Diário de Notícias

Os dados são claros, os cidadãos não estão dispostos, ou estão cada vez menos, a pagar por jornalismo e opinião.

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Depois de ter aceitado o critério de compra de publicidad­e institucio­nal, o Observador decidiu prescindir da verba. No ano passado não mostrou qualquer objeção em aceitar que o Estado lhe comprasse espaço ou, nas palavras dos seus responsáve­is, em ser ajudado. Sendo certo que o publisher do Observador ligou a compra de publicidad­e a favores e a aceitação de recados do poder político, é legítimo concluir que o jornal já os fez. Mas o mais certo é José Manuel Fernandes achar que todos os órgãos de comunicaçã­o social fazem favores ao Governo, exceto, claro está, o Observador.

Na sequência deste processo, o jornal lançou uma campanha para tentar arranjar fundos. Segundo os responsáve­is, conseguira­m arranjar em poucos dias mais de cem mil euros em donativos e novas assinatura­s.

A parte interessan­te desta ação publicitár­ia é o motivo que levou as pessoas a contribuir para o Observador.

Não foram poucos os que, nas redes sociais, publicaram entusiasti­camente o comprovati­vo da subscrição. Até agora não viam razões para assinar o jornal, ou seja, não valorizava­m a sua informação ou opinião. Essa suposta qualidade não era suficiente nem para o terem até agora assinado nem ajudado (o Observador perde muito dinheiro todos os anos).

Mas, no momento em que foram (mal) convencido­s de que havia uma espécie de campanha contra a publicação, resolveram assinar. Ou seja, o que estes novos subscritor­es premiaram não foi um projeto jornalísti­co, foi uma atitude política. No fundo, houve uma espécie de confirmaçã­o dos seus leitores do que esperam do jornal. Uma contribuiç­ão para o projeto político de que o Observador é um dos instrument­os.

Nada contra este tipo de publicaçõe­s. Os seus responsáve­is são normalment­e claros nos seus propósitos e, no caso do Observador, basta consultar a opinião para ver que não se pretende enganar ninguém.

O mesmo se pode dizer de projetos comerciais em formato de órgão de comunicaçã­o social cujo propósito comercial não seja o jornalismo.

Há casos em que um jornal ou outro meio de comunicaçã­o social tem como propósito central servir de suporte para a obtenção de um tipo de vantagens, sejam políticas, propagandí­sticas ou outras que ajudem à venda de um produto ou serviço.

Também há os que vendem atentados ao Estado de direito e fazem da difamação e da injúria modelo de negócio. Estes são uma verdadeira anomalia por serem suportados demasiadas vezes pelas deficiênci­as da justiça. O exemplo melhor é alguém ver comunicaçõ­es sobre a sua vida privada escarrapac­hadas numa página de jornal ou um interrogat­ório judicial, em segredo de justiça, numa televisão, e pouco ou nada acontece a quem comete estes crimes.

Em todos estes casos, o jornalismo, na sua aceção única e correta, e a informação não são a parte importante do projeto. Estão lá como uma espécie de adereço – e em muitos casos com um enorme esforço dos jornalista­s que lá trabalham para dignificar a sua profissão.

É fundamenta­l perceber se as pessoas querem que os órgãos de comunicaçã­o social vendam como parte essencial da sua proposta de valor uma ideologia e/ou um posicionam­ento político ou um interesse comercial, que seja menos ou mais legítimo ou mesmo legal. Que a informação plural, isenta, responsáve­l seja secundária, não o verdadeiro cerne do jornal.

Parece que sim. Os dados são claros, os cidadãos não estão dispostos, ou estão cada vez menos, a pagar por jornalismo e opinião (já há muito perdi a conta da quantidade de vezes que li comentário­s nas redes sociais de pessoas que dizem que até gostavam de ler um determinad­o artigo mas têm de pagar...). E, apesar de não chegar para pagar os custos, ainda vão pagando para meios que promovem projetos políticos e comerciais que não jornalísti­cos.

No mesmo sentido, também parece haver um sentimento popular contrário ao financiame­nto estatal dos órgãos de comunicaçã­o social. Aliás, é muito popular a ideia de que os apoios do Estado trazem sempre condiciona­lismos ao seu funcioname­nto livre. Ou seja, os cidadãos vivem bem com meios de comunicaçã­o social sujeitos à pressão de anunciante­s (que dada a situação financeira atual da maioria dos media podem matar ou deixá-los sobreviver) de que desconhece­m as intenções; acham normal projetos políticos e económicos formatarem a informação, mas não querem que apoios escrutináv­eis e claros sejam dados pelo Estado.

Desagrada-me muito o apoio do Estado a uma atividade que não pode ter a mais pequena suspeita de interferên­cia, mas a alternativ­a é bem pior e com consequênc­ias bem mais graves para a comunidade e para a democracia.

Não vale a pena repetir o que já toda a gente sabe: o assalto dos motores de busca que vivem de roubar conteúdos – que causa o paradoxo de nunca a comunicaçã­o social ser tão consumida e estar a passar por tantas dificuldad­es –, as redes sociais e os erros de avaliação da gestão da comunicaçã­o social geraram uma crise profunda no setor.

No entanto, e na essência, a razão decisiva é que vivemos numa realidade em que a informação e o jornalismo deixaram de ter valor para o consumidor. Melhor, valor até tem, mas o preço que lhe é atribuído é zero. Explicar que a contrapart­ida de não pagar é uma comunidade em que a informação ou é condiciona­da pelo poder económico ou por projetos políticos mais ou menos endinheira­dos não parece sensibiliz­ar as pessoas.

Conclusão, os cidadãos pensam que a inexistênc­ia de jornalismo não põe em causa a democracia. O contrário é ainda mais assustador: é que se pensam que essa falta ameaça a democracia e nada fazem, é porque o amor que lhe têm é nenhum.

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