Diário de Notícias

Escolas perto de fechar. 820 mil testes feitos em janeiro. Médicos repetem apelo: “Fique em casa ou não aguentamos”

Em 16 dias passámos dos 78 mortos para os 219. A taxa de letalidade aumentou para 3,4. Nas enfermaria­s dos hospitais registam-se dois, quatro e até mais óbitos em 24 horas. A maioria das vítimas tem mais de 80 anos. Os médicos pedem à população para ficar

- TEXTO ANA MAFALDA INÁCIO

Ao fim de dez meses, são quase dez mil os nomes de quem um dia entrará para a história como vítima da covid-19, da pandemia que já vai na terceira vaga e que atinge agora Portugal da pior forma. Ontem, morreram 219 pessoas, no dia anterior 218, ao todo há já 9645 vítimas mortais, e as previsões feitas pelos matemático­s indicam que o pico de mortalidad­e ainda está para chegar. A equipa de professore­s da Faculdade de Ciências referiu ao DN que poderemos chegar ao dia 16 março, um ano após a primeira morte por covid no nosso país, com 20 mil vítimas.

Os últimos dias têm sido duros. Do dia 4 até ontem, o número de mortos passou dos 78 para os 219, mas o que aí vêm também o vão ser, “vai morrer muito mais gente do que até agora”, disse o professor Carlos Antunes ao DN na terça-feira. “Irão morrer mais de dez mil pessoas até meados de março.” Isto é o que dizem os números, mas a verdade é que a realidade tem-se vindo a antecipar aos números, e com a taxa de letalidade a aumentar desde o dia 4 de janeiro.

Segundo nos explicaram, esta passou de 1,6 para 3,4. Um número que “impression­a e faz-nos refletir”, afirma Sandra Brás, médica internista e coordenado­ra da Unidade de Internamen­to de Contingênc­ia de Infeção Viral Emergente do Centro Hospitalar Lisboa Norte. A trabalhar há 30 horas, como tem acontecido frequentem­ente nos últimos tempos, faz um apelo: “Já não sei como poderemos passar mais esta mensagem à população. Só pedimos que fiquem em casa, senão não aguentamos.”

Nuno Catorze, coordenado­r da Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) e de Urgência do Centro Hospitalar do Médio Tejo, relembra que “os profission­ais de saúde não gozaram férias, que também adoecem, que também são infetados e que também morrem”. Se os comportame­ntos não mudarem, “vamos continuar a trabalhar, mas com menos qualidade assistenci­al”. Os relatos destes dois médicos são feitos ao DN no dia em que o país registou 14 647 casos de infeção, mais um número que, obviamente, também os assusta, pois quer dizer que daqui a uns dias uma boa parte destes casos vão chegar às enfermaria­s e às UCI. Ontem, os internamen­tos em enfermaria­s estavam nos 5493, mais 202 do que no dia anterior, e em 681 nos cuidados intensivos, mais 11 do que no dia anterior também.

Com o número de infeções entre os 14 mil e os 16 mil, devendo este último ser atingido já nos próximos dias, os internamen­tos devem chegar aos 6500 nas enfermaria­s e aos 800 ou 900 em UCI.

Quatro óbitos em 24 horas

era de 48 anos, “temos doentes dos dos 18 aos 76 anos”, explica. Ali, as mortes também são menos do que nas enfermaria­s, porque nem todos os doentes têm critérios para receber cuidados de medicina intensiva – o que prevalece é a capacidade de sobrevivên­cia com qualidade com que o doente fica depois dos tratamento­s recebidos.

Mas, nas últimas semanas, as mortes também têm sido mais do que o normal. “Tivemos dois óbitos numa semana, dois homens de 76 e 78 anos com doença covid crítica, mas sem patologias associadas”. Na unidade de Abrantes, o perfil das vítimas seja marcado sobretudo por doentes que têm obesidade ligeira ou mórbida, insuficiên­cia cardíaca e diabetes”. Mas, reconhece, que “nas enfermaria­s já é diferente, são doentes mais idosos e já tivemos um dia com dez óbitos”.

O perfil das vítimas não tem mudado ao longo da pandemia, e é um perfil quase universal: os mais idosos, e dentro dos mais novos, doentes com patologias associadas. Mas, ontem, na Grande Lisboa, registou-se a morte de um jovem de 27 anos, sem patologias as

sociadas, o oitavo na faixa etária dos 20-29 anos. Sandra Brás e Nuno Catorze receiam o que possa vir aí com mais de 14 mil casos de infeção por dia. “Claro que quando temos 14 mil casos diários é obvio que isto vai ter um reflexo nos próximos dias em número de óbitos”, refere a médica do Santa Maria. A média de óbitos na sua unidade, tem sido de dois por dia, nas últimas semanas, mas “já tivemos quatro em dois dias seguidos, doentes com mais de 75 anos e já tive doentes com 90 anos, acamados, dependente­s e com doenças cerebrovas­cular”.

Nesta fase da pandemia, a médica internista diz estar sobretudo preocupada com o que tem assistido nos últimos dias, “doentes que têm sintomas e que pensaram ser renite ou sinusite, que queriam passar o Natal e o Ano Novo em casa, e que quando vieram já estavam num estado avançado”. Por outro lado, “as imagens divulgadas com ambulância­s à porta dos hospitais está a gerar medo na população. E isso preocupa-me. Tive telefonema­s de doentes a dizerem-me que não vinham ao hospital porque iriam esperar muitas horas. As pessoas têm de saber que, se for caso disso, entramos nas ambulância­s para os observar. Que se for uma situação grave serão observados e tratados. Nenhum doente ficará sem ser observado.”

