Diário de Notícias

Paulo Baldaia

- Paulo Baldaia Jornalista

A ti, deus sol, entregamos as nossas crianças em sacrifício

Fechar todas as escolas, para lá dos 15 dias agora anunciados, é cobardia. Há mais alunos infetados, mas não há nenhuma informação que garanta que as escolas sejam um foco. Nas escolas, os alunos têm mais segurança do que a que encontram em sua própria casa.

Fechamos as escolas, sacrificam­os toda uma geração de estudantes, julgando que dessa forma acalmamos a ira dos deuses, como é suposto terem feito os astecas há largas centenas de anos. Tamanho egoísmo só é possível por preguiça de cumprir o que está assente como melhor forma de combater a pandemia.

– É mais fácil fechar as escolas do que rastrear as fontes de contágio ou colocar todo o sistema de saúde (público, social e privado) a tratar os doentes.

– É mais fácil fechar as escolas do que usar máscara ou reforçar a higienizaç­ão das mãos e manter o distanciam­ento social.

– É mais fácil fechar as escolas do que reforçar os transporte­s públicos para evitar que eles funcionem lotados à hora de ponta ou exigir condições de segurança sanitária nas fábricas, na construção civil, nos supermerca­dos.

Mas que não haja dúvidas, se acabarem a dispensar a qualidade de ensino de mais de um milhão de portuguese­s, só por burrice podem acreditar que foi por manterem as escolas abertas que milhares de portuguese­s se juntaram no fim de semana, à beira-mar, passeando sem máscara com tudo ao molho e fé em deus. Ou que foi por terem os filhos na escola que muitos portuguese­s, sem mesa na esplanada, passaram a pedir a bica, a mini e a sandes de queijo ao postigo para, mesmo de pé, manterem o alegre convívio com os amigalhaço­s de sempre.

– É mais fácil fechar as escolas do que obrigar os imbecis a cumprir a lei que deveria ser igual para todos.

– É mais fácil fechar as escolas do que garantir o policiamen­to e a vigilância para fazer cumprir as leis que emanam da vontade do Presidente da República, do parlamento e do governo. Quem nos representa desiste com demasiada facilidade. Estamos mesmo perdidos quando o futuro deixa de contar.

Mas se é por aí que a maioria pretende caminhar, então convém, ainda assim, garantir alguma equidade na desgraça. A primeira coisa que é preciso reconhecer é que o Ministério da Propaganda, também conhecido por Ministério da Educação, falhou redondamen­te no cumpriment­o da promessa feita pelo primeiro-ministro, António Costa, em abril. O kit eletrónico não chegou a todos os alunos (1,2 milhões) no início do ano letivo, como pomposamen­te anunciou António Costa há nove meses que iria acontecer. Chegou em novembro apenas para cem mil, menos de 10%. E mesmo que só contemos os alunos que não tinham, nem têm, computador e internet disponível, para os pais em teletrabal­ho e/ou os filhos em ensino à distância, um estudo da Universida­de Nova dava conta, também em abril do ano passado, que esse número deve rondar os 300 mil alunos.

Fechar todas as escolas, para lá dos 15 dias agora anunciados, é cobardia. Há mais alunos infetados, mas não há nenhuma informação que garanta que as escolas sejam um foco. Nas escolas, os alunos têm mais segurança do que a que encontram em sua própria casa. Este sacrifício em honra do deus sol não pode trazer senão a escuridão. Esperemos que não dure mais do que os 15 dias anunciados.

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