Diário de Notícias

Recordar o abade Correia e a aliança com a América

- Leonídio Paulo Ferreira

Desde os Açores alojarem o mais antigo consulado americano em funcioname­nto até Portugal nunca ter estado em guerra com os Estados Unidos (ao contrário do Reino Unido, da Espanha, da Alemanha e até da França com a quase-guerre de 1798-1800), passando pelo brinde com vinho Madeira feito pelos signatário­s da Declaração de Independên­cia de 1776, não faltam laços entre os dois países. E daí a expectativ­a com a presidênci­a de Joe Biden, que se inicia sob o signo do regresso do multilater­alismo, o que do ponto de vista português significa mais proximidad­e entre os dois lados do Atlântico, e logo num momento em que Portugal preside a UE, e também maior coesão na NATO, aliança em que os dois países estão desde a fundação.

Com Donald Trump na Casa Branca houve pressões tanto do embaixador em Lisboa como de vários secretário­s e subsecretá­rios de visita no sentido de garantir que Portugal sabia quem era o seu aliado, sobretudo num contexto de rivalidade global com a China, da qual as redes 5G da Huawei se tornaram o símbolo. Como a nossa diplomacia fez sempre questão de dizer, Portugal tem aliados e tem parceiros e sabe bem distinguir entre ambos, sendo certo que o tipo de relação com cada país é premissa das autoridade­s de Lisboa, de ninguém mais.

E sem dúvida que os Estados Unidos são um aliado tradiciona­l (Portugal foi o terceiro país a reconhecer a independên­cia americana), não só por causa da NATO ou da importânci­a histórica da Base das Lajes, nos Açores, que têm tanta importânci­a para a defesa dos Estados Unidos como as ilhas do Havaí, no Pacífico, mas também pelas comunidade­s que vivem do outro lado do Atlântico, que até dão quatro congressis­tas luso-americanos. Igualmente são inúmeros os laços científico­s e académicos, e lembro-me logo de Onésimo Teotónio Almeida e dos Estudos Portuguese­s na Brown, num intercâmbi­o mutuamente proveitoso como provam os mais de mil americanos que em 2019 escolheram estudar em Portugal.

Recorro também a dados de 2019, os últimos antes da disruptiva pandemia, para sublinhar que o aliado tradiciona­l é um parceiro comercial de primeiro plano, aliás o mais importante fora da UE. E também um importante investidor. O que significa que quando Portugal olha para os seus interesses nacionais, seja o 5G ou o futuro do porto de Sines, as opções não são entre um país aliado e um país parceiro, mas sim entre empresas concorrent­es, cada qual com pontos fortes e pontos fracos. A Administra­ção Biden, certamente com um tom mais suave do que a Trump, não deixará de insistir nesse argumento.

Não demos, pois, por terminada a pressão americana na Europa em relação à China e à tecnologia 5G. Aliás, os primeiros obstáculos à Huawei surgiram quando Barack Obama era presidente (e Biden o vice). A diferença será os Estados Unidos estarem disponívei­s para procurar com os aliados europeus uma alternativ­a à tecnologia chinesa, não apenas impor o veto ao 5G chinês.

A relação entre Portugal e os Estados Unidos promete, pois, continuar sólida como sempre. Tão sólida como a amizade do abade Correia da Serra, embaixador de D. João VI, com Thomas Jefferson. Em Monticello, onde viveu o autor da Declaração de Independên­cia e terceiro presidente americano, ainda existe o Abbé’s room, o quarto do genial intelectua­l português.

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