VOTO ELETRÓNICO
23 ANOS DE TESTES E NENHUM RESULTADO
O último teste-piloto ao voto eletrónico, em 2019, custou ao Estado quase 1,5 milhões de euros e foi o quinto desde 1997. O relatório entregue ao Parlamento confirmou que tinha sido um sucesso, mas até agora nenhum partido propôs o seu alargamento ao resto do país.
As longas filas para o voto antecipado para as presidenciais, agravadas pela pandemia, no passado domingo, evidenciaram a necessidade de sistemas mais modernos de votação. O voto eletrónico é um deles, também defendido como importante instrumento de combate à abstenção, atraindo os mais jovens e facilitando a participação dos emigrantes nos atos eleitorais nacionais. Um dos seus assumidos defensores é o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que reconhece ser “ultraminoritário” a favor da sua introdução em Portugal. “Nós para votarmos não aceitamos o digital, é uma coisa verdadeiramente do arco-da-velha. De repente, temos uns atavismos, uns conservadorismos, uns ultraconservadorismos incompreensíveis, para pioneiros”, criticou numa entrevista nesta semana ao Lusojornal, após destacar que Portugal tem sido o palco da cimeira tecnológica Web Summit.
E a verdade é que o voto eletrónico continua a gerar desconfianças. Nos últimos 23 anos foram feitos testes em cinco atos eleitorais, em 1997, 2001, 2004, 2005 e 2019, e a Comissão Nacional de Eleições (CNE) certifica que “a implementação de soluções de voto eletrónico visa, sobretudo, conferir maior celeridade às operações de votação e apuramento, melhorar toda a gestão do próprio processo com vista a atingir ganhos de eficiência e, ao mesmo tempo, manter ou aumentar as garantias de segurança e credibilidade de todo o processo”.
Afiança a CNE no seu site que “não pode descurar-se o facto de a consagração do voto eletrónico contribuir para que o cidadão eleitor exerça o seu direito de sufrágio de modo mais eficaz e cómodo, procurando, assim, combater algumas causas do abstencionismo que, no caso português, se têm vindo a evidenciar em alguns atos eleitorais”.
“É como ir ao multibanco”
No último teste-piloto, nas eleições europeias de 2019, eleitores do distrito de Évora puderam experimentar as novas tecnologias ao serviço da democracia. “É tão fácil. Fui à mesa, entreguei o Cartão de Cidadão e deram-me o cartão de voto.
Depois fui à máquina e fiz como se fosse no multibanco. Votei e não me enganei, porque a máquina pede confirmação”, contou à TSF um desses eleitores.
Este teste-piloto custou 1,45 milhões de euros, financiados pelo Ministério da Administração Interna (MAI), e o relatório de avaliação da experiência feita em Évora para o voto eletrónico presencial garante segurança aos eleitores e conclui que deveria ser estendido futuramente a outros atos eleitorais. Se houvesse dúvidas quanto à vantagem deste sistema para fazer descer a abstenção, os números de adesão dos eleitores neste teste ajudam a dissipá-las. “Em termos relativos, as mesas com voto eletrónico tiveram em média mais 97% de eleitores do que as mesas de voto tradicional”, é salientado no relatório.
Nas conclusões deste documento é ainda referida a garantia de segurança do sistema (auditado pela Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e a Criminalidade Tecnológica (UNC3T ) da Polícia Judiciária, pelo Centro Operacional de Segurança Informática (COSI) do MAI e pela Universidade do Minho, além da “fiabilidade do sistema” e da maior celeridade no apuramento dos resultados (logo que as urnas fecham). A estas vantagens, assinaladas neste relatório, junta-se também a da desmaterialização dos cadernos eleitorais, que permitiu “aos eleitores deste círculo eleitoral exercerem o seu direito de voto em mobilidade”, com uma “grande aceitação por parte dos membros de mesa, dada a facilidade do seu manuseamento e a rapidez e segurança na identificação do eleitor” – e a possibilidade de “evitar a imtos pressão de 643 mil folhas de papel A4 (3,2 toneladas)”.
Mas quando se pergunta ao gabinete do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que autorizou este teste e pagou, segundo se pode consultar no portal Base.gov (que regista os contrapúblicos), quase um milhão e meio de euros à Meo, à Portugal Telecom e À Indra pelo projeto, se “considera o voto eletrónico importante e prioritário”, e porque, tendo havido já tantos testes, com sucesso, não se concretizou ainda, remete para o Parlamento. “O relatório de avaliação deste projeto-piloto foi entregue à Assembleia da República em julho de 2019, cabendo à Assembleia da República determinar, para futuro, o alargamento desta possibilidade”, responde fonte oficial.
