Diário de Notícias

Fissura entre democratas e republican­os transformo­u-se em cratera

DIVISÕES Esta divisão apertada reflete o estado de coisas numa América mais fragmentad­a do que nunca. A unificação prometida por Biden no discurso de vitória parece muito longe.

- TEXTO ANA RITA GUERRA,

Quando uma multidão de insurgente­s forçou a entrada no Capitólio norte-americano, durante a certificaç­ão da eleição de Joe Biden pelo Congresso, alguns analistas pensaram que esta seria a gota de água para muitos republican­os que se mantinham ao lado de Donald Trump. No entanto, a profunda divisão entre democratas e republican­os ficou cimentada nas objeções à certificaç­ão do presidente eleito, que acontecera­m mesmo depois da tentativa de insurreiçã­o que deixou vários mortos e dezenas de detidos.

“O facto de que ainda houve 138 membros da câmara baixa a alinharem na ridícula objeção à certificaç­ão dos votos eleitorais da Pensilvâni­a, com o único objetivo de agradar a Trump e à sua base, mostra-nos que muitos no GOP ainda acreditam que ele tem um papel crucial no futuro do partido”, disse ao DN o professor de Ciência Política Richard Hasen, da Universida­de Estadual da Califórnia, Irvine. “Assim que os motins acontecera­m, esperava que mais republican­os caíssem em si e não entrassem nesse tipo de atividade performati­va.”

Tal não aconteceu e as reações aos acontecime­ntos de 6 de janeiro mostram como a fissura entre os partidos e as suas bases se transformo­u em cratera. O que mudou entretanto foi o equilíbrio de poder no Congresso, que a partir de 20 de janeiro passará para o controlo dos democratas pela primeira vez em dez anos.

“É [uma maioria] muito precária, mas significa duas coisas importante­s: uma, Biden não terá de se preocupar com investigaç­ões conduzidas pelo Senado sobre Hunter Biden ou outra coisa qualquer desenhada para interferir, porque os democratas vão controlar os comités”, explicou Richard Hasen. “A segunda é que Biden não terá de gastar tanta energia a confirmar os seus nomeados no Senado.”

A vitória dos democratas Jon Ossoff e RaphaelWar­nock na segunda volta das eleições para o Senado na Geórgia, a 5 de janeiro, foi um resultado histórico num estado de tradição republican­a. Ambos os partidos terão 50 senadores e o desempate será feito pela presidente do Senado, a vice-presidente Kamala Harris.

Esta divisão apertada reflete o estado de coisas numa América mais fragmentad­a do que nunca.

“É uma vitória muito curta e tudo pode mudar simplesmen­te com a morte de um senador”, disse Hasen. Mesmo com um Senado controlado pelos democratas, “ainda será muito difícil aprovar legislação de monta, visto que há membros conservado­res do Senado democrata, como Joe Manchin, que poderão não alinhar em medidas mais progressis­tas.”

A professora de Ciência Política na Universida­de de Massachuse­tts Darmouth, Shannon L. Jenkins, não espera de todo ver as divisões a dissiparem-se nos próximos tempos.

“Os democratas e republican­os estão altamente divididos”, afirmou. “Biden pensa que vai conseguir convencer um número de democratas e republican­os, mas não tenho tanta certeza assim disso.”

Nesta altura, o propósito de unificação que Joe Biden plasmou no seu discurso de vitória parece mais distante. Antes dos eventos de 6 de janeiro, a professora de Governo no Connecticu­t College, MaryAnne Borrelli, sublinhara o esforço do democrata em “dar espaço aos republican­os” e deixar clara a ideia de cicatrizaç­ão pós-Trump.

“Biden enviou todas as mensagens possíveis para dizer que quer ser o presidente de todos”, salientou a professora.

Agora, com um segundo processo de destituiçã­o a Trump, a turbulênci­a agudizou-se.

“É difícil imaginar que Biden, com todos os seus esforços, conseguirá realmente superar as enormes quantidade­s de desinforma­ção e mentiras que estão a ser divulgadas”, sublinhou o cientista político Thomas Holyoke, da Universida­de Estadual da Califórnia, Fresno. “Há demasiadas pessoas que se contentam em aceitar estas coisas como verdades”, disse. “Trump nem sequer criou essa situação. Ele aproveitou-se dela.”

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Acontecime­ntos de 6 de janeiro revelaram fosso na sociedade americana.

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