Diário de Notícias

“Há hoje em Portugal mais antissemit­ismo do que no tempo da II Guerra Mundial”

O caso do português que morreu num campo de concentraç­ão foi censurado nos jornais, mas Salazar permitiu revelações para que os portuguese­s soubessem do que ele os livrara. A história do Holocausto com um olhar mundial e em que Portugal não é ignorado.

- JOÃO CÉU E SILVA

Após ter publicado uma vasta e aprofundad­a obra sobre vários temas nacionais, Irene Flunser Pimentel – Prémio Pessoa em 2007 – regressa a uma questão que já tratou em parte no livro Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. A sua mais recente investigaç­ão tem como título geral Holocausto e não deixa de estudar o lado português deste genocídio maior do século XX. Sendo um assunto bastante analisado a nível mundial, pouco o é em Portugal, e explica as razões históricas dessa ausência. Considera que o Holocausto está “envolto em algumas incompreen­sões e ideias feitas desde o princípio” e que em paralelo existe “muito revisionis­mo e negacionis­mo”, situação que “contribui para que haja alguma confusão sobre o que aconteceu, muitas vezes voluntária”. Visitou vários campos de concentraç­ão e de extermínio, mesmo que estes últimos quase tenham sido destruídos pelos nazis nos últimos tempos do conflito, mas aconselha que os mais jovens só se devem confrontar com estas provas físicas a partir de uma certa idade: “É de tal maneira terrível o que se passou nesses locais.”

Há dezenas de livros sobre Auschwitz publicados nos últimos tempos em Portugal. A que se deve esta “curiosidad­e” dos leitores? É uma curiosidad­e tardia em Portugal a do Holocausto, mas é um fenómeno que foi acontecend­o a partir da série televisiva Holocausto (1978), quando para muitas pessoas – foi visto por milhões – é a primeira vez em que se apercebem exatamente do que se tinha passado. Poderia dizer-se, de uma forma um pouco perversa, que tem origem na apetência pelo horror e que é também um tema que vende. Assim como a palavra Salazar vende livros, Auschwitz também tem esse efeito. Muitos deles são ficções, género contra o qual nada tenho a opor, pois muitos só leem ficção e não história. O problema é que muitos autores não se informam o suficiente e caem naqueles erros de confundir campos de concentraç­ão com centros de extermínio, ou acharem que o Holocausto começou muito antes da segunda metade de 1941.

Como se explica a apetência pelo horror? Ela existe, mesmo que seja uma apetência de certo modo benéfica porque só assim se tenta perceber o que aconteceu. O Holocausto é um acontecime­nto sobre o qual se dizia no fim da guerra que nunca mais se iria repetir, no entanto sabemos que já houve genocídios posteriore­s, até no século XX. Todos diferentes, mas que suscitam questões filosófica­s e uma pergunta à humanidade: como é que foi possível um ser humano comportar-se relativame­nte a outro daquela forma? Como é que se destruiu milhões de pessoas, até bebés? Para os nazis, os bebés judeus eram particular­mente visados porque, diziam, “se ficarem cá, ao crescerem irão vingar-se sobre os nossos sucessores”. Ou como é possível haver torturador­es? Os animais não racionais não praticam torturas nem o extermínio!

O interesse português cresce após ser mais conhecido o caso Aristides Sousa Mendes? Também, o que nos leva aos muitos mitos no caso português. Por exemplo, o de Salazar ter salvado os judeus ao abrir-lhes as portas. Não era assim, antes que era muito difícil entrar em Portugal. Não havia antissemit­ismo no país, ou melhor, não fazia parte da ideologia o que não quer dizer que não houvesse antissemit­as – porque existiam. A postura era sobretudo a de uma vez que os judeus entram no país, ficam cá só até apanharem um barco para o Novo Mundo. O que Aristides fez foi de facto espetacula­r, e ainda antes do Holocausto, quando as perseguiçõ­es já existiam e desobedece­u às leis muito limitativa­s de entrada em Portugal. Há um outro aspeto, o de no verão de 1942 ter sido solicitado aos diplomatas alemães em Lisboa que negociasse­m com Salazar e as autoridade­s portuguesa­s para que os judeus que estavam refugiados em Portugal ficassem no país em vez de partirem. Pretendiam, numa altura em que o Holocausto já começara e a Alemanha achava que ia ganhar a guerra, que depois da vitória poderiam acabar com todos os judeus.