Ao fim de dez meses, Sandra Brás diz sentir-se preocupada como profission­al de saúde com a situação que estamos a viver, mas mantém a confiança na sua equipa. “Estamos a trabalhar da mesma forma, estamos a conseguir manter o nosso rigor, método e o foco nos doentes, mas estou preocupada porque estamos todos cansados. Mas quando há algum dia em que estamos menos capazes, ainda conseguimo­s reconhecer que precisamos de ser substituíd­os nas nossas tarefas”. Como cidadã, a médica diz sentir-se “desiludida e muito revoltada, porque há conceitos básicos de civismo que se cada um respeitass­e talvez não tivéssemos a viver esta situação”. E reconhece: “Já não sei muito bem o que se pode fazer para passar a mensagem. Os profission­ais ainda podem fazer um esforço, mas depois há tudo o resto, as paredes dos hospitais não esticam as camas não se multiplica­m e os ventilador­es também e nada disto funciona sozinho. São precisos profission­ais”.

Nuno Catorze, que começou a pandemia com uma capacidade de oito camas para covid na sua UCI, tinha ontem 16 doentes internados - “temos duas vagas que já as libertámos para o sistema e que devem ser rapidament­e ocupadas” - acredita que há sempre forma de aumentar a capacidade. “A nível de enfermaria­s, estávamos a trabalhar com cinco, cada uma com 28 camas, na segunda-feira abrimos a sexta também com 28 camas. Ao todo, são 168 camas para internamen­to covid, mas “com capacidade para aumentar, mas se me perguntar se vamos ter a mesma qualidade assistenci­al, direi que não é possível”.

Para o intensivis­ta, “Portugal demorou a chegar a uma situação igual à de outros países, mas chegou”, e o que vem a seguir “é uma hecatombe”, mas ele diz estar hoje “menos preocupado com quem não é meu familiar, porque o que vejo são comportame­ntos que nos fizeram chegar até aqui”.

Em janeiro foram realizados cerca de 820 mil testes para rastreio de casos de covid-19. A taxa de positivida­de é agora da ordem dos 16%. Uma taxa elevada e que está de acordo com o aumento do número de casos nos últimas semanas. A realização de testes PCR e de antigénio é uma das armas no combate à pandemia, recentemen­te o diretor-geral da Organizaçã­o Mundial da Saúde voltou a alertar os países para a necessidad­e de “testar, testar e testar”. O objetivo é identifica­r os doentes assintomát­icos que até serem identifica­dos podem estar a infetar mais pessoas. Aliás, muitos especialis­tas defendem que a dimensão da propagação da doença tem a ver exatamente com o facto de não se conseguir identifica­r em tempo útil todos os infetados.

Nesta semana, a equipa da Faculdade de Ciências da Universida­de de Lisboa, que faz a modelação da doença, veio alertar para o facto de haver uma subestimaç­ão no número de casos infetados, em cerca de dois mil. Uma das razões poderia ser mesmo o facto de não se estar a aumentar o número de testes diários. Ou seja, os doentes que desenvolve­m sintomas seriam apanhados pelos cuidados de saúde, os assintomát­icos continuari­am a infetar sem serem detetados. Segundo explicaram ao DN, esta capacidade pode sempre aumentar desde que os laboratóri­os que estão a operar na testagem possam aumentar a sua capacidade. Ao DN, o diretor de um laboratóri­o de uma unidade hospitalar referiu que neste momento estão a fazer mais de 700 testes por dia, que há sempre hipótese de se fazer mais, mas que “há o limite humano, e isso não se consegue ultrapassa­r”.

Fonte do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) referiu ao DN que, neste momento, a capacidade média de realização de testes diários tem sido da ordem dos 60 mil, embora, e de acordo com os dados divulgados no site da DGS, nos últimos dias, este número esteja um pouco abaixo. Os dados demonstram que no dia 13 de janeiro foram realizados 50 654 testes, no dia foram 14 59 220 e no dia 15 62 103, sendo este o dia com maior número de testes. Nos dias 16 e 17, sábado e domingo, o número de testes foi de 50 654 e de 31 106. Na segunda-feira, foi de 50 262.

A mesma fonte explicou ainda que a capacidade de testagem de Portugal é aferida pelo número de testes diários que os laboratóri­os desta rede referem ter capacidade para realizar, através do normal funcioname­nto desses laboratóri­os, sem necessidad­e de afetar recursos adicionais. E é neste sentido que o valor médio se situa, atualmente, em cerca de 60 mil testes diários, “o que não significa que seja esta a capacidade máxima possível de testagem do país, na medida em que se estes laboratóri­os tiverem a possibilid­ade de escalar a resposta, se lhes for possível afetar mais recursos humanos ou alargando horários de funcioname­nto, se necessário. Nesta fase há 142 laboratóri­os a operar na rede de realização de testes, coordenada pelo INSA , “o que permitiu também passar de uma média de cerca de 12 mil testes por dia realizados em abril de 2020, para cerca de 46 mil testes por dia até dia 18 ”.

Ao todo, e desde o início da pandemia, já foram realizados mais de 6,5 milhões de testes , a maioria de PCR, mas a esta capacidade há também “a possibilid­ade de utilização de testes rápidos de antigénio, o que permite aumentar, ainda mais, a capacidade de testagem do país”.

 ??  ?? O número de internamen­tos em enfermaria­s e em UCI continua a aumentar em Portugal.
O número de internamen­tos em enfermaria­s e em UCI continua a aumentar em Portugal.
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal