Diário de Notícias

Pedro Marques

Bem prega frei Tomás

- Pedro Marques Eurodeputa­do

Um dos principais elementos do projeto político da direita portuguesa tem sido reduzir o papel do Estado. Justificam-no com o chavão “menos Estado, melhor Estado”, como se a sua diminuição conduzisse necessaria­mente à melhoria da qualidade. Não melhora, como é óbvio. E no caso dos serviços públicos até acontece quase sempre o inverso, pois a redução da oferta leva à crescente incapacida­de para correspond­er à procura, com prejuízo dos cidadãos.

Mas claro que, respeitand­o a ideologia liberal, a direita tem uma boa solução para isso: como os mercados tendem a regular-se, quando a qualidade dos serviços públicos é má, quem pode pagar recorre ao privado. Com a vantagem adicional de a diminuição da procura no setor público levar também à redução da despesa. Parece uma solução mágica!

Foi assim durante o último governo PSD-CDS. A pretexto da crise (que efetivamen­te existia), escolheram “ir além da troika” e aplicaram a sua receita para a modernizaç­ão do país: reduzir os serviços públicos, empurrando as pessoas para o privado.

Foi assim no setor da saúde, como em tantos outros. Um corte de 1300 milhões de euros (algo nunca visto) e a redução de 7000 funcionári­os no Serviço Nacional de Saúde (SNS) tiveram severas consequênc­ias. E, claro, a subscrição de seguros de saúde privados aumentou em flecha, logo acompanhad­a da abertura de novas unidades.

Tudo estaria bem se os cidadãos não tivessem ficado pior. Os custos das famílias com a saúde aumentaram drasticame­nte, prejudican­do fortemente a classe média, ao mesmo tempo que o SNS continuava a deteriorar-se e levava muitos profission­ais à saída.

Foi um SNS em degradação que o novo governo teve de recuperar. Aumentou-se o orçamento bem acima dos cortes anteriores e contratara­m-se profission­ais. Mas, como sabemos, destruir é sempre mais fácil e rápido do que construir. O investimen­to leva tempo a produzir resultados e os médicos, depois de saírem para o privado, não voltaram a correr assim que abriram novas vagas.

Ainda assim, paulatinam­ente, o SNS foi recuperand­o e apresentav­a em 2019 indicadore­s bem melhores do que os de 2015. Mas, então, eis que chegou a pandemia.

Nenhum sistema de saúde do mundo está preparado para uma pandemia. Graças ao incrível empenho dos seus profission­ais, tem conseguido responder, mas é óbvio que a sua capacidade tem limites. Estes têm sido progressiv­amente alargados – abertura de novas camas, hospitais de campanha, recurso ao setor privado quando necessário –, não sendo infinitos. Mas são incomparav­elmente superiores aos que foram deixados por uma direita que diz agora, pela voz de Rui Rio, que o governo “deixou degradar o SNS”.

Aposta certamente na falta de memória dos portuguese­s. Mas é gato escondido com o rabo de fora, pois não perde uma oportunida­de para sair em defesa dos privados, acusando o governo de ter “um preconceit­o” contra estes.

Não é preconceit­o, é bom senso.

É usar o dinheiro público nos serviços públicos, e ter os privados como complement­ares. Porque é o SNS, que é de todos e para todos, que merece um cuidado especial. E é o SNS que tem salvo milhares de vidas.

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