Porque não há um mercado de créditos de carbono em Portugal?
“As zoonoses representam 70% das doenças infecciosas que surgiram nos últimos 30 anos. A covid é o exemplo mais recente.”
O ministro do Ambiente – ocupado que está a montar centrais de produção de hidrogénio e “refinarias” de lítio – deixa correr o marfim.
Há muito que é reconhecido que a gestão profissional da floresta é a solução para vários problemas. Desde logo, para o recorrente problema dos fogos florestais que todos os anos assola o país. Sendo certo que tal é reconhecido num matagal legislativo e regulamentar, de “estratégias” a “planos”, num infindável hosana nas alturas de promessas de apoios à proteção florestal ou ao incremento da gestão florestal profissional.
Todavia, quando se passa do plano das leis e regulamentos para a execução governativa, o ministro do Ambiente – ocupado que está a montar centrais de produção de hidrogénio e “refinarias” de lítio – deixa correr o marfim.
O melhor exemplo de gestão profissional da floresta é o do grupo Navigator. Com exceção de um ano em que fortes ventos aceleraram a propagação do fogo, que entrou em área florestal do grupo, em nenhuma outra ocasião tal sucedeu.
Mas apesar do reconhecimento generalizado da necessidade de se estimular a gestão profissional da floresta, poucas sociedades de gestão florestal (SGF) foram criadas. A razão para isso radica na dificuldade em fazer planos de negócios com taxas de retorno do investimento aceitáveis. Existe procura para a constituição de fundos florestais e respetivas SGF, incluindo de promotores internacionais, mas o ROI ou o IRR respetivo são pouco apelativos. O ROI ou o IRR seriam mais apelativos se existisse em Portugal um mercado de créditos de carbono, como sucede em muitos outros países. Nesses mercados, empresas que contribuem para a pegada de carbono compram créditos de carbono para fazer a respetiva compensação.
Foram já criadas entidades financeiras especializadas – como o malogrado Luso Carbon Fund (LCF), que tencionava maximizar aplicações em fundos de carbono –, mas essas entidades faziam os seus investimentos no estrangeiro; no LCF, o dinheiro dos investidores (onde estava o Fundo Português de Carbono (FPC)) foi canalizado principalmente para o Brasil (13 projetos) e aChina (12). O mesmo sucede com o Fundo Ambiental – que integrou o FPC – que participa em quatro fundos de carbono: APCF – Asia Pacific Carbon Fund, gerido pelo ADB; CFE – Carbon Fund for Europe, gerido pelo Banco Mundial; o referido LCF; NatCap – gerido pela Natsource. Todos estes fundos investem em créditos de carbono no estrangeiro. Numa auditoria ambiental do Tribunal de Contas é questionada “a prioridade dada à aquisição de créditos de carbono financiando projetos noutros países”, sobretudo “porque o custo médio nestes países foi o dobro”.
Interessantemente, o Tribunal de Contas relembra que “a despesa de maior expressão do FPC […] no valor de 77,1 milhões de euros (84,8%), em 2015, corresponde às transferências para a EDP”.
Por outro lado, petrolíferas como a BP querem “compensar a sua pegada de carbono”, estando “a apoiar projetos que visam neutralizar as emissões de carbono em todo o mundo”. Em concreto, de acordo com a página online da BP Portugal, a sua pegada carbónica é compensada com iniciativas de redução de carbono na Índia, na Zâmbia e no México”.
Certamente, a BP estaria disponível para investir em créditos de carbono num mercado caso este existisse em Portugal. Por que razão não existe então tal mercado? Essa é a pergunta de um milhão de dólares…
primeiro-ministro, subscrita por 44 organizações de diferentes setores – pecuária, agroalimentar, academia, associações profissionais e veterinários. Há forte consenso político, social e científico sobre o erro disto. Há uma visão distorcida do que é o mundo rural e o animal?
Mais importante do que o rótulo de certo ou errado, é garantir que as decisões políticas são alicerçadas em fundamentação técnica. Repare: neste caso concreto, a responsabilidade passa para o ICNF, cuja missão é propor, acompanhar e assegurar a execução das políticas de conservação da natureza e florestas, não tem vocação ou tradição na gestão de temas de saúde animal, nem meios para assegurar funções de autoridade sanitária veterinária.
O ICNF não conseguirá cumprir? Tem sido amplamente noticiada a dificuldade no controlo de populações de javalis e espécies exóticas invasoras – vespa velutina, vison americano – mesmo com meios de controlo. Não basta ao ICNF contratar veterinários e atribuir-lhes competências relacionadas com animais de companhia. Falta-lhe toda a estrutura de serviços veterinários oficiais e ligações com organismos internacionais relevantes, que existe na DGAV e é permanentemente auditada pela UE. A dispersão traz comprovadamente problemas. É por isso que a Ordem dos Veterinários defende que, ao invés de desmembrar o que há, se deve investir numa autoridade veterinária nacional única, competente e robusta, com independência técnica e dotada de meios necessários ao desenvolvimento da sua missão, reforçando recursos humanos e financeiros na área do bem-estar animal. Iniciativas como os canis municipais e o fim do abate têm dado problemas. Esta mudança pode trazer mais medidas deste tipo?
Sem dúvida. A forma como o governo gere o tema – reiteradamente tomando opções políticas contrárias ao argumento técnico – tem tido consequências, até no aumento de incidentes. No relatório da Provedoria de Justiça de 2019, uma das principais queixas de cidadãos são “canídeos a deambular pela rua”. A alteração pode acentuar o problema.
Nem o chumbo no Parlamento com o voto contra de todos os partidos representados na Assembleia exceto PAN e PS demoveu o governo da intenção de transferir a tutela dos animais de companhia e dos animais errantes, até aqui competência do Ministério da Agricultura, para a alçada do Ambiente.
O tema, que já motivou também uma carta aberta ao Presidente da República e ao primeiro-ministro, assinada por mais de 40 entidades, leva hoje ao Parlamento a ministra Maria do Céu Antunes, para uma audição requerida pelo grupo parlamentar do PCP “sobre o processo em curso de desmantelamento do Ministério da Agricultura”. Mas sendo matéria da competência do governo – e um bombom ao PAN que ajudou a viabilizar o OE 20021 – dificilmente será deixada cair. Mesmo com todas as preocupações levantadas pelos técnicos e especialistas da área, já que essa alteração “contraria as orientações de instituições europeias e internacionais sobre a matéria, que encaram a organização dos serviços oficiais de veterinária como um fator de absoluta importância para a gestão e o controlo de crises sanitárias”.
O próprio ex-diretor-geral da Organização Mundial da Saúde Animal, BernardVallat, declarou tratar-se de uma transferência “muito perigosa”, alertando para “o crescente risco de zoonoses, como a covid”, cuja rápida deteção e resposta só são possíveis envolvendo técnicos com experiência. “Portugal ficará debilitado nas negociações internacionais” se houver duas entidades a tratar destes temas, sublinhou mesmo o responsável, em declarações ao Expresso.
Alertas repetidos na carta enviada a Marcelo e a António Costa, assinada por instituições que vão de associações agrícolas e animais à Ordem dos Veterinários e à academia, incluindo o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, e as universidades de Évora e de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Desta alteração de tutela poderá resultar o “ressurgimento em Portugal de doenças já aqui erradicadas, como a raiva, que mata 60 mil crianças por ano em todo o mundo”, tornando ainda mais complicada “a gestão e o controlo de crises sanitárias”, avisam os subscritores daquela mensagem e especialistas no tema.