BASTONÁRIO DOS VETERINÁRIOS
Acusa o governo de “sobrepor dogmas ideológicos à visão técnica” e alerta para perigo de alterações contra opinião de especialistas e vontade do Parlamento.
Obastonário dosVeterinários lamenta “políticas contrárias a argumentos técnicos” do governo em matéria relacionada com animais, com risco para a saúde pública.
O governo está a preparar a transferência da tutela dos animais de companhia da Agricultura para o Ambiente, contra a opinião dos especialistas, incluindo Direção-Geral de Alimentação e Veterinária. Que riscos acarreta essa decisão? A intenção é de animais de companhia e errantes [de rua], até aqui competência da DGAV (Agricultura), ficarem no Ambiente, concretamente no Instituto da Conservação da Natureza e Florestas [ICNF]. Pretende-se separar competências de saúde e bem-estar animal em dois organismos autónomos, um para os de companhia e outro para os de produção. As críticas são unânimes entre técnicos especialistas nacionais e internacionais – que não foram ouvidos – porque a alteração é desastrosa para a execução de planos de controlo e sistemas de alerta de doenças, nomeadamente transmissíveis aos humanos [zoonoses]. Contraria normas internacionais? Sim, até a opinião da Organização Mundial da Saúde Animal [OIE] e a da Federação dos Veterinários da Europa, que encaram a organização dos serviços oficiais de veterinária como fator de absoluta importância para a gestão e o controlo de crises sanitárias. Transferir a tutela dos animais de companhia para o ICNF fará Portugal recuar 50 anos relativamente às melhores práticas europeias. Tem gravíssimas consequências na saúde pública: vai dispersar meios, causar descoordenação no terreno, sem acréscimo de eficácia. Há risco para a saúde pública?
O problema dos animais errantes levanta preocupações de bem-estar animal, mas é, antes de tudo, um problema de saúde pública, na medida em que a efetiva gestão e a vigilância dessas populações são um elemento crítico no controlo de doenças como a raiva – em Portugal erradicada há décadas mas que ainda mata 60 mil crianças por ano e é expressiva nos países em que as populações de cães e gatos errantes não são controladas e vacinadas.
Jorge Cid é diretor do Hospital Veterinário do Restelo e bastonário há cinco anos.
Isto é defendido pela OIE. E a incidência de outras zoonoses com origem em animais de companhia pode aumentar, resultado do desmembramento da DGAV. O controlo destas doenças (transmissíveis ao homem) poderá estar em causa no modelo que o governo quer. Segundo a OMS, as oito doenças com maior risco para a saúde pública são transmitidas por animais.
O novo coronavírus, por exemplo. As zoonoses representam 70% das doenças infecciosas que surgiram nos últimos 30 anos, sendo o exemplo recente mais expressivo o da covid. Estamos a pagar um preço alto por as autoridades chinesas não terem conseguido evitar o surgimento da ameaça no mercado de Wuhan. É preciso deteção precoce e resposta rápida a eventos epidemiológicos. Sistemas de alerta, planos de controlo e erradicação de doenças e planos de contingência de doenças animais requerem serviço veterinário organizado numa estrutura com uma cadeia de comando única, coordenada e em que
a comunicação flua da base ao topo e vice-versa, sem entropias.
O Parlamento rejeitou esta alteração, mas o governo insiste...
O governo está a sobrepor dogmas ideológicos a opinião técnica, o que é muito perigoso. O Parlamento aprovou um projeto de resolução contra a alteração. Contudo, sendo a matéria da competência exclusiva do governo, a decisão é do executivo. Já dirigimos uma carta aberta ao