Isto tem ar de que vai ficar descontrolado
Oproblema de António Costa com a pandemia não é a aplicação StayAway Covid, por muito que a política à portuguesa só saiba funcionar com base na polémica. Nem de longe nem de perto. O problema do primeiro-ministro é o nosso problema, é que isto tem ar de que vai ficar descontrolado. Toda a Constituição se adapta ao pragmatismo de uma luta entre a vida e a morte, mas não é tempo de fazer essa discussão, até porque a obrigatoriedade de usar a aplicação não vai avançar. Ainda assim, alguém está a ver os senhores e as senhoras polícias pelo país fora a revistar os cidadãos para confirmar se transportam telemóveis? E, testando positivo à presença de um aparelho eletrónico, alguém está a ver os senhores e as senhoras polícias a averiguar se a aplicação “Ficar longe da Covid” está assintomática ou com o Bluetooth ligado? Pois é, andamos a discutir o impossível.
Para ajudar num rastreamento que não tem hoje a eficácia desejada, a aplicação seria uma grande ajuda, até porque não há recursos humanos, nem recursos financeiros para uma contratação em grande escala, nem formação capaz de pôr essas centenas de pessoas imaginárias a fazer um rastreamento competente. Tornar obrigatório o uso dessa aplicação é que não lembra ao menino Jesus. Não seja por isso, na entrevista ao Público, o primeiro-ministro já disse estar tranquilo com o que decidir o Parlamento, abandonará a defesa desta proposta como abandonou o apoio a um candidato à presidência do Benfica, sairá porque lhe dizem que tem de sair.
O abanão que o primeiro-ministro sentiu necessidade de dar à população é merecido, porque todos saímos à rua e vemos como uma parte significativa dos portugueses não cumpre algumas das regras essenciais e outros há que não cumprem nenhuma. Se não queremos confinar outra vez, fechar escolas e voltar ao lay-off, convém que levemos a sério a necessidade de usar máscara, manter o distanciamento social e higienizar as mãos constantemente.
Mas o governo e o seu chefe também estão a precisar de um abanão. Este fim de festa governamental, com António Costa sequestrado pela lei de Murphy, tem tudo para correr mal. Vamos para o décimo dia consecutivo com mais de mil novos casos, sendo que em março só houve um e em abril outro. Nos últimos três dias, estivemos acima dos dois mil e sempre a bater novos recordes. Isto tem ar de que vai ficar descontrolado.
Infelizmente para nós todos, de uma forma geral, e para o governo, em particular, a energia de quem tem de liderar o combate à pandemia está a esgotar-se. Até custa fazer esta crítica, porque este cansaço é humano, mas o preço a pagar é político e não costuma ter perdão. Para desculpar cansaços, aliás, já temos a nossa dose. Desculpamos tudo o que há a desculpar aos profissionais de saúde que dão de si próprios o que a maioria de nós não seriam capazes de dar.
A decisão política implica ter de fazer opções, porque os recursos públicos não são ilimitados, e começa a parecer evidente que o investimento em saúde tem de crescer mais do que está previsto. Uma vez mais, não se trata apenas de reforçar com pessoas e meios o combate à pandemia, é preciso que o SNS não volte a paralisar no tratamento de todos os outros doentes. Os médicos já fizeram mil alertas: nas doenças oncológicas e cardiovasculares, por exemplo, o diagnóstico tardio pode matar.
A decisão política implica fazer opções, porque os recursos públicos não são ilimitados, e começa a parecer evidente que o investimento em saúde tem de crescer mais do que o previsto. Não se trata só de reforçar com pessoas e meios o combate à covid, é preciso que o SNS não volte a parar no tratamento de todos os outros doentes.
Para estes vendedores da podridão quem disser que o país não é esse pântano é visto como de esquerda ou corrupto.
que as pessoas que cita e outras que podia também citar achem que o regime está verdadeiramente podre. Mesmo a inegável dificuldade do centro-direita, neste momento, em ter uma proposta alternativa forte não explica este discurso. Há um propósito mais claro: exterminar o centro-direita e transformá-lo numa direita pura e dura, como nunca houve em Portugal em democracia.
Com a exceção de João Miguel Tavares, que acreditará mesmo no que escreve e diz ou terá outra motivação qualquer, e dos vendedores do fim do mundo – Associação Transparência e Integridade e quejandos –, quem faz o discurso da podridão do regime e do “anda tudo a gamar” são pessoas que nunca esconderam o desagrado pelo centro-direita tradicional português e o querem transformar numa direita pura e dura.
No fundo, acham que esse discurso é a melhor fórmula para o conseguir. É que, mesmo discordando delas, não consigo crer que queiram substituir a democracia por outro regime qualquer. São apenas uns revolucionários de circunstância, sem pejo em atacar bases fundamentais da democracia, como a confiança nas instituições e a mais básica presunção de inocência, para alcançar objetivos políticos.
Esqueçamos por momentos as redondas mentiras que são o país ser um mar de corrupção, que as instituições estão podres, que o sistema não funciona ou que há uma nova claustrofobia democrática e o efeito que têm na comunidade. Não há, aliás, melhor forma de não se combater a corrupção e de deixar as instituições degradar-se do que generalizar a suspeição.
Entretanto, estes vendedores da podridão e corrupção já alcançaram uma vitória clara: quem disser que o país não é esse pântano que vendem terá um coro a gritar que esse cidadão ou é de esquerda ou está a soldo dos corruptos.
O problema desta estratégia é que o caos que tentam provocar não conduzirá as pessoas para o caminho que desejam. Ninguém se virará para, por exemplo, um PSD que dê uma violenta guinada à direita por causa desta conversa. Um PSD que seguisse essa linha estaria condenado à irrelevância mesmo liderado pelo líder com que esse grupo sonha, Passos Coelho. Esse clima apenas favorecerá quem primeiro institucionalizou esse discurso: o Chega.
As táticas de terra queimada queimam, em primeiro lugar, quem as promove. Esta, a ter sucesso, não só queimaria quem a promove, o partido que estes senhores querem conquistar e os equilíbrios político-partidários da nossa democracia.