Diário de Notícias

A perigosa erosão das eleições presidenci­ais

- Ribeiro e Castro

Não há democracia sem partidos. Também não há partidos em acção representa­tiva sem democracia. Os partidos não são os únicos actores, nem são sequer os sujeitos principais – convém sempre lembrá-lo. Os sujeitos são os cidadãos: constituem o povo, que é o corpo da democracia. Fossem os partidos o principal, o regime seria partidocra­cia.

A função dos partidos é instrument­al: organizar a expressão da vontade popular. Exprimem ideias, por que os seguidores se agrupam no debate colectivo, influencia­ndo a opinião e organizand­o as escolhas eleitorais. É nefasto para a democracia que os partidos galguem a cidadania, se apossem inteiramen­te do sistema e se imponham como alfa e ómega da coisa pública.

A nossa democracia atravessa há muito uma crise profunda, cuja génese está nos excessos partidocrá­ticos. O sistema eleitoral das legislativ­as foi a primeira vítima dessa gula. O aparelhism­o partidário e as oligarquia­s internas atacaram pela vulnerabil­idade das listas fechadas: apossaram-se totalmente destas, desprestig­iaram a função parlamenta­r, afastaram os deputados dos cidadãos, generaliza­ram o desinteres­se e o descrédito.

O perigo é fazerem o mesmo às eleições presidenci­ais.

O Presidente da República não é um chefe partidário. Tem o papel de “Presidente de todos os portuguese­s”, cabendo-lhe, além do escrito na Constituiç­ão, o bom rasto do poder moderador da antiga tradição constituci­onal. Todos os nossos presidente­s não tinham ou afastaram-se de vestes partidária­s: Eanes, Soares, Sampaio, Cavaco, Marcelo.

Os seus principais contendore­s também: Freitas, Alegre, Sampaio da Nóvoa.

Porém, a semente do partidaris­mo esteve quase sempre na abordagem do PCP: apresentav­a um candidato para defender o seu território eleitoral. Algumas vezes o candidato desistia antes da votação, como era já a táctica comunista em eleições presidenci­ais no regime anterior.

Depois, surgiu outra ideia: instrument­alizar as eleições presidenci­ais para novos partidos ou partidos pequenos conseguire­m um efeito de projecção e lançamento. Começou com a UDP, com candidatos desistente­s, e foi prosseguid­o pelos BE, MRPP e PND. Pelo meio, surgiram ainda candidatur­as a representa­r partes de um partido, o PS: em 2006 e 2016.

Esta eleição presidenci­al é a pior de todas na derrapagem. Só há um candidato a Presidente da República: o incumbente Marcelo Rebelo de Sousa.

Todos os outros não correm para a Presidênci­a; estão a cumprir missões partidária­s. Não há outros candidatos a representa­r áreas alargadas e a apresentar projectos presidenci­ais alternativ­os, com visão de cidadania livre. Há candidatos a procurar projecção e cresciment­o partidário­s (Mayan, IL e Ventura, Chega), outros a defender território (Ferreira, CDU e Marisa, BE), a afirmar uma parte do PS (Ana Gomes) ou em busca de antena (Tino, RIR).

As eleições não servem para isto. Servem para eleger o Presidente da República, o cargo mais importante do país. A fragmentaç­ão e pulverizaç­ão partidária das candidatur­as empobrece muito as eleições. Esta erosão pode matá-las.

E tornar mais fraca e pior a nossa democracia, de que os cidadãos se afastam cada vez mais.

Os partidos políticos existem para servir os cidadãos. Fazem mal ao usurpar a democracia com a agenda dos seus interesses e cavalgar a cidadania em vez de a exprimir.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal