Diário de Notícias

Jovane. O miúdo que quer ser melhor do que CR7 e Figo e campeão pelo Sporting

Na terça-feira vestiu a pele de herói e marcou os dois golos que eliminaram o FC Porto e puseram os leões na final da Taça da Liga. Chegou à Academia em 2014. Esteve um ano sem jogar, mas o clube não desistiu dele.

- TEXTO ISAURA ALMEIDA

Veio de Cabo Verde para jogar no Benfica, fez testes no FC Porto e acabou no Sporting. Este é um resumo da chegada de Jovane Cabral ao futebol português. As versões variam conforme quem conta, mas há uma certeza. Começou a jogar na EPIF, associação de Santiago, a segunda maior ilha de Cabo Verde, fundada em 1991 e transforma­da em fundação em 2011, que forma jovens futebolist­as ao mesmo tempo que contribuiu para a educação cívica, física e desportiva.

Aos 22 anos, Jovane já passou por muito, mas os olhos continuam a brilhar quando vê uma bola e por vezes caem-lhe lágrimas de emoção. Foi o que aconteceu na terça-feira, quando saltou do banco para marcar dois golos ao FC Porto e apurar o Sporting para a final da Taça da Liga –a equipa estava a perder quando ele entrou em campo e deu a volta ao resultado com dois golos em oito minutos.

O trajeto teve alguns percalços e levou-o ao Sporting em 2014. Natural da cidade de Assomada (16 de junho de 1998), saiu de Cabo Verde para ir fazer testes ao Benfica. Um empresário português viu-o jogar no Grémio de Nhagar e convidou-o para viajar para Portugal. Foi preciso convencer o pai, que deu autorizaçã­o e o acompanhou.

Chegado a Lisboa, foi desviado para o Porto. Foi ao centro de treinos dos dragões fazer testes, mas a avaliação demorou mais do que o que o pai esperava. Sem paciência para esperar, seguiu com Jovane para Lisboa. Tinha família na zona de Massamá e foi para lá que se dirigiu. Para não ficar sem treinar, foi fazer uns treinos ao Real. Não demorou muito a chegar à academia leonina, mas a aventura no Sporting não começou como queria.

O presidente do antigo clube, em Cabo Verde, não facilitou, e Jovane ainda teve de esperar quase um ano até ver a questão burocrátic­a resolvida. O Sporting não desistiu. Ficou sem jogar e depois foi integrado nos juvenis B, na chamada geração de 99, apesar ser um ano mais velho. Jogou com Maximiano, Rafael Leão, Miguel Luís, Daniel Bragança, Thierry Correia e Elves Baldé. E foi treinado por Pedro Gonçalves na época 2015-16. No primeiro jogo marcou logo quatro golos, numa goleada por 15-0.

Gonçalves, o atual selecionad­or de Angola, viu logo ali “um menino deslumbrad­o com a bola, muito humilde e com uma massa muscular acima do normal para a idade”. Tinha 15 anos e acabou por ser “um elemento fundamenta­l na conquista do título de campeão distrital no seu primeiro dérbi com o Benfica e primeiro título da carreira”.

A evolução foi natural e com muito ginásio à mistura – gosta de levantar pesos. Aos 17 anos bateu o recorde de elevações nos testes da Academia. Hoje é um portento de força e explosão.

Jesus e Peseiro deram a mão

A estreia com a camisola principal do Sporting foi pela mão de Jorge Jesus, num jogo da Taça de Portugal com o Oleiros. Mas foi com José Peseiro que se destacou. O técnico já o conhecia, e pode-se dizer que foi uma espécie de amor à primeira vista. Mostrou-se, ficou no plantel principal e foi convocado para a estreia na Liga 2018-19, frente ao Moreirense (3-1). Jovane começou o jogo como suplente e saltou do banco aos 69 minutos, numa altura em que os leões estavam empatados (1-1). Entrou para o lugar de Acuña e, nem um minuto depois, arrancou pela área do Moreirense fora e sofreu a falta que permitiu a Bas Dost, na marcação do penálti, fazer o 2-1 e catapultar o Sporting para o triunfo final. Uma entrada em grande que prometia dar seguimento à tradição cabo-verdiana no Sporting, depois de Nani (ídolo de infância) e Gelson Martins.

“Só pelo Jovane valeu o protocolo Batuque”, atirou Bruno de Carvalho, já depois de destituído da presidênci­a leonina. Um logro. Jovane veio do Grémio de Nhagar em 2014 e o protocolo que ele assinou com o Batuque FC foi assinado em 2017.

Prémio para comprar casa

Há pouco mais de dois anos tinha um contrato de formação sem cláusula de rescisão, algo que Sousa Cintra se encarregou de mudar. Com a chegada à liderança da SAD na altura conturbada da vida do clube, com a destituiçã­o de Bruno de Carvalho, o ex-presidente que assumiu a gestão do futebol deu ao jogador “um contrato digno de um jogador do Sporting”.

Assinou até 2023 e passou a ganhar 10 mil euros por mês. Sousa

Com Sousa Cintra assinou o primeiro contrato (até 2023) e passou a ganhar 10 mil euros por mês. Ex-presidente queria apor uma cláusula de rescisão de 120 milhões de euros, mas os empresário­s não foram na conversa e ficou por 60 milhões.

Cintra queria apor uma “cláusula de rescisão de 120 milhões de euros, mas os empresário­s não foram na conversa e ficou nos 60 milhões”. O ex-presidente soube das dificuldad­es familiares do jovem jogador, que tinha o pai preso, a mãe emigrada em França e vivia com a madrasta numa casa sem muitas condições num bairro social. E ajudou-o “com um prémio de assinatura de 100 mil euros para ele comprar uma casa”. Jovane só dizia querer ser melhor do que Ronaldo e Figo, os jogadores formados no clube – os únicos eleitos melhores do mundo – que o Sporting ostenta com orgulho nas paredes da sala de reuniões, em Alvalade.

Nessa altura, o extremo brilhava no Sporting aos 19 anos e CaboVerde olhava para ele de olhos arregalado­s, mas Jovane confessava querer jogar por Portugal. O jogador pediu a nacionalid­ade portuguesa e renegou à equipa de Cabo Verde com alguma polémica à mistura.

Em 2018, Rui Águas, então selecionad­o de Cabo Verde, convocou-o para um estágio de preparação para o jogo com o Lesoto, de apuramento para a CAN 2019. Jovane não se apresentou, tendo depois comunicado a indisponib­ilidade para servir o país que o viu nascer. “Tenho o sonho de ser campeão no Sporting e ajudar a seleção portuguesa”, justificou o jogador.

Mário Semedo, presidente da Federação cabo-verdiana, questionou a opção: “Não sei porquê a seleção portuguesa e não Cabo Verde. Se ele é cabo-verdiano, saiu daqui como jogador da seleção, porque tem de jogar por Portugal?” A polémica passou, mas Jovane continua à espera de uma chamada da seleção portuguesa.

A evolução enquanto jogador foi comprometi­da pelas eleições no Sporting e pela mudança de treinador. Peseiro deu lugar a Marcel Keizer e logo se percebeu que Jovane ia ficar na bancada muitas vezes. Voltou a ser opção com os interinos Leonel Pontes e Tiago Fernandes de forma intermiten­te, e uma lesão impediu que estivesse à disposição de Silas. Pelo meio foi detido por conduzir sem carta.

O Sporting avisou que a provar-se que o título de condução apresentad­o pelo atleta era falso, seria “alvo de um processo disciplina­r e severament­e punido”. Mais uma polémica que passou...

Sem jogar, o clube colocou-o no mercado e pedia entre 10 e 15 milhões de euros. O preço assustou os interessad­os que todas as semanas faziam manchetes nos jornais. Mas eis que chegou Rúben Amorim a Alvalade e Jovane ganhou uma nova vida. Decisivo desde a retoma do campeonato, o camisola 77 foi a principal referência da equipa na reta final da época passada – terminou o campeonato com seis golos em 16 jogos.

Atormentad­o por várias lesões musculares, nesta temporada tem sido menos efusivo, mas já leva seis golos em 12 jogos e foi o responsáve­l por o Sporting estar na final da Taça da Liga.

Com contrato até 2023 já está a negociar a renovação. O camisola 77 dos leões deve assinar até 2025 e com um consideráv­el aumento de ordenado.

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Avançado tem 22 anos e é um dos destaques do Sporting de Rúben Amorim.
 ??  ?? Jovane (1.º à esquerda de pé) com a geração de 99.
Jovane (1.º à esquerda de pé) com a geração de 99.
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