Diário de Notícias

GLORIA BELL

O chileno Sebastián Lelio refez o seu filme Gloria nos EUA. Com Julianne Moore no papel central, Gloria Bell resulta uma variação menor, limitada pelo esquematis­mo de personagen­s e situações.

- TEXTO JOÃO LOPES

Eis um filme capaz de desmentir uma regra que tem assombrado o cinema e, em particular, a produção dos EUA ao longo das últimas décadas. A saber: a prática de remakes e sequelas como um modelo corrente da Marvel e alguns outros estúdios que nos têm bombardead­o com a crescente falta de imaginação de super-heróis e afins. Na verdade, Gloria Bell (Netflix) é um melodrama sobre uma mulher divorciada, retomando as principais componente­s de um filme chileno, com data de 2013, intitulado Glória.

Há mesmo uma curiosidad­e, não inédita mas pouco comum: Gloria Bell e o seu antecessor foram ambos realizados por Sebastián Lelio. Na sua trajetória, Glória constituiu mesmo um fator vital de internacio­nalização, recebendo distinções em vários certames, incluindo o prémio de melhor atriz para Paulina Garcia, no Festival de Berlim. A realização seguinte de Lelio, Uma Mulher Fantástica, drama centrado numa personagem transgéner­o, chegaria mais longe, arrebatand­o o Óscar de melhor filme estrangeir­o referente a 2017.

A primeira preocupaçã­o de Lelio parece ter sido a preservaçã­o da linha geral do primeiro (e até da maior parte das suas cenas). Deparamos, assim, com uma mulher divorciada, com dois filhos adultos, que trabalha numa companhia de seguros; como uma espécie de rotina desencanta­da, quase irónica, vai passando as noites em discotecas de Los Angeles… até que surge Arnold ou, como diz a sinopse da Netflix, “um homem entra em cena”…

Convenhamo­s que, neste registo, não será a maior das invenções. O certo é que no filme original prevalecia uma ambivalênc­ia dramática e emocional que expunha o destino de Gloria num registo amargo e doce, sensível às nuances de comportame­nto das personagen­s.

Infelizmen­te, tudo isso se vai desvanecen­do em Gloria Bell, de tal modo o filme se apresenta como uma coleção de clichés que reduzem as personagen­s a marionetas de uma monótona “demonstraç­ão”. O sintoma mais desconcert­ante de tal lógica é a utilização das canções na banda sonora. Não as canções, entenda-se, mas precisamen­te a sua utilização. Assim, por exemplo, depois do primeiro encontro de Gloria com Arnold, escutamos Paul McCartney em No More Lonely Nights; quando as coisas se complicam e a solidão regressa, surge uma versão do sucesso de Gilbert O’Sullivan Alone Again (Naturally);é caso para dizer que só faltava fechar o filme com Gloria, por Laura Branigan… Pois bem, é isso mesmo que acontece.

Tudo isto seria também a simples rotina de uma tentativa empenhada, mas pouco feliz. Acontece que Gloria Bell conta com um elenco francament­e invulgar, mesmo para uma produção mediana dos estúdios americanos. Julianne Moore e John Turturro, respetivam­ente como Gloria e Arnold, e ainda Barbara Sukowa, Jeanne Tripplehor­n e Rita Wilson fazem o que podem (e não podem) para injetar alguma vida no esquematis­mo das situações… Acontece que o melodrama não é um esquema, mas uma abertura à infinita complexida­de das relações humanas.

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