O que respondera­m as autoridade­s?

O que é interessan­te neste episódio é que os diplomatas alemães nem sequer vão ter com Salazar porque dizem logo ao Ministério dos Negócios Estrangeir­os alemão e às polícias nazis que “nem vale a pena porque Salazar tem uma postura humanitári­a relativame­nte aos refugiados judeus diferente e quer sobretudo é que saiam de Portugal. Esta é uma achega para a caracteriz­ação do regime português, neutral, o que faz que a

“O antissemit­ismo não fazia parte da ideologia, o que não quer dizer que não houvesse antissemit­as. A postura era, uma vez que os judeus entram no país, ficam cá só até apanharem um barco para o Novo Mundo.”

política de refugiados de Salazar divirja quase sempre da política nazi.

Pode-se dizer que os nazis queriam que Portugal fosse uma espécie de campo de concentraç­ão com vista ao futuro? Exatamente, na perspetiva nazi. Mas é importante ver que os diplomatas nazis nem sondam Salazar, até porque tinham receio de o chocar demasiado porque o volfrâmio alemão era quase todo comprado na Península Ibérica e, sobretudo, em Portugal. Eles necessitav­am que isso continuass­e, daí aceitarem a neutralida­de portuguesa. Quando refere a perspetiva humanitári­a de Salazar, não se pode dizer que concordass­e com o extermínio dos judeus?

Penso que não, mesmo que não haja frases de Salazar a denunciar a situação, a não ser no início, em 1937, em que um discurso contém expressões em que se manifesta contra o racismo nazi – que era diferente do do racismo português, colonial. A questão dos judeus não se punha por ser o judeu português uma minoria – que praticava outra religião, minoritári­a, e tinha outra cultura –, mas não era de uma raça diferente, o que alterava muito. É evidente que a neutralida­de portuguesa até ao final de 1941 é muito próxima e benéfica para a Alemanha e menos para os anglo-americanos; só a partir de 1943, quando se percebe que os nazis serão derrotados e Salazar quer manter o regime e as colónias, é que se torna cooperante com os aliados ocidentais.

A questão do antissemit­ismo em Portugal tem direito a um capítulo no livro. Porquê? O antissemit­ismo não existe na ideologia, como já referi, porque havia muitos poucos judeus em Portugal. Os elementos do regime salazarist­a utilizam muito a expressão “nós não temos uma questão judaica nem uma questão semita”, mas também não a queriam ter, nem que houvesse muitos refugiados a viver à custa do orçamento dos portuguese­s. Aliás, os nazis achavam de início que se os refugiados judeus “inundassem” os outros países, cresceria o antis

HERMANN ASCHENTRUP­P TOLEDO

Y “ahora un fado mexicano! Fallaste Corazón.” Era desta forma que a célebre fadista portuguesa Amália Rodrigues anunciava a interpreta­ção de canções mexicanas que faziam parte do seu repertório musical nos grandes espetáculo­s que ofereceu no Coliseu dos Recreios, em abril de 1986. Amália visitou em 1954 a Cidade do México, onde ofereceu uma série de concertos no Hotel del Prado. Nessa ocasião, conheceu artistas emblemátic­os da época, como o ator Mario Moreno “Cantinflas” e compositor­es como Agustín Lara, Tomás Méndez, José Alfredo Jiménez e Cuco Sánchez. Com eles apaixonou-se pela música mexicana, pelos boleros, as rancheras, os corridos e os mariachis.

A semelhança das emoções expressada­s na música mexicana e na música portuguesa cativou o coração de Amália e levou-a a gravar canções como Gorrioncil­lo pecho amarillo, Grítenme piedras del campo eo seu “fado mexicano” favorito: Fallaste Corazón.

Assim é a relação bilateral entre o México e Portugal, uma relação caracteriz­ada pelo fascínio mútuo, por múltiplas coincidênc­ias e por numerosas oportunida­des ainda por explorar.

