Desgaste do governo O preço político do fecho das escolas e da gestão da pandemia
Analistas políticos consideram que o governo, o Presidente e até os partidos vão sair mal na fotografia desta pandemia, perante portugueses que deixaram de “ter medo da autoridade do Estado” e que dão sinais de “desconfiança” nas instituições.
Ministro da Educação tem 15 dias para resolver o ensino à distância. Está sob pressão dos dirigentes escolares que querem de volta as aulas online. Analistas políticos afirmam que o governo, os partidos e Belém vão sair mal na fotografia da pandemia, perante os portugueses, que “deixaram de ter medo da autoridade do Estado” e dão sinais de “desconfiança” nas instituições.
Asituação dramática da pandemia em Portugal, com o número recorde de infeções por covid e de mortos a ser batido todos os dias, vai afetar seriamente a relação do país com o executivo? Os analistas políticos e sociais, embora ainda com dúvidas sobre o impacto das novas medidas de confinamento e dos avanços e recuos entre o Natal e a data presente, entendem que sim, sobretudo ao nível da confiança dos cidadãos nos seus governantes.
“A autoridade do Estado foi claramente posta em causa”, diz ao DN António Costa Pinto, o que remete para o facto de as pessoas não estarem a respeitar as medidas de confinamento decretadas pelo governo. “No primeiro confinamento, o medo associado à autoridade do Estado funcionou. Agora já não funcionou”, afirma o politólogo.
E sublinha que “não vale a pena culpar a sociedade, ainda para mais numa sociedade como a nossa, onde o negacionismo é escasso”. A resposta da sociedade a esta nova fase da pandemia deriva de outro fator: “Existe a perceção de que os decisores políticos não atuaram com base em evidência científica e ainda que não implementaram as decisões.”
O professor universitário Viriato Soromenho-Marques é ainda mais taxativo sobre as consequências desta última fase de resposta à crise de saúde pública, em que critica fortemente “todos os erros cometidos” e para os quais “têm de existir responsáveis”. “Temos uma crise sanitária, uma crise económica, que vai causar imenso sofrimento, e uma crise de confiança no governo e nas instituições. É um pacote muito duro. A casmurrice vai sair muito cara”, considera.
Viriato Soromenho-Marques faz o historial do que considera terem sido os erros capitais e que conduziram a esta terceira vaga agressiva de covid. É incompreensível, diz, que se tenha tido uma política de abertura no Natal, em que os números de infetados e de mortos já era elevado, e quando todas as evidências internas e externas apontavam no sentido contrário. “Como se o Natal fosse um direito constitucional! Os governos existem para cuidar da vida das pessoas, não para as festividades do Natal.”
Os políticos profissionais, como António Costa, frisa, “estão habituados a fazer acordos, mas não se consegue fazer acordos com os vírus, que não têm afetos, e são eles que ditam o que vamos fazer”.
E como académico que é vai aos dados que foram tornados públicos, a 11 de dezembro, em dois estudos, um do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e outro do Instituto Superior Técnico da de Lisboa, em que ambos apontavam para a perda de mais 1500 vidas com um abrandamento das medidas do estado de emergência no período das festas. “António Costa sabia disto, a oposição sabia disto, o Presidente sabia disto. Estivemos a jogar um desporto radical com o vírus, quando avançamos e ainda com todo o sistema escolar a funcionar”, afirma Viriato Soromenho-Marques, que recorda que as escolas abertas representam 25 % da população em circulação.
Recorda que o maior crescimento das infeções se deu nas faixas etárias entre os 13 e os 20 anos. “Estamos numa situação de guerra, e numa situação destas não podemos mandar os nossos estudantes para locais onde vão ser alvo de bombardeamento do inimigo”, diz momentos antes de o primeiro-ministro, saído do Conselho de Ministros, anunciar que as escolas e as universidades fecham durante 15 dias. E António Costa assumiu o recuo na decisão de manter os estabelecimentos de ensino a funcionar com
a maior prevalência da nova variante inglesa do vírus e que atinge as camadas mais jovens da população.
Viriato Soromenho-Marques faz um paralelo dramático do que irá acontecer até ao final do mês de fevereiro dada a dimensão da pandemia. “Vamos ter mortos em número igual ou superior a todos os mortos na Guerra Colonial”.
“Não podemos deixar passar isto e dizer ‘obrigadinho’. Quando isto abrandar não poderá ser esquecido por que estão a morrer muitas pessoas e outras a sofrer. Não há um só responsável.” O professor universitário inclui no lote dos responsáveis o governo, primeiro-ministro, Presidente da República e até os partidos.
O comentador político Pedro Marques Lopes acredita que a política de gestão da pandemia terá “efeitos políticos demolidores” para o governo num futuro próximo. Até pelo efeito da “tremenda” crise económica que vai gerar. “As pessoas já não estão tolerantes e sentem que as coisas não estão a ser bem geridas”, diz. Mas afasta a possibilidade de um julgamento mais duro com o governo ditar uma crise política séria. “Espero que sobre algum pingo de consciência nos decisores políticos. Se com uma crise desta dimensão sanitária e a brutal crise económica juntássemos uma política, era de internar os decisores políticos.”
Até quando o apoio?
A politóloga Sofia Serra Silva, investigadora da Universidade Nova, corrobora da perspetiva de Marques Lopes: “Não creio que as possíveis fragilidades, a existir, na imagem do governo acarretem uma potencial crise política. Quer o BE e o PCP nas suas últimas intervenções têm adotado uma abordagem de procurar soluções e debater essas mesmas soluções numa lógica, sobretudo, de cooperação e não de conflito ou contestação. Para além disso, há um consenso generalizado de que uma crise política sobreposta a uma crise pandémica é totalmente desnecessária e contraproducente.”
Sofia Serra Silva recorda que a ciência política tem indicado um fenómeno interessante , conhecido como “rally around the flag”, que sugere que em tempos de crise, quando um país está ameaçado, como tem acontecido com a situação pandémica, os cidadãos unem-se em torno dos seus líderes. O que se traduz em aumentos de popularidade dos líderes políticos e dos níveis de confiança e de apoio depositado pelos cidadãos naqueles que estão liderar a resposta à ameaça existente.
“A questão é saber se esse apoio nos primeiros tempos se mantém ao longo do tempo. O que sabemos é que esse apoio não dura para sempre e que a sua duração depende de vários fatores, nomeadamente da resposta, mais ou menos eficiente, dos líderes políticos à situação pandémica”, diz a investigadora. “Resta, portanto, saber o efeito das últimas medidas e o impasse recente na tomada de decisão relativamente às restrições existentes durante o confinamento e sobre o encerramento das escolas.”
Na sua opinião, todos os recentes impasses na tomada de decisões “podem deixar, possivelmente, marcas na imagem do governo.”