AUGUSTO MATEUS
“IDEOLOGIA NA SAÚDE DEMONSTRA FALTA DE LUCIDEZ”
“Precisamos de medidas úteis e justas, não de soluções simpáticas. Precisamos dos apoios certos e que haja rigor e transparência na comunicação – que não tem havido.” Augusto Mateus Economista
Areeleição de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República “é a escolha certa e quase óbvia”. Quem o diz é Augusto Mateus, que não estranha a mobilização de apoios ao atual Presidente mesmo entre quem tem cores políticas diferentes. “Não é questão de ser socialista ou liberal ou outra coisa qualquer. É uma questão de equilíbrio e da importância do PR no regime semipresidencialista, não em tudo mas no que é fundamental. Os portugueses gostam desse poder compensatório, do equilíbrio que dá” – e que faz especial sentido neste momento.
Num contexto de crise diferente de qualquer outra que tenhamos vivido, o antigo ministro de António Guterres defende uma resposta da saúde livre de ideologias e que integre todos os atores – público, privado e social – e lembra que à medida que esta crise se agrava ou se arrasta no tempo o governo perde a simpatia dos portugueses. Pelo que sublinha: “Nós precisamos é de medidas úteis e justas, não de soluções simpáticas. E precisamos dos apoios certos e que haja rigor e transparência na comunicação, que não tem havido.”
Sem podermos recorrer às soluções conhecidas por se tratar de uma crise fundamentalmente diferente e geradora de desigualdade, e que se tem enfrentado com “navegação ultra à vista”, gerando “extrema incerteza” – e com ela receio e oportunismo –, Augusto Mateus defende ser essencial desenhar medidas assertivas e que tratem todos por igual “pelas funções que exercem na sociedade”, pesadas as devidas diferenças. “O trabalhador assalariado e o independente têm de ter iguais condições, temos de ter princípios muito mais ativos e automáticos de partilha da dor”, explica. Como o lay-off simplificado, repartindo os custos em três partes iguais: empresa, trabalhadores e Estado enquanto representante da sociedade. “Teria sido importante que todos países se alinhassem nisto perante quebras de procura brutais ou fecho de atividade.” Porque o problema não é financeiro, de quantidade de dinheiro, mas do tratamento que se lhe dá, provocando sentimento em alguns de estarem a ser maltratados e não verem a sua dor partilhada.
“Há uma profunda desigualdade empresarial, setorial, regional, etc. dos problemas e com uma enorme amplitude de variação também a nível social. Temos profundíssima desigualdade entre assalariados e independentes, atividades sobre criatividade e cultura, de que dissemos o melhor e que estão debaixo de água e outras comuns que estão bem melhor. A incerteza e a desigualdade nos impactos da pandemia exigem de governos e cidadãos um comportamento inteiramente novo. Não se pode tentar resolver problemas que tínhamos antes de resolver o de saúde pública ou arriscamos criar profundas injustiças.”
A esse nível, Augusto Mateus lamenta erros básicos de gestão. “Ninguém estava preparado para isto e não há culpa de governos – por piores que sejam –, mas precisamos de lucidez e isso tem faltado em muitos aspetos.” A começar pela necessidade de pôr todos os serviços de saúde a funcionar em conjunto, para prestar serviço universal, rápido e com qualidade. Faria sentido a requisição civil? Mateus é perentório: “Não! Não faz nenhum sentido. O que é preciso é gerir a saúde com racionalidade. A sociedade portuguesa está consensualizada no que Marcelo tem expresso – apesar de atacado pelos outros candidatos: temos agentes privados, públicos e sociais e temos de garantir que existe um SNS público para todas as pessoas serem iguais na doença, mas temos muito a ganhar com a especialização e complementaridade de outro tipo de serviços.” E lembra que a vacina só foi possível “porque houve grande colaboração entre atores: incentivos fortíssimos públicos e mobilização de conhecimento privado”.
Para uma saúde melhor e livre de ideologia, a funcionar para servir os portugueses, defende um conhecimento aprofundado dos custos de referência, como há nos medicamentos. “Se uma entidade consegue suportar melhor certos custos, pode beneficiar disso, se suporta pior é prejudicada. Os preços na saúde são fundamentais para a colaboração e já devia haver planos de combate a pandemias e de otimização de recursos há muito. Não existir, demonstra falta de lucidez, porque além da covid há as doenças crónicas da nossa civilização, que exigem cuidados permanentes, e acidentes, e toda a gente podia estar a fazer melhor.”
Também do ponto vista económico, o ex-ministro defende que devíamos estar a fazer melhor e isso depende de olhar as desigualdades e fazer bem as contas, para responder com mecanismos muito específicos e adequados às diferentes realidades. “Há atividades encerradas por decisão do governo e outras indiretamente, há o problema das cadeias de valor globalizadas, as contas não podem ter por base a faturação. Um restaurante fechado não fatura, mas também não faz encomendas, paga menos impostos, luz, etc. e essas assimetrias têm de ser pesadas nos apoios, como o tem de ser a forma de apoio.”
Lembra que no confinamento anterior o consumo se reduziu a cerca de metade, pelo que o lay-off a pagar dois terços do salário compensava bem – “as pessoas tinham menos despesas, as empresas não se descapitalizavam e o défice não crescia exageradamente”. Quando se complicou essa medida, abriu-se a caixa de Pandora, e criou-se tratamento diferente de situações que deviam ser tratadas como iguais. “Diferentes lay-offs, limites de pessoas nas lojas, de horários, apoios dependentes de faturação... há negócios que precisam de 80% de ocupação se não não sobrevivem!” Por outro lado, Mateus defende que o recurso a crédito devia existir com mais força num momento posterior, de recuperação, para a impulsionar, e agora devíamos focar recursos na liquidez e na hibernação das atividades mais afetadas, de forma a conservá-las para que se possa salvar o máximo de empresas quando houver condições de recuperação. “Na crise financeira e da dívida soberana perdemos 10% das empresas. Agora vamos perder mais. É preciso ver quais estão em condições de recuperar.”
Por tudo isto e pela exigência do momento atual, pela necessidade de enfrentar a crise – pandémica e económica – com seriedade, o economista diz que “precisamos de uma governação mais transparente e verdadeira, de governar de forma muito mais assertiva nos atos”. “Temos muita conversa e pouca ação, o governo age como uma espécie de médico que só prescreve, mas o papel da política pública é o de fazer bem o bem, nós mandatamos responsáveis para resolver temas, não para enunciar problemas.”
E também aí Marcelo tem um papel fundamental, de focar políticas e unir esforços. “Qualquer sociedade tem problemas que são de todos e outros de alguns e há forças políticas que se posicionam de cada um dos lados, “umas dirigindo-se claramente à governação, outras tentando ser transformadoras ou bloqueadoras”. E nesta eleição só o atual Presidente apresenta vontade de “dar vida ao poder compensatório com equilíbrio, tentando mobilizar os portugueses para projetos comuns, para criar convergência em torno dos grandes problemas e desafios. Os adversários posicionam-se todos numa lógica de dividir, sem uma interpretação completa, alargada. Portanto, Marcelo Rebelo de Sousa é a solução acertada”.