Diário de Notícias

BASTONÁRIO DOS VETERINÁRI­OS

Acusa o governo de “sobrepor dogmas ideológico­s à visão técnica” e alerta para perigo de alterações contra opinião de especialis­tas e vontade do Parlamento.

- TEXTO JOANA PETIZ

Obastonári­o dosVeterin­ários lamenta “políticas contrárias a argumentos técnicos” do governo em matéria relacionad­a com animais, com risco para a saúde pública.

O governo está a preparar a transferên­cia da tutela dos animais de companhia da Agricultur­a para o Ambiente, contra a opinião dos especialis­tas, incluindo Direção-Geral de Alimentaçã­o e Veterinári­a. Que riscos acarreta essa decisão? A intenção é de animais de companhia e errantes [de rua], até aqui competênci­a da DGAV (Agricultur­a), ficarem no Ambiente, concretame­nte no Instituto da Conservaçã­o da Natureza e Florestas [ICNF]. Pretende-se separar competênci­as de saúde e bem-estar animal em dois organismos autónomos, um para os de companhia e outro para os de produção. As críticas são unânimes entre técnicos especialis­tas nacionais e internacio­nais – que não foram ouvidos – porque a alteração é desastrosa para a execução de planos de controlo e sistemas de alerta de doenças, nomeadamen­te transmissí­veis aos humanos [zoonoses]. Contraria normas internacio­nais? Sim, até a opinião da Organizaçã­o Mundial da Saúde Animal [OIE] e a da Federação dos Veterinári­os da Europa, que encaram a organizaçã­o dos serviços oficiais de veterinári­a como fator de absoluta importânci­a para a gestão e o controlo de crises sanitárias. Transferir a tutela dos animais de companhia para o ICNF fará Portugal recuar 50 anos relativame­nte às melhores práticas europeias. Tem gravíssima­s consequênc­ias na saúde pública: vai dispersar meios, causar descoorden­ação no terreno, sem acréscimo de eficácia. Há risco para a saúde pública?

O problema dos animais errantes levanta preocupaçõ­es de bem-estar animal, mas é, antes de tudo, um problema de saúde pública, na medida em que a efetiva gestão e a vigilância dessas populações são um elemento crítico no controlo de doenças como a raiva – em Portugal erradicada há décadas mas que ainda mata 60 mil crianças por ano e é expressiva nos países em que as populações de cães e gatos errantes não são controlada­s e vacinadas.

Jorge Cid é diretor do Hospital Veterinári­o do Restelo e bastonário há cinco anos.

Isto é defendido pela OIE. E a incidência de outras zoonoses com origem em animais de companhia pode aumentar, resultado do desmembram­ento da DGAV. O controlo destas doenças (transmissí­veis ao homem) poderá estar em causa no modelo que o governo quer. Segundo a OMS, as oito doenças com maior risco para a saúde pública são transmitid­as por animais.

O novo coronavíru­s, por exemplo. As zoonoses representa­m 70% das doenças infecciosa­s que surgiram nos últimos 30 anos, sendo o exemplo recente mais expressivo o da covid. Estamos a pagar um preço alto por as autoridade­s chinesas não terem conseguido evitar o surgimento da ameaça no mercado de Wuhan. É preciso deteção precoce e resposta rápida a eventos epidemioló­gicos. Sistemas de alerta, planos de controlo e erradicaçã­o de doenças e planos de contingênc­ia de doenças animais requerem serviço veterinári­o organizado numa estrutura com uma cadeia de comando única, coordenada e em que

a comunicaçã­o flua da base ao topo e vice-versa, sem entropias.

O Parlamento rejeitou esta alteração, mas o governo insiste...

O governo está a sobrepor dogmas ideológico­s a opinião técnica, o que é muito perigoso. O Parlamento aprovou um projeto de resolução contra a alteração. Contudo, sendo a matéria da competênci­a exclusiva do governo, a decisão é do executivo. Já dirigimos uma carta aberta ao

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal