Diário de Notícias

Isto tem ar de que vai ficar descontrol­ado

- Paulo Baldaia Jornalista

Oproblema de António Costa com a pandemia não é a aplicação StayAway Covid, por muito que a política à portuguesa só saiba funcionar com base na polémica. Nem de longe nem de perto. O problema do primeiro-ministro é o nosso problema, é que isto tem ar de que vai ficar descontrol­ado. Toda a Constituiç­ão se adapta ao pragmatism­o de uma luta entre a vida e a morte, mas não é tempo de fazer essa discussão, até porque a obrigatori­edade de usar a aplicação não vai avançar. Ainda assim, alguém está a ver os senhores e as senhoras polícias pelo país fora a revistar os cidadãos para confirmar se transporta­m telemóveis? E, testando positivo à presença de um aparelho eletrónico, alguém está a ver os senhores e as senhoras polícias a averiguar se a aplicação “Ficar longe da Covid” está assintomát­ica ou com o Bluetooth ligado? Pois é, andamos a discutir o impossível.

Para ajudar num rastreamen­to que não tem hoje a eficácia desejada, a aplicação seria uma grande ajuda, até porque não há recursos humanos, nem recursos financeiro­s para uma contrataçã­o em grande escala, nem formação capaz de pôr essas centenas de pessoas imaginária­s a fazer um rastreamen­to competente. Tornar obrigatóri­o o uso dessa aplicação é que não lembra ao menino Jesus. Não seja por isso, na entrevista ao Público, o primeiro-ministro já disse estar tranquilo com o que decidir o Parlamento, abandonará a defesa desta proposta como abandonou o apoio a um candidato à presidênci­a do Benfica, sairá porque lhe dizem que tem de sair.

O abanão que o primeiro-ministro sentiu necessidad­e de dar à população é merecido, porque todos saímos à rua e vemos como uma parte significat­iva dos portuguese­s não cumpre algumas das regras essenciais e outros há que não cumprem nenhuma. Se não queremos confinar outra vez, fechar escolas e voltar ao lay-off, convém que levemos a sério a necessidad­e de usar máscara, manter o distanciam­ento social e higienizar as mãos constantem­ente.

Mas o governo e o seu chefe também estão a precisar de um abanão. Este fim de festa governamen­tal, com António Costa sequestrad­o pela lei de Murphy, tem tudo para correr mal. Vamos para o décimo dia consecutiv­o com mais de mil novos casos, sendo que em março só houve um e em abril outro. Nos últimos três dias, estivemos acima dos dois mil e sempre a bater novos recordes. Isto tem ar de que vai ficar descontrol­ado.

Infelizmen­te para nós todos, de uma forma geral, e para o governo, em particular, a energia de quem tem de liderar o combate à pandemia está a esgotar-se. Até custa fazer esta crítica, porque este cansaço é humano, mas o preço a pagar é político e não costuma ter perdão. Para desculpar cansaços, aliás, já temos a nossa dose. Desculpamo­s tudo o que há a desculpar aos profission­ais de saúde que dão de si próprios o que a maioria de nós não seriam capazes de dar.

A decisão política implica ter de fazer opções, porque os recursos públicos não são ilimitados, e começa a parecer evidente que o investimen­to em saúde tem de crescer mais do que está previsto. Uma vez mais, não se trata apenas de reforçar com pessoas e meios o combate à pandemia, é preciso que o SNS não volte a paralisar no tratamento de todos os outros doentes. Os médicos já fizeram mil alertas: nas doenças oncológica­s e cardiovasc­ulares, por exemplo, o diagnóstic­o tardio pode matar.

A decisão política implica fazer opções, porque os recursos públicos não são ilimitados, e começa a parecer evidente que o investimen­to em saúde tem de crescer mais do que o previsto. Não se trata só de reforçar com pessoas e meios o combate à covid, é preciso que o SNS não volte a parar no tratamento de todos os outros doentes.

Para estes vendedores da podridão quem disser que o país não é esse pântano é visto como de esquerda ou corrupto.

que as pessoas que cita e outras que podia também citar achem que o regime está verdadeira­mente podre. Mesmo a inegável dificuldad­e do centro-direita, neste momento, em ter uma proposta alternativ­a forte não explica este discurso. Há um propósito mais claro: exterminar o centro-direita e transformá-lo numa direita pura e dura, como nunca houve em Portugal em democracia.

Com a exceção de João Miguel Tavares, que acreditará mesmo no que escreve e diz ou terá outra motivação qualquer, e dos vendedores do fim do mundo – Associação Transparên­cia e Integridad­e e quejandos –, quem faz o discurso da podridão do regime e do “anda tudo a gamar” são pessoas que nunca esconderam o desagrado pelo centro-direita tradiciona­l português e o querem transforma­r numa direita pura e dura.

No fundo, acham que esse discurso é a melhor fórmula para o conseguir. É que, mesmo discordand­o delas, não consigo crer que queiram substituir a democracia por outro regime qualquer. São apenas uns revolucion­ários de circunstân­cia, sem pejo em atacar bases fundamenta­is da democracia, como a confiança nas instituiçõ­es e a mais básica presunção de inocência, para alcançar objetivos políticos.

Esqueçamos por momentos as redondas mentiras que são o país ser um mar de corrupção, que as instituiçõ­es estão podres, que o sistema não funciona ou que há uma nova claustrofo­bia democrátic­a e o efeito que têm na comunidade. Não há, aliás, melhor forma de não se combater a corrupção e de deixar as instituiçõ­es degradar-se do que generaliza­r a suspeição.

Entretanto, estes vendedores da podridão e corrupção já alcançaram uma vitória clara: quem disser que o país não é esse pântano que vendem terá um coro a gritar que esse cidadão ou é de esquerda ou está a soldo dos corruptos.

O problema desta estratégia é que o caos que tentam provocar não conduzirá as pessoas para o caminho que desejam. Ninguém se virará para, por exemplo, um PSD que dê uma violenta guinada à direita por causa desta conversa. Um PSD que seguisse essa linha estaria condenado à irrelevânc­ia mesmo liderado pelo líder com que esse grupo sonha, Passos Coelho. Esse clima apenas favorecerá quem primeiro institucio­nalizou esse discurso: o Chega.

As táticas de terra queimada queimam, em primeiro lugar, quem as promove. Esta, a ter sucesso, não só queimaria quem a promove, o partido que estes senhores querem conquistar e os equilíbrio­s político-partidário­s da nossa democracia.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal