Opinião de José Manuel Pedreirinho
De que modo a pandemia da Covid-19 vai influenciar os ambientes onde vivemos? Este foi o desafio lançado pelo DN à Ordem dos Arquitetos. É cedo para se fazer propostas, mas é certo que a classe terá um papel fundamental.
Papel do arquiteto é fundamental na conceção dos novos espaços
Não foi esta a primeira vez, nem será certamente a última, que nós, humanos, estamos a passar por uma pandemia. O que mudou desta vez foi não só o facto de estarmos, e isso sim pela primeira vez, a vivê-la assistindo, impotentes, às repercussões que rapidamente se espalharam por todo o mundo, como a acompanhá-la em tempo real.
Ambos os factos são uma consequência direta da sociedade de comunicação em que vivemos. Factos que, por um lado, nos permitem ter condições de resposta mais rápida e ajustada, mas que por vezes não nos deixam tempo para pensar, muito menos para nos adaptarmos às mudanças. Há muito que vários sociólogos têm caracterizado a nossa como uma sociedade em que o passado e o futuro quase desaparecem em face da importância do presente, e quando esse presente se torna tão perturbante e inseguro quanto este, a desorientação e os medos que daí resultam são quase inevitáveis.
De que modo as mudanças a que estamos a assistir vão refletir-se nos ambientes onde vivemos, é seguramente prematuro fazer propostas. Julgo que a única certeza é que as diferenças serão muitas, na inevitável adaptação a novas necessidades e formas de vida, que serão, como sempre, o reflexo da sociedade que a desenvolve.
Em termos globais assistimos, e em tempo real, a imensos movimentos de migrantes de regresso às suas origens, na procura de um apoio que sabem não ter nos sítios onde procuravam trabalho. Quanto às certezas que, há muito pouco tempo ainda, previam que, em 2050, 70% da população mundial (ou seja cerca de 6,7 biliões de pessoas) vivesse em grandes cidades ou em megametrópoles, essas estão a ser postas em causa perante as possibilidades, agora redescobertas, do teletrabalho e das reuniões não presenciais.
Não porque umas e outras não sejam necessárias, mas porque podem ser otimizadas e, seguramente, reduzidas, pondo em causa muitos dos meios que precisamos assegurar para os espaços de trabalho, transportes ou mobilidades que há poucos meses considerávamos como verdades adquiridas.
Devemos, sem dúvida, repensar a organização de alguns dos nossos espaços públicos, a sua utilização e os sistemas de mobilidade que temos desenvolvido.
Passámos anos a construir espaços para neles se concentrar um grande número de pessoas, mas depois dos sobressaltos que há algum tempo tivemos com ações terroristas suicidas, numa espiral de violência sem precedentes, fomos obrigados a repensar barreiras onde durante muitos anos procurámos continuidades fluidas, e estamos agora, de novo, a procurar criar barreiras, afastamentos e separações. Vamos assistir a jogos em estádios pensados para muitos milhares de espectadores mas que estão agora vazios, e investíamos muito do nosso tempo em viagens e reuniões que agora descobrimos poderem fazer-se desde casa.
É evidente que muitas destas transformações são de um momento de crise que, depois de ultrapassado, nos vai permitir regressar ao que conhecíamos, mas vão também deixar sequelas no nosso modo de viver e nos medos com que o fazemos.
Quanto a outras, como a que há muitos anos andamos a discutir, sem grandes resultados, sobre a inevitabilidade de medidas que protegessem o ambiente, o vírus veio, de repente, mostrar-nos que afinal somos capazes de viver sem a absurda poluição que diariamente produzimos.
As mudanças de paradigma serão, decerto, a resposta a algumas destas diferentes necessidades, quer na organização de um território que se quer mais adaptado e amigo de uma natureza que, muitas vezes nos temos dado ao luxo de, despreocupadamente, destruir, quer no modo como temos de saber reinventar respostas às mais elementares carências do ser humano.
Respostas que vamos também ter de encontrar nos materiais que usamos e na otimização dos recursos energéticos que temos ao nosso dispor. Uma otimização que deverá passar por um outro modo de organizarmos os espaços interiores, reorganizando funcionalidades e privacidades que nos poderão ajudar a viver de outra forma, e onde a possibilidade de que nestes se possa conciliar vida familiar e trabalho será, provavelmente, determinante.
Essas são algumas das consequências globais que vamos ter de enfrentar. Enquadradas pela profunda recessão em que estamos apenas a entrar, temos de olhar de outro modo para as necessidades a que temos de dar resposta e para os meios que podemos empregar.
Uma atenção muito especial é a que temos de ter perante o meio ambiente e os recursos de que dispomos, assegurando as condições para a biodiversidade e acelerando o caminho para uma economia circular que nos permita otimizar recursos que, mais do que nunca, sabemos serem limitados.
Caminhos que nos permitam encontrar as respostas à complexidade dos problemas e das mudanças perante uma espiral de infinito crescimento cujo controle estávamos há muito a perder, sem estratégias nem objetivos.
É, talvez, nesta dimensão global da pandemia que mais relações encontramos com a arquitetura, pois em ambas a resolução de um problema, que é manifestamente global, exige uma abordagem local cuja atenção às especificidades do enquadramento económico, ou às estruturas social e política, deve complementar-se com os aspetos culturais.
Uma abordagem que, para resultar, deverá centrar-se cada vez mais na pessoa e na resposta às suas necessidades.
Não vamos privar-nos de tudo o que fazíamos. Somos e continuaremos a ser seres sociais, gostamos e precisamos de conviver e de manifestar os nossos afetos, mas podemos também aproveitar estes tempos para infletir muitos dos caminhos que estávamos a percorrer, até porque muitas vezes não sabíamos bem onde cada um deles nos ia conduzir.
Toda uma série de questões para cuja resposta o papel dos arquitetos será, seguramente, determinante, pois são eles que têm a formação e a capacidade para exprimir no edificado todo o equilíbrio do homem, enquanto ser uno e cultural.