Na gaveta do Parlamento
Questionado ainda o gabinete de Eduardo sobre qual é o plano para a implementação do voto eletrónico, se há problemas ainda a resolver que não foram identificados no teste de Évora ou nos anteriores, não responde. Não explica também por que, apesar do sucesso do teste em Évora, no relatório de atividades de 2019 da secretaria-geral do MAI, que coordena esta área eleitoral, a única referência que existe ao voto eletrónico é desenvolver um “manual de apoio ao voto eletrónico e publicar nos sites da CNE e do SGMAI”, o qual nem sequer é visível nas respetivas páginas da internet.
O MAI respondeu, ainda assim, à questão sobre qual o destino dado a todo o equipamento utilizado em
“Não pode descurar-se o facto de a consagração do voto electrónico contribuir para que o cidadão eleitor exerça o seu direito de sufrágio de modo mais eficaz e cómodo, procurando, assim, combater algumas causas do abstencionismo.” Comissão Nacional de Eleições “A única vantagem do voto eletrónico presencial é a rapidez na contagem dos votos. Quanto ao voto eletrónico à distância, não há como garantir que é o próprio que vota, além do risco de haver um ciberataque que pudesse alterar os resultados.” António Filipe, PCP
“Nas atuais circunstâncias da pandemia, fica cada vez mais claro que a obrigatoriedade do voto presencial, como é o caso dos emigrantes que têm de ir aos respetivos consulados, é incompreensível.” Luís Marques Guedes, PSD ”Tudo o que não seja presencial não garante a fiabilidade desejável porque não garante, efetivamente, quem votou” Pedro Delgado Alves, PS
Évora, que custou 1,45 milhões de euros: “Os computadores e equipamentos de comunicações utilizados no projeto-piloto em Évora foram distribuídos pelas forças de segurança. Os equipamentos de votação eletrónica utilizados foram alugados para aquele ato.”
Quanto as cadernos eleitorais desmaterializados, salienta a mesma fonte oficial, “na sequência das alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 4/2020, de 11 de novembro, os cadernos eleitorais desmaterializados vão ser usados, pela primeira vez, na votação dos portugueses residentes no estrangeiro das Eleições para o Presidente da República de 2021”.
De acordo ainda com o MAI, o relatório de avaliação sobre o teste em Évora foi enviado ao Parlamento logo em julho de 2019 e reencaminhado à comissão de Assuntos Constitucionais de Direitos Liberdades e Garantias. A introdução do voto eletrónico exige uma maioria de dois terços dos deputados para alterar a lei eleitoral e a Constituição, que determinam que os votos sejam presenciais.
O sucesso de Évora não motivou nenhuma proposta por parte dos partidos. “O grande salto qualitativo seria mesmo o voto eletrónico à distância”, salienta Luís Marques Guedes, presidente desta comissão, assinalando que no caso do teste em Évora, “apesar de ser voto eletrónico, exigia na mesma a presença dos eleitores”. Este deputado do PSD salienta que “nas atuais circunstâncias da pandemia fica cada vez mais claro que a obrigatoriedade do voto presencial, como é o caso dos emigrantes que têm de ir aos respetivos consulados, é incompreensível”, recordando “várias propostas do PSD para que o voto dos emigrantes nas presidenciais fosse como nas legislativas (por correspondência)”. “Esta rigidez constitucional e legislativa não favorece a maior participação nas eleições. Passados quase 50 anos de maturidade democrática em Portugal, é tempo de evoluir para essa agilização”.
Por seu lado, Pedro Delgado Alves, deputado do PS da mesma comissão parlamentar, sobre o teste ao voto eletrónico presencial de Évora, entende que “perante atos eleitorais como elevada segurança e fiabilidade como os nossos têm sido ao longo de 40 anos, há que ter um consenso amplo e a certeza de que as vantagens que se podem obter (e que correspondem, na maioria, a maior celeridade da contagem) justificam as alterações e investimento elevado a realizar em meios”. “Tudo o que não seja presencial não garante a fiabilidade desejável porque não garante quem efetivamente votou”, frisa.
Do PCP, o deputado António Filipe manifesta também reticências. Em relação ao voto eletrónico presencial, como foi o testado nas europeias de 2019 em Évora, aponta como “única vantagem deste sistema, usado em países como o Brasil e a Venezuela, a rapidez na contagem dos votos”, sendo um equipamento “muito caro”. Quanto ao voto eletrónico à distância, “não há como garantir que é o próprio que vota, além do risco de haver um ciberataque que pudesse alterar os resultados”.