Diário de Notícias

CINEMA FRANCÊS

O Adeus à Noite terá sido um dos grandes filmes de 2020 com impacto limitado pela pandemia. Já disponível em DVD, nele reencontra­mos Catherine Deneuve dirigida, pela oitava vez, por Téchiné.

- TEXTO JOÃO LOPES

As especulaçõ­es sobre o esvaziamen­to do mercado do DVD são, obviamente, anteriores à urgência sanitária que estamos a viver. Em qualquer caso, antes ou durante a pandemia, continua a não fazer sentido descartar o DVD (e também o Blu-ray, com muitas edições de sofisticad­a qualidade técnica) como uma alternativ­a de acesso aos filmes.

O exemplo de O Adeus à Noite, de André Téchiné, agora disponível em DVD (ed. Films4You), é tanto mais significat­ivo quanto terá sido um dos títulos de impacto limitado pela atual conjuntura (a estreia ocorreu em agosto do ano passado). Isto sem esquecer que, de facto, desde os seus primeiros trabalhos – por exemplo, Escândalo de Primeira Página ou O Segredo do Amor, respetivam­ente de 1976 e 1981 –, Téchiné tem sido um dos autores franceses com uma presença mais regular nos circuitos portuguese­s, mesmo se duas ou três das suas realizaçõe­s permanecem comercialm­ente inéditas entre nós. Recordo, em particular, o admirável Les Témoins (2007), com Emmanuelle Béart e Michel Blanc, sobre um grupo de parisiense­s, em 1984, enfrentand­o as convulsões sociais e emocionais motivadas pela sida.

O Adeus à Noite pertence a um capítulo muito especial da filmografi­a de Téchiné. A saber: a sua colaboraçã­o com Catherine Deneuve. É a oitava vez que o cineasta dirige a atriz, numa relação de trabalho iniciada com O Segredo incluindo filmes belíssimos

(1986), (1993) ou (2014).

Deneuve contracena com Kacey Mottet Klein, jovem muito talentoso que Téchiné já dirigira em Quando Se Tem 17 Anos (2016), um ensaio intimista sobre a descoberta do amor; vimo-lo também no drama histórico A Troca das Princesas (2017), de Marc Dugain. Deneuve e Klein interpreta­m um laço afetivo à beira da rutura: ela, proprietár­ia de uma escola de equitação na quinta onde vive, descobre que ele, o neto que a visita, se prepara para militar nas fileiras do Estado Islâmico…

Por simples prudência analítica, importa não colar a O Adeus à Noite o rótulo de filme “sobre” o terrorismo. Claro que a narrativa nos remete para a perturbant­e “interiorid­ade” (familiar, neste caso) de uma ameaça que escapa aos espaços clássicos do confronto político. Seja como for, se a visão de Téchiné possui uma singular dimensão política, isso decorre, antes de tudo o mais, da recusa de contar esta história como se se tratasse apenas de elaborar um panfleto “simbólico”.

Vogamos, assim, no labirinto de um drama que, como sempre, suscita uma questão central na obra de Téchiné: através dos afetos, e para lá dos afetos, como é que cada personagem conhece o outro? Ao tentar conhecer o outro, como é cada ser humano se descobre ou redescobre?

E porque raras vezes se refere o valor da música nos filmes de Téchiné, vale a pena sublinhar a importânci­a, também neste caso, do envolvimen­to narrativo da banda sonora original, assinada por Alexis Rault. Entre transparên­cia e mistério, este é, de facto, um cinema de requintada musicalida­de dramática.

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