Recessãoàvista emPortugaleUE
Lagarde alerta para “desenvolvimentos adversos novos” devido ao coronavírus
Azona euro está à beira de uma nova recessão, a segunda em menos de um ano, e Portugal também, tendo em conta o histórico da evolução económica dos dois territórios. Aconteceu no primeiro confinamento para deter a covid-19, deve acontecer agora, outra vez.
A zona euro está prestes a cair numa nova recessão técnica, isto é, dois trimestres consecutivos de quebra da atividade económica, avisou ontem a presidente do Banco Central Europeu (BCE), na conferência de imprensa que se seguiu à reunião sobre política monetária e taxas de juro, nesta quinta-feira.
Mas isto é um sinal quase inequívoco de que Portugal também estará nessa situação, agravando a dinâmica da zona euro, na qual o país se insere.
De acordo com um levantamento das séries históricas da evolução trimestral do produto interno bruto (PIB), há uma quase perfeita sincronia entre Portugal e a zona euro.
Ou seja, sempre que a economia da zona euro começa a cair, Portugal também cai (aconteceu a partir de meados de 2008, por exemplo) ou então Portugal já está em recessão (foi o caso da crise que começou no final de 2010 e se prolongou até meados de 2013), mostram os dados do Eurostat e do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Ontem, a líder do BCE, Christine Lagarde, revelou que “os últimos dados económicos, inquéritos e indicadores de alta frequência sugerem que o ressurgimento da pandemia e a intensificação associada às medidas de contenção terão levado a um declínio na atividade no quarto trimestre de 2020 e também devem pesar sobre a atividade no primeiro trimestre deste ano”.
Portanto, a reta final de 2020 foi marcada por uma quebra da economia e os primeiros três meses deste ano vão pelo mesmo caminho. Recessão à vista, a segunda em menos de um ano.
A zona euro entrou em recessão no primeiro trimestre do ano passado. A economia do euro recuou 3,7% nos primeiros três meses de 2020 e depois afundou mais 11,7%. Portugal seguiu este ritmo, tendo até registado valores piores: menos 4% e menos 3,9%, respetivamente.
“A evolução económica continua a ser desigual entre setores, com o setor de serviços a ser mais adversamente afetado pelas novas restrições à interação social e mobilidade do que o setor industrial”, referiu a presidente do BCE. Sobre o futuro, Lagarde confia que a vacinação, iniciada no final de dezembro, “permite uma maior confiança na resolução da crise sanitária”, só que “levará algum tempo até que a imunidade generalizada seja alcançada”. E “não podemos descartar novos desenvolvimentos adversos relacionados com a pandemia”.
Assim, “no médio prazo, a recuperação da economia da zona euro deverá ser apoiada por condições de financiamento favoráveis, orçamentos públicos expansionistas e uma recuperação da procura, à medida que as medidas de confinamento são levantadas e a incerteza diminui”.
“As notícias sobre as perspetivas para a economia global, o acordo sobre as futuras relações UE-Reino Unido e o início das campanhas de vacinação são encorajadoras, mas a pandemia em curso e as suas implicações para as condições económicas e financeiras continuam a ser riscos negativos”, disse a ex-chefe do FMI.
Juros mínimos e bazucas ficam na mesma
Há pouco mais de um mês, o BCE decidiu manter os juros em mínimos históricos e reforçar a chamada bazuca de dinheiro ultrabarato (sobretudo os programas de compra de Obrigações do Tesouro) em mais 40%, em cerca de 500 mil milhões de euros para um total de 1,85 biliões de euros. Desde então vários problemas ou incertezas foram clarificados, mas outros surgiram com maior violência.
O BCE optou, assim, por deixar tudo na mesma. Nessa altura, havia três pedras na engrenagem. As vacinas covid-19 ainda não estavam no terreno, ainda não era seguro que o então presidente eleito dos EUA, Joe Biden, conseguisse chegar ao cargo, e não havia acordo final para a saída do Reino Unido da União Europeia.
Estes três problemas, entretanto, dissiparam-se. As vacinas chegaram, Biden foi empossado na quarta-feira passada e o acordo final do Brexit lá foi alcançado depois de anos de impasses, avanços e muitos recuos.
Mas, como reparou Lagarde, estamos perante uma nova vaga da doença e uma nova disrupção da atividade.
Além das bazucas, o BCE decidiu também manter as taxas de juro de referência em mínimos históricos, em 0% e abaixo de zero.
O Banco Central Europeu manteve, na reunião de ontem, as taxas de juro em mínimos históricos.
São quatro meses consecutivos de recordes. O endividamento da economia aumentou em novembro para fixar um novo máximo de sempre. Ao todo, empresas, famílias e setor público deviam 742,8 mil milhões de euros no final de novembro último, segundo dados divulgados ontem pelo Banco de Portugal. Trata-se de uma subida de 2,1 mil milhões de euros. Por detrás deste aumento está, sobretudo, o contributo da subida do endividamento do setor público, que teve um aumento mensal de 1,4 mil milhões de euros. Já o setor privado registou uma subida de 700 milhões de euros na dívida. “É normal que em dezembro e em janeiro se assista a mais do mesmo”, disse Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros. “É um aumento que tem que ver sobretudo com endividamento para gestão dos gastos com a pandemia”, frisou.
Segundo o Banco de Portugal, o aumento do “endividamento do setor público refletiu-se, sobretudo, no crescimento do endividamento face às próprias administrações públicas [2,4 mil milhões de euros] e face ao setor financeiro [1,0 mil milhões de euros]”. “Estes aumentos foram parcialmente compensados pela redução do endividamento face ao exterior [2,0 mil milhões de euros]”, adiantou numa nota de informação estatística.
O aumento do endividamento no país acontece numa altura em que Portugal atravessa uma das maiores crises económicas de sempre, devido às medidas adotadas no âmbito da epidemia do novo coronavírus.
No setor privado, “o endividamento dos particulares perante o setor financeiro registou um incremento de 0,4 mil milhões de euros”. “Por sua vez, o endividamento das empresas aumentou 0,3 mil milhões de euros, refletindo a subida do endividamento face ao exterior de 0,4 mil milhões de euros, parcialmente compensada pela redução do endividamento face ao setor financeiro”, referiu .
Filipe Garcia lembrou que há empresas e famílias com moratórias no crédito e que, portanto, não amortizam a sua dívida ao banco, o que contribui para a manutenção do nível de endividamento. Também apontou que se regista um aumento na contratação de crédito, nomeadamente ao consumo, o que acresce ao volume de crédito global das famílias. “Mesmo que possam amortizar dívida, os agentes económicos não o estão a fazer por uma questão de prudência”, afirmou. “Os bancos vão continuar a apertar as condições de acesso ao crédito e é prudente manter uma folga”, disse o mesmo economista. Mas alertou que “o stock de dívida não para de aumentar” e que “pode tornar-se insustentável” no futuro, quando começarem a subir as taxas de juro.