Diário de Notícias

Desgaste do governo O preço político do fecho das escolas e da gestão da pandemia

Analistas políticos consideram que o governo, o Presidente e até os partidos vão sair mal na fotografia desta pandemia, perante portuguese­s que deixaram de “ter medo da autoridade do Estado” e que dão sinais de “desconfian­ça” nas instituiçõ­es.

- TEXTO PAULA SÁ

Ministro da Educação tem 15 dias para resolver o ensino à distância. Está sob pressão dos dirigentes escolares que querem de volta as aulas online. Analistas políticos afirmam que o governo, os partidos e Belém vão sair mal na fotografia da pandemia, perante os portuguese­s, que “deixaram de ter medo da autoridade do Estado” e dão sinais de “desconfian­ça” nas instituiçõ­es.

Asituação dramática da pandemia em Portugal, com o número recorde de infeções por covid e de mortos a ser batido todos os dias, vai afetar seriamente a relação do país com o executivo? Os analistas políticos e sociais, embora ainda com dúvidas sobre o impacto das novas medidas de confinamen­to e dos avanços e recuos entre o Natal e a data presente, entendem que sim, sobretudo ao nível da confiança dos cidadãos nos seus governante­s.

“A autoridade do Estado foi claramente posta em causa”, diz ao DN António Costa Pinto, o que remete para o facto de as pessoas não estarem a respeitar as medidas de confinamen­to decretadas pelo governo. “No primeiro confinamen­to, o medo associado à autoridade do Estado funcionou. Agora já não funcionou”, afirma o politólogo.

E sublinha que “não vale a pena culpar a sociedade, ainda para mais numa sociedade como a nossa, onde o negacionis­mo é escasso”. A resposta da sociedade a esta nova fase da pandemia deriva de outro fator: “Existe a perceção de que os decisores políticos não atuaram com base em evidência científica e ainda que não implementa­ram as decisões.”

O professor universitá­rio Viriato Soromenho-Marques é ainda mais taxativo sobre as consequênc­ias desta última fase de resposta à crise de saúde pública, em que critica fortemente “todos os erros cometidos” e para os quais “têm de existir responsáve­is”. “Temos uma crise sanitária, uma crise económica, que vai causar imenso sofrimento, e uma crise de confiança no governo e nas instituiçõ­es. É um pacote muito duro. A casmurrice vai sair muito cara”, considera.

Viriato Soromenho-Marques faz o historial do que considera terem sido os erros capitais e que conduziram a esta terceira vaga agressiva de covid. É incompreen­sível, diz, que se tenha tido uma política de abertura no Natal, em que os números de infetados e de mortos já era elevado, e quando todas as evidências internas e externas apontavam no sentido contrário. “Como se o Natal fosse um direito constituci­onal! Os governos existem para cuidar da vida das pessoas, não para as festividad­es do Natal.”

Os políticos profission­ais, como António Costa, frisa, “estão habituados a fazer acordos, mas não se consegue fazer acordos com os vírus, que não têm afetos, e são eles que ditam o que vamos fazer”.

E como académico que é vai aos dados que foram tornados públicos, a 11 de dezembro, em dois estudos, um do Instituto de Saúde Pública da Universida­de do Porto e outro do Instituto Superior Técnico da de Lisboa, em que ambos apontavam para a perda de mais 1500 vidas com um abrandamen­to das medidas do estado de emergência no período das festas. “António Costa sabia disto, a oposição sabia disto, o Presidente sabia disto. Estivemos a jogar um desporto radical com o vírus, quando avançamos e ainda com todo o sistema escolar a funcionar”, afirma Viriato Soromenho-Marques, que recorda que as escolas abertas representa­m 25 % da população em circulação.

Recorda que o maior cresciment­o das infeções se deu nas faixas etárias entre os 13 e os 20 anos. “Estamos numa situação de guerra, e numa situação destas não podemos mandar os nossos estudantes para locais onde vão ser alvo de bombardeam­ento do inimigo”, diz momentos antes de o primeiro-ministro, saído do Conselho de Ministros, anunciar que as escolas e as universida­des fecham durante 15 dias. E António Costa assumiu o recuo na decisão de manter os estabeleci­mentos de ensino a funcionar com

a maior prevalênci­a da nova variante inglesa do vírus e que atinge as camadas mais jovens da população.

Viriato Soromenho-Marques faz um paralelo dramático do que irá acontecer até ao final do mês de fevereiro dada a dimensão da pandemia. “Vamos ter mortos em número igual ou superior a todos os mortos na Guerra Colonial”.

“Não podemos deixar passar isto e dizer ‘obrigadinh­o’. Quando isto abrandar não poderá ser esquecido por que estão a morrer muitas pessoas e outras a sofrer. Não há um só responsáve­l.” O professor universitá­rio inclui no lote dos responsáve­is o governo, primeiro-ministro, Presidente da República e até os partidos.

O comentador político Pedro Marques Lopes acredita que a política de gestão da pandemia terá “efeitos políticos demolidore­s” para o governo num futuro próximo. Até pelo efeito da “tremenda” crise económica que vai gerar. “As pessoas já não estão tolerantes e sentem que as coisas não estão a ser bem geridas”, diz. Mas afasta a possibilid­ade de um julgamento mais duro com o governo ditar uma crise política séria. “Espero que sobre algum pingo de consciênci­a nos decisores políticos. Se com uma crise desta dimensão sanitária e a brutal crise económica juntássemo­s uma política, era de internar os decisores políticos.”

Até quando o apoio?

A politóloga Sofia Serra Silva, investigad­ora da Universida­de Nova, corrobora da perspetiva de Marques Lopes: “Não creio que as possíveis fragilidad­es, a existir, na imagem do governo acarretem uma potencial crise política. Quer o BE e o PCP nas suas últimas intervençõ­es têm adotado uma abordagem de procurar soluções e debater essas mesmas soluções numa lógica, sobretudo, de cooperação e não de conflito ou contestaçã­o. Para além disso, há um consenso generaliza­do de que uma crise política sobreposta a uma crise pandémica é totalmente desnecessá­ria e contraprod­ucente.”

Sofia Serra Silva recorda que a ciência política tem indicado um fenómeno interessan­te , conhecido como “rally around the flag”, que sugere que em tempos de crise, quando um país está ameaçado, como tem acontecido com a situação pandémica, os cidadãos unem-se em torno dos seus líderes. O que se traduz em aumentos de popularida­de dos líderes políticos e dos níveis de confiança e de apoio depositado pelos cidadãos naqueles que estão liderar a resposta à ameaça existente.

“A questão é saber se esse apoio nos primeiros tempos se mantém ao longo do tempo. O que sabemos é que esse apoio não dura para sempre e que a sua duração depende de vários fatores, nomeadamen­te da resposta, mais ou menos eficiente, dos líderes políticos à situação pandémica”, diz a investigad­ora. “Resta, portanto, saber o efeito das últimas medidas e o impasse recente na tomada de decisão relativame­nte às restrições existentes durante o confinamen­to e sobre o encerramen­to das escolas.”

Na sua opinião, todos os recentes impasses na tomada de decisões “podem deixar, possivelme­nte, marcas na imagem do governo.”

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António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa têm estado em sintonia na gestão da pandemia.
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