Pandemia. “Desconseguimos?”
Aprimeira vez que ouvi a palavra “desconseguimos” foi em Maputo. Estava em reportagem em Moçambique, para um outro jornal, quando enriqueci o meu léxico com mais esta expressão africana. Na prática, quer dizer “não fizemos”, “ainda não está pronto”, “ainda não está feito”. “Desconseguimos” é o que parece ter acontecido em Portugal, quando analisamos a luta contra a covid-19 e o número crescente de infetados e de mortos. A semana que passou ficou marcada por “desconseguimentos”.
Ficou marcada pela apresentação do OE,“expansionista”, como diz o governo, mas cuja aprovação no Parlamento, com o apoio da esquerda, ainda é uma miragem e não recolhe críticas favoráveis dos parceiros sociais.
Outro dia importante foi o da entrega do plano de recuperação económica pelo governo em Bruxelas, uma reunião da qual a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, saiu a correr por ter ficado a saber que um membro da sua equipa deu positivo no teste à covid-19, obrigando assim a líder a fazer, de novo, confinamento...
A declaração do estado de calamidade para todo o país, com a apresentação de oito medidas de contenção, também marcou os dias e gerou polémica. À cabeça vem a intenção de o governo submeter ao Parlamento a aprovação da app StayAway Covid como obrigatória, o que levanta dúvidas aos partidos e constitucionalistas.O governo sugere também o uso obrigatório de máscara na rua, desagradando a muitos que preferem defender o modelo sueco – mesmo sem saber o que isso poderia custar em vidas dos nossos pais e avós ou dos nossos irmãos e filhos.
No mesmo dia em que conhecemos as novas medidas de contenção da pandemia, o bastonário da Ordem dos Médicos alertou para a necessidade urgente de articulação entre o setor público e privado.Também ouvimos dois alertas graves, de dois dos mais importantes hospitais do país: o São João, do Porto, cancelou as cirurgias para dar prioridade à covid-19, sinalizando que começa a ficar à beira da rutura; e o Curry Cabral, em Lisboa, avisou que já tem tantos casos de covid-19 como teve no pico e que“a situação está a tornar-se insustentável e não é por virem mais recursos humanos que se resolverá, se não for travada na sua origem”, disse o diretor da unidade.
Lá fora, o impacto externo deste “desconseguimento” atingiu o pico com o caso de Cristiano Ronaldo, que testou positivo. Além disso, não param de aumentar os casos entre alunos estrangeiros de Erasmus a estudar em universidades portuguesas.
Os autoritarismos devem ser repudiados, sempre, e a liberdade individual, direitos e garantias defendidas, sempre. Mas não estará na altura de nos focarmos no essencial e perceber que o coletivo pode ter de sobrepor-se ao individual, para bem da saúde e vida de todos? Ou vamos continuar a brincar com o fogo e a não usar mascara? E façam um favor ao planeta: usem máscaras de tecido recicláveis e ainda ajudam a salvar empregos na indústria têxtil nacional.