A recuperação verde
Durante um tempo, nos estágios iniciais da pandemia da covid-19, havia grandes esperanças de uma recuperação em forma de V. Depois de um confinamento breve, mas abrangente, para estancar a propagação do vírus, a economia reabriria facilmente e, com cuidado e dinheiro suficientes, tudo voltaria a ser como era no início do ano.
Isso era claramente uma fantasia. Meses após o período inicial de confinamento, os Estados Unidos e muitos outros países ainda estavam a atingir novos máximos no número de infeções e mortes por covid-19. E a pandemia expôs – e provavelmente exacerbou – profundos problemas que assolavam a economia muito antes do início da crise. Por exemplo, a economia dos Estados Unidos gerou enormes desigualdades não apenas em rendimento e riqueza, mas também em consequências na saúde e no acesso a cuidados de saúde. E como essas disparidades acompanham de perto as da raça na América, as populações já marginalizadas ficaram ainda mais vulneráveis ao vírus.
Os governos, entretanto, intervieram numa escala sem precedentes. Com tais níveis massivos de gastos públicos, os cidadãos têm todo o direito de exigir que a economia pós-crise seja moldada de acordo com os seus próprios interesses, não os dos “mercados” ou qualquer outra coisa que os capitalistas de vistas curtas exijam.
Idealmente, uma “nova” economia seria muito mais verde do que a anterior. Os gastos e os investimentos atuais facilitariam uma ampla mudança da economia movida a combustíveis fósseis que prevaleceu nos últimos 200 anos. Os setores baseados no conhecimento substituíram a manufatura, o petróleo e o carvão. A crise seria enfrentada com políticas destinadas a acelerar tendências positivas, como a redução dos custos da energia solar e eólica, ao mesmo tempo que reverteria desenvolvimentos negativos, como o aumento da desigualdade.
Um resultado como esse é eminentemente viável. As despesas de emergência recentes forneceram aos decisores políticos um conjunto de instrumentos para remodelar a economia. Por exemplo, a assistência financeira do Estado (seja uma subvenção ou um empréstimo) pode salvar vidas e, portanto, deve ser alocada com sabedoria, com o objetivo de sustentar os setores que queremos ver emergir ainda mais fortes da crise. Infelizmente, nos Estados Unidos, embora as companhias aéreas tenham recebido milhares de milhões, os setores do conhecimento (incluindo universidades de investigação) não receberam o apoio financeiro de que precisam. Isso sugere que a economia dos EUA está a ser empurrada na direção oposta daquela para onde se deveria dirigir.
Quando se fornece a assistência governamental, ela precisa de vir com condições projetadas para conduzir a economia na direção certa. Quando os EUA resgataram as suas companhias aéreas, poucas condições foram impostas. A França, por outro lado, exigiu que a Air France reduzisse as suas emissões de dióxido de carbono e os voos domésticos como condição para receber ajuda do Governo.
A disparidade entre os dois países não deve ser surpresa. A atual liderança dos EUA não ofereceu nenhuma visão para o futuro da economia. Quando o governo do presidente Donald Trump não negou abertamente a crise, agiu como se a economia fosse simplesmente retomar no ponto onde parou.
Agora parece provável que a pandemia vai permanecer connosco o suficiente para nos dar tempo para pensar estrategicamente sobre como os programas de recuperação podem ser projetados para restaurar a saúde das economias e remodelá-las para o futuro. Antes da pandemia, sabíamos que a transição para uma economia neutra em carbono exigiria um esforço de toda a sociedade na escala do New Deal ou uma “mobilização em tempo de guerra”. Como agora está claro que a própria recuperação exigirá investimentos avultados, é natural que combinemos esses imperativos numa única estratégia.
A boa notícia é que os investimentos verdes em energia renovável, infraestruturas sustentáveis, edifícios com eficiência energética e outras despesas podem ser oportunos e flexíveis, o que é importante quando há tanta incerteza sobre a evolução da pandemia. Os investimentos verdes também tendem a ser intensivos em mão de obra, o que é ideal para reduzir o desemprego e aumentar os salários. E geralmente têm grandes efeitos multiplicadores (proporcionando um maior retorno do investimento, em comparação com outras formas de gastos), o que é importante quando tantos países enfrentam défices e dívidas em expansão.
A Nova Zelândia já está a pôr essas ideias em ação, redistribuindo funcionários da área da hotelaria (que de outra forma estariam desempregados) para trabalhar em projetos de conservação em áreas de “turismo natural”. Este esquema provavelmente terá bons resultados no futuro. O US Civilian Conservation Corps, o Works Progress Administration e outros programas do New Deal deixaram um legado físico e cultural do qual os americanos ainda desfrutam quase 100 anos depois.
As instituições de mercado costumam ser míopes de mais para verem a sensatez do investimento de longo prazo. Na nossa complexa economia, o investimento público é necessário, mas não suficiente para impulsionar uma recuperação verde.
No entanto, a implementação de tais investimentos hoje exigirá inovação institucional, incluindo a criação de novos bancos de desenvolvimento “verdes” e a expansão das organizações existentes. As instituições de mercado costumam ser míopes de mais para verem a sensatez do investimento de longo prazo. Mas, embora alguns bancos verdes existentes se tenham mostrado bastante eficazes, outros não. Precisamos de estar atentos às lições dos sucessos e dos fracassos recentes e adaptarmo-nos de acordo com isso.
Na nossa complexa economia, o investimento público é necessário, mas não suficiente para impulsionar uma recuperação verde. Também será necessário haver incentivos para facilitar o investimento privado em setores verdes. Novamente, já existem várias ferramentas para fazer isso. Por exemplo, ao exigir que grandes empresas, incluindo bancos, divulguem os seus riscos climáticos, podemos desviar o capital privado dos investimentos tradicionais para projetos verdes.
Além disso, promover simplesmente o pensamento de longo prazo e desestimular a visão de curto prazo moverá a economia numa direção mais verde quase como uma coisa natural. Para esse fim, os fiduciários devem concentrar-se mais nos riscos de longo prazo, e a governança corporativa deve ser reformada para dar aos investidores de longo prazo mais voz (por meio de “ações de fidelidade”) na tomada de decisões das empresas.
Finalmente, embora os bancos verdes existentes e recém-criados possam disponibilizar mais fundos de investimento, as regulamentações podem ser reforçadas para tornar a economia “mais verde”, por exemplo, proibindo a energia a carvão e outras formas de energia suja. E é hora de começar a discutir um preço significativo do carbono, que também encorajaria o investimento verde.
As previsões do Fundo Monetário Internacional e de outras organizações indicam que será muito difícil retornar ao pleno emprego tão cedo. Em muitos países, as taxas de desemprego podem não regressar ao nível do final de 2019 até 2022.
E esse é o cenário otimista: quanto mais tempo durar a crise da covid-19, mais profundas serão as cicatrizes económicas.
Uma forte recuperação exigirá um apoio governamental não apenas bem planeado, mas também sustentado ao longo do tempo. Uma situação desastrosa proporcionou-nos uma rara oportunidade de procurar os investimentos e as reformas necessários para um futuro mais sustentável e próspero. Não devemos desperdiçá-la.
Joseph E. Stiglitz, laureado com o Prémio Nobel da Economia e professor da Universidade de Colúmbia, é economista-chefe do Roosevelt Institute e ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial. O seu livro mais recente é People, Power and Profits: Progressive Capitalism for an Age of Discontent.