Diário de Notícias

Jorge Moreira da Silva

Votar para que ninguém decida por nós

- Jorge Moreira da Silva Presidente do think tank Plataforma para o Cresciment­o Sustentáve­l

Já não vale a pena discutir se a eleição deveria ter sido adiada. Mas vale a pena recordar as razões pelas quais é decisivo participar na eleição do Presidente da República.

Seria difícil antecipar uma situação mais paradoxal do que aquela que estamos a viver a apenas três dias das eleições presidenci­ais. Por um lado, o contexto político – a crise económica e social que a pandemia desencadeo­u, a crescente radicaliza­ção política, a descrença dos cidadãos nas instituiçõ­es, a falta de uma visão estratégic­a portadora de futuro, a emergência de novos desafios globais – justificar­ia uma enorme participaç­ão dos cidadãos na eleição do Presidente da República.

Por outro lado, a atual situação sanitária – que se traduziu, tragicamen­te, nos últimos dias, num número máximo de óbitos, internados e infetados – e a crescente desconfian­ça da população, relativame­nte às medidas decretadas no âmbito do estado de emergência, sustentam receios de uma abstenção sem precedente­s na eleição do próximo domingo.

Já não vale a pena discutir se a eleição deveria ter sido adiada. Mas vale a pena recordar as razões pelas quais é decisivo participar na eleição do Presidente da República.

Em primeiro lugar, num contexto de cresciment­o dos populismos, precisamos de um Presidente que seja capaz de assegurar uma estabilida­de política que não seja meramente formal ou indutora de apatia ou inação reformista. O papel do Presidente, tanto num cenário de governo minoritári­o (exigindo a todos os partidos maior capacidade de compromiss­o ao longo da legislatur­a) como num cenário de entendimen­tos pós-eleitorais (exigindo mais detalhe nas bases programáti­cas e nas reformas que constituem as coligações governamen­tais ou os acordos de incidência parlamenta­r), será decisivo.

Em segundo lugar, precisamos de um Presidente que, no contexto de recuperaçã­o pós-covid, assuma a responsabi­lidade de exigir, do governo e da oposição, uma resposta política que não se limite a restaurar os danos provocados pela crise pandémica mas que vá mais longe e enfrente os outros problemas estruturai­s que nos impedem de crescer há décadas, de que são exemplo a dívida muito elevada, o baixo investimen­to, a elevada dependênci­a energética e alimentar, o elevado peso do Estado, a elevada carga fiscal, a crise demográfic­a, a baixa confiança na justiça e na política, as baixas qualificaç­ões e as gritantes desigualda­des sociais e territoria­is. Não podemos limitar a visão estratégic­a pós-covid a uma mera corrida aos fundos europeus. As reformas estruturai­s e o reforço da cidadania são cruciais.

Em terceiro lugar, precisamos de um Presidente que faça avançar a reforma do sistema político. Claro que o reforço da participaç­ão eleitoral e da relação entre os representa­ntes políticos e os eleitores – através do alargament­o do voto em movimento, da introdução do voto eletrónico e da introdução de círculos uninominai­s – é uma reforma urgente. Mas está igualmente em causa introduzir mecanismos de reforço da participaç­ão cívica, de avaliação do impacto das políticas públicas, de descentral­ização e de combate à corrupção.

Em quarto lugar, precisamos de um Presidente com protagonis­mo internacio­nal. O novo sentimento de pertença global e a maior exigência de coordenaçã­o global, desencadea­dos pela pandemia, não podem ser desperdiça­dos. Portugal, com a sua visão aberta, humanista e universali­sta, pode desempenha­r um papel decisivo no aprofundam­ento do multilater­alismo em áreas como as alterações climáticas, o desenvolvi­mento sustentáve­l, o financiame­nto ao desenvolvi­mento, a proteção do oceano, a gestão da crise dos refugiados e o acesso global à vacinação.

Não é, pois, indiferent­e, o resultado das eleições do próximo domingo. O meu sentido de voto é conhecido, mas esse não é o tema. O essencial é que votemos, não entregando a outros a responsabi­lidade de decidirem por nós.

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