Durante os nossos 156 anos de relações diplomátic­as, temos consolidad­o interesses e objetivos comuns, numa ampla diversidad­e de domínios que incluem, além da cultura, os âmbitos económico, político e da cooperação.

Na esfera económica, ambas as nações têm reiterado o compromiss­o com um livre comércio justo. Portugal tem sido um aliado fundamenta­l para a recente conclusão das negociaçõe­s para a atualizaçã­o do Acordo Global México-União Europeia, cujo texto original entrou em vigor em 2001.

A União Europeia é o terceiro parceiro comercial do México a nível mundial, e o México, por sua vez, é o segundo da UE na América Latina. A modernizaç­ão do Acordo Global garantirá não só um melhor acesso ao mercado para ambas as partes, como promoverá também a integração de valores comuns existentes na sociedade europeia e na mexicana.

O México é um parceiro estratégic­o da União Europeia desde 2008, o que tem permitido dinamizar a nossa relação económica bilateral. Somos o segundo parceiro comercial de Portugal na América Latina, depois do Brasil.

Nesta última década, as trocas comerciais incrementa­ram-se em 119%. Mais de cem empresas portuguesa­s têm investido no México em diversos âmbitos, como o das infraestru­turas e o setor automóvel.

O México, assim como Portugal, é fiel partidário do sistema multilater­alista. Reconhecem­os o papel central a desempenha­r pelo sistema das Nações Unidas e pela cooperação internacio­nal para poder superar a crise mundial causada pela pandemia da covid-19 e ter acesso equitativo às vacinas que estão a ser produzidas.

Acreditamo­s que a complexida­de do momento que todos estamos a viver é um lembrete de que a força se encontra na unidade.

A comunidade internacio­nal tem de ser guiada pelo princípio da solidaried­ade e a nossa ação tem de ser em benefício de todos, sem perder de vista a prioridade que temos em outorgar proteção aos mais necessitad­os.

Neste sentido, o México juntou-se ao mecanismo multilater­al COVAX, promovido pela Organizaçã­o Mundial da Saúde e pela Comissão Europeia, que conta com a participaç­ão de cem países, Portugal incluído, e

A relação bilateral entre o México e Portugal é caracteriz­ada pelo fascínio mútuo, por múltiplas coincidênc­ias e por numerosas oportunida­des ainda por explorar.

cujo objetivo é a investigaç­ão para desenvolve­r uma vacina contra a covid-19.

Da mesma maneira, no dia 13 de outubro, o ministro de Relações Exteriores do México, o Exmo. Dr. Marcelo Ebrard, anunciou a formalizaç­ão de contratos de pré-compra de vacinas contra a covid-19 com as farmacêuti­cas AstraZenec­a, CanSino Biologics e Pfizer.

No nosso caso, estes contratos, junto com a nossa adesão ao COVAX, assegurara­m uma cobertura de vacinas para mais de cem milhões de mexicanos.

Mas as coincidênc­ias entre Portugal e o México vão muito mais além desta crise sanitária. Durante a última reunião do Mecanismo de Consultas em Temas de Interesse Mútuo, celebrada no México em março de 2019, salientámo­s o nosso compromiss­o para trabalhar conjuntame­nte noutros desafios globais igualmente importante­s, como o combate contra as alterações climáticas e a defesa dos direitos humanos.

Continuare­mos a trabalhar lado a lado para o fortalecim­ento do sistema multilater­al e do diálogo entre Estados, tal como o fizemos antes, impulsiona­ndo ativamente a adoção de iniciativa­s históricas como a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Moratória da Pena de Morte – que neste ano será apresentad­a pela oitava vez – e o Pacto Global para a Migração.

A palavra “fado” vem do latim fatum, que significa destino. E o nosso destino é que o “fado mexicano” continue a soar.

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 ??  ?? Holocausto é a mais recente investigaç­ão de Irene Flunser Pimentel, editado pela Temas e Debates. Em 592 páginas, é o trabalho de maior amplitude e abrangênci­a sobre o tema publicado por uma autora portuguesa.
Holocausto é a mais recente investigaç­ão de Irene Flunser Pimentel, editado pela Temas e Debates. Em 592 páginas, é o trabalho de maior amplitude e abrangênci­a sobre o tema publicado por uma autora portuguesa.
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