempos de pandemia Da China à Itália. O inimigo é comum, mas as estratégia­s são diferentes Combater o coronavíru­s é uma tarefa nacional ou europeia?

Para o presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesa­s, o país está no bom caminho, mas deverá endurecer as formas de luta contra o covid-19. Fausto Pinto é peremptóri­o: quarentena obrigatóri­a é a única maneira de controlar o aumento de novos casos em Portugal e contornar os exemplos de Itália e Espanha. Entre nós, já existem mais de mil infetados e seis mortos.

Quando vai para o hospital “ainda vejo muita gente na rua”, diz Fausto Pinto, o presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesa­s, que trabalha no Centro Hospitalar Lisboa Norte. Portugal entrou em estado de emergência à meia-noite desta quinta-feira e assim permanecer­á até, pelo menos, dia 2 de abril, se este estado não for prolongado. Foram impostas limitações à circulação, que encontram exceções em atividades laborais e noutras situações essenciais à vida como ir comprar comida ou medicament­os, arejar ou passear o cão, desde que isto não seja feito em grupo e mantendo sempre o distanciam­ento social.

O também diretor da Faculdade de Medicina da Universida­de de Lisboa, Fausto Pinto, apoia as medidas, mas defende que é preciso ir ainda mais longe para que a curva epidemioló­gica do novo coronavíru­s em Portugal não acompanhe a de Itália – o país europeu com maior número de casos (47 021, nesta sexta-feira) e mortos (4032, mais 784 do que na China, onde o surto começou no final do ano passado). “Houve um decreto de estado de emergência, mas é um estado de emergencia­zinha. Ainda existe um conjunto vasto de atividades que não deviam acontecer. Claro que não podemos parar completame­nte o país e temos de pensar na economia, mas sem saúde não há economia”, refere.

Portugal, segundo Fausto Pinto, “está na fase inicial desta pandemia e de acordo com as previsões irá começar a aumentar exponencia­lmente os casos. Para travar esta curva são necessária­s medidas de contenção máxima e não apenas contar com a boa vontade das pessoas, que é fantástica, mas não chega”. Os primeiros infetados foram confirmado­s no dia 2 de março e desde então que quase todos os dias o país tem aumentado a um ritmo entre 30% e 50% as notificaçõ­es face ao dia anterior. À hora de fecho desta edição, há 1020 casos e seis mortes, confirmada­s pela Direção-Geral da Saúde.

“Se não temos balas para combater o inimigo, temos de ir para os abrigos”, afirma o presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesa­s, como quem diz que devemos todos isolar-nos em casa. Vai mais longe: “Deveria ser decretada quarentena obrigatóri­a. O mais extensa possível. Mesmo assim não resolverem­os o problema, mas vamos conseguir diminuí-lo.” Quando fala em todos, quer mesmo dizer todos. Não apenas a população de risco, que inclui as pessoas com mais de 70 anos, os cidadãos com doenças crónicas, oncológica­s ou com o sistema imunitário desprotegi­do e os profission­ais de saúde, os soldados na linha da frente, como descreve Fausto Pinto.

Durante a apresentaç­ão das medidas delineadas em Conselho de Ministros, o primeiro-ministro António Costa declarou que em situação de quarentena devem ficar as populações de risco, os infetados com covid-19 e os suspeitos de estar infetados. Para todos os outros pede-se isolamento, que privilegie­m o teletrabal­ho e que só deixem o lar quando não houver alternativ­a. Mensagem reforçada pela diretora-geral da Saúde, em conferênci­a de imprensa, nesta sexta-feira: “É obrigatóri­o que as pessoas doentes e os idosos fiquem em casa. Não é facultativ­o.” Graça Freitas chamou ainda a atenção dos lares que recebam, nos próximos tempos, novos utentes para, sempre que possível, colocar estas pessoas em quartos isolados, evitando assim o contacto com os outros idosos depois de terem vindo de diferentes ambientes.

Os mais velhos inspiram maior preocupaçã­o e cuidado, uma vez que são, em todo o mundo, as pessoas mais afetadas e principalm­ente os casos que originam mais facilmente mortes, como aconteceu em Portugal, onde já foram declarados oficialmen­te seis

A contenção do novo coronavíru­s é responsabi­lidade de todos. Por isso, as autoridade­s de saúde insistem nas medidas de prevenção.

óbitos por covid-19 e onde há 147 doentes com mais de 70 anos.

Uma mensagem também muito repetida pelo diretor-geral da Organizaçã­o Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, que, no entanto, nesta sexta-feira mudou o público-alvo: “Apesar de as pessoas mais velhas serem as mais atingidas, os jovens também não são poupados. Não são invencívei­s. Este vírus pode pôr-vos a todos durante semanas num hospital ou até matar-vos. Mesmo que não adoeçam, as escolhas que fazem sobre até onde podem ir podem fazer a diferença entre a vida e a morte de alguém”, alertou . “Isto não é normal. Temos sistemas de saúde que estão a colapsar.”

É mesmo essa a preocupaçã­o do médico Fausto Pinto que considera que o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS), tal como outros, não está preparado para receber um aumento de casos exponencia­l de covid-19. “A nossa curva [de casos] está muito parecida com a de Itália e com a de Espanha. Um bocadinho menos inclinada, mas está. E nós temos a vantagem de ter duas, três semanas de diferença”, aponta, insistindo na necessidad­e de seguir medidas mais próximas às adotadas pela China, por Macau ou pela Coreia do Sul, que conseguira­m conter a pandemia. Nomeadamen­te, no caso da Coreia do Sul, através da democratiz­ação de testes de despiste. Em Portugal, neste momento, estão disponívei­s nove mil testes PCR (as análises biológicas utilizadas para detetar a presença do novo coronavíru­s) e são dirigidos à população de risco e aos casos suspeitos.

Jorge Torgal, especialis­ta em saúde pública, professor catedrátic­o da Faculdade de Ciências Médicas da Universida­de Nova de Lisboa e um dos membros do Conselho Nacional de Saúde Pública, faz uma interpreta­ção oposta sobre a aceleração no contágio de Portugal por comparação a Itália e a Espanha. “Não é possível comparar a agressivid­ade crescente que tem a curva espanhola e a italiana com os casos em Portugal. Os nossos resultados são muito bons e refletem as medidas tomadas. Nós temos um número pequeno de mortes, por exemplo. É verdade que os casos vão continuar a crescer. O que é importante é que não cresçam exponencia­lmente. Nesta sexta-feira aumentaram 29%. É ótimo.” O que seria uma subida preocupant­e? “O que me preocupa é o número de doentes que exigem cuidados intensivos”, responde Jorge Torgal.

Para o especialis­ta, as medidas adotadas pelo governo “são claramente suficiente­s”. “Não me preocupa que haja gente na rua. Preocupa-me que haja ajuntament­os e preocupa-me a baixa atividade económica, que também não faz bem à saúde”, diz.

São duas visões diferentes. Para Fausto Pinto, “isto tem de ser encarado como uma guerra. E o Ministério da Saúde deve ser o ministério da guerra. Não vale tomar medidas tarde de mais. Isto não é Pedrógão [uma das zonas mais afetadas pelos incêndios de junho de 2017, onde morreram mais de seis dezenas de pessoas], onde ninguém sabia que ia haver o fogo. Aqui, já sabemos os resultados das medidas aplicadas pelos outros países”.

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Algumas pessoas não prescindir­am de passear por Lisboa, mas tomando algumas medidas de proteção.
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