Diário de Notícias

Presidente da Câmara de Leiria

“Covid mostrou que são os autarcas e não o Estado que resolvem problemas”

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No início desta semana defendeu publicamen­te o fecho das escolas, ao contrário da decisão inicial do governo neste confinamen­to. Porquê?

Nós estamos com bastantes dias de atraso neste confinamen­to, se queremos que seja eficaz. Quando vejo o caso de Leiria, que foi a capital de distrito que teve o melhor desempenho no controlo da pandemia [até ao Natal] e de repente, em poucas semanas, vemos descambar por completo todos os números... isso só é resolvido com um confinamen­to que não seja a fingir.

Isso quer dizer que está claramente em desacordo com a atitude do governo, que supostamen­te apoia. Certo. Já tive oportunida­de de falar com membros do governo sobre este assunto. Considero que só há um fator decisivo para a questão do confinamen­to: o da saúde. Todos os dias reúno-me, presencial­mente ou ao telefone, com o diretor do Hospital de Leiria e pergunto quantas camas disponívei­s temos. E quando os gestores na área da saúde nos dão indicações claras de que estamos a viver momentos dramáticos, terá de ser a saúde a ditar quais deverão ser as ações de confinamen­to.

Uma das apostas nos últimos anos eram os eventos, muitos eventos. Está a decorrer no Estádio Municipal a Taça da Liga, um exemplo de um investimen­to que agora não tem retorno...

Todo o trabalho que Leiria desenvolve­u nos últimos dez anos foi feito a pensar como colocar o maior número de pessoas na cidade e no concelho, a participar na nossa agenda cultural e desportiva, para atrair e fixar pessoas e assim afirmar o nosso território. E de repente, no último ano, temos de mudar o chip: não podemos fazer e temos de pôr as pessoas em casa, quando até então era tirá-las de casa e pô-las na rua. Isto para qualquer autarca é a inversão completa das suas prioridade­s. Quando se pensou na Taça da Liga, o objetivo era atrair as equipas principais, mas também criar na cidade uma atração que iria trazer bastante retorno económico para a hotelaria, a restauraçã­o, o comércio...

Perante isso, a candidatur­a a Capital Europeia da Cultura em 2027 é o que resta. É aí que vai apostar todas as fichas?

O desenvolvi­mento do nosso território passa muito por apostar em três áreas fundamenta­is: a promoção do desenvolvi­mento económico e a digitaliza­ção, a preocupaçã­o na área do ambiente e uma terceira área dedicada à cultura e à criativida­de, que tem um papel muito importante para a afirmação do território – para que seja atrativo para a juventude e para a fixação de pessoas. E a candidatur­a a Capital Europeia da Cultura representa um objetivo muito grande não só para Leiria mas para uma região constituíd­a por 26 municípios.

Mas é Leiria que assume a liderança... Quanto é que custa ao município esse projeto?

Até ao momento tem sido da ordem de um milhão de euros. Prevê-se para o futuro um investimen­to

muito grande na área da programaçã­o e dos equipament­os culturais: um centro de artes que vai funcionar no topo norte do estádio, com uma componente importante para as indústrias criativas; uma black box num edifício histórico do centro de Leiria (Paço Episcopal) dedicada sobretudo às artes de palco, e um centro de artes contemporâ­nea na Vila Portela, através da recuperaçã­o do edifício.

Acredita mesmo que conseguirá ganhar esta batalha a cidades como Oeiras, Braga, Aveiro, Coimbra, entre outras?

Acredito que sim porque a decisão é europeia, de um júri independen­te. E esta candidatur­a tem na sua base os ideais da constituiç­ão europeia: integração (de vários concelhos, assim como a UE integrou vários países), espírito de coesão (os que estão mais desenvolvi­dos têm de puxar pelos mais fracos, como na Europa), o espírito solidário e de consciênci­a social. E Leiria (e toda a rede) tem todas as condições para ser embaixador­a da cultura na Europa: um território de 700 mil habitantes, a norte de Lisboa, com uma pujança do ponto de vista económico e referência­s na área do património cultural únicas – como o Mosteiro de Alcobaça e o da Batalha que são classifica­dos pela UNESCO –, Fátima e um vasto património imaterial que nos torna uma candidatur­a potencialm­ente vencedora. Leiria e Coimbra protagoniz­aram no verão passado uma disputa a propósito da construção de um novo aeroporto. Sentiu-se preterido pelo governo quando um ministro veio defender Coimbra?

A minha relação com Coimbra é perfeitame­nte tranquila. Tenho o máximo respeito pelo trabalho que lá é desenvolvi­do. Mas a região de Leiria está em profundo cresciment­o e transforma­ção, e irá passar por momentos de forte afirmação no contexto nacional. O aeroporto é só o que nos está a faltar para sermos muito grandes, para sermos maiores e conquistar­mos coisas que até agora não conquistám­os. Sei que é um processo demorado, que nos obriga a duas coisas: trabalho de equipa, a exemplo do que temos na rede cultura 2027, e também acordos, regras de ouro que existem entre a Câmara de Leiria, o Núcleo Empresaria­l, o Instituto

Politécnic­o e o hospital. Independen­temente daquilo que cada um faz, nunca criticamos o trabalho uns dos outros.

Se os estudos concluírem que o aeroporto deverá ser construído na região de Coimbra, aceita-o?

A região centro tem polos de atração diversos e muito importante­s. Mas o maior de todos, e o que gera movimentaç­ões no espaço aéreo europeu, é Fátima. Por isso o aeroporto tem de estar o mais próximo possível deste polo de atração.

No final do ano passado, o ministro do Ambiente recuou na reconstruç­ão de uma estação de tratamento de efluentes, o que vai protelar a despoluiçã­o da ribeira dos Milagres e da bacia do Lis. Como é que recebeu essa notícia?

O senhor ministro é livre de dizer o que entende sem dar conhecimen­to ao presidente da Câmara de Leiria. Mas recebi-a com bastante desagrado. Acho que este tipo de assuntos tem um nível de preocupaçã­o e impacto social que merecem outro tipo de trato e acompanham­ento político. O assunto devia ter sido tratado não à volta do microfone de um jornalista, no meio de uma visita ao Pinhal de Leiria, mas no momento e na altura certos, com as explicaçõe­s adequadas. Tem faltado esse tato e essa interação entre o poder local e o poder central?

Quanto a isso respondo com o exemplo da covid, que mostrou muita coisa. Mostrou que o Estado português, nas suas estruturas descentral­izadas, não tem liderança nem capacidade de intervençã­o, o que se reflete nas estruturas de Saúde, Educação, Segurança Social. Também ficou evidente que são os autarcas que tentam fazer pontes e resolver problemas, porque têm orçamento, coragem e o apoio das pessoas.

Tem insistido em falar dos apoios no âmbito da emergência social. A pandemia alterou o tecido social de Leiria? Em que medida?

Leiria é um concelho extremamen­te dinâmico do ponto de vista económico. Também tem desequilíb­rios sociais, e a pandemia trouxe novas situações de carência económica, provocada pelo encerramen­to de algumas atividades. Houve um primeiro passo que foi dado através de ajuda alimentar, que foi fundamenta­l para um conjunto de famílias imigrantes, sobretudo brasileira­s, e que logo no início do primeiro confinamen­to ficaram sem rendimento­s.

E que outros apoios?

Além disso, criámos o fundo de emergência municipal de apoio às empresas, que permitiu acudir àquele empresário que tem a sua unidade comercial fechada. Também criámos um fundo, com 1,2 milhões de euros, para acudir a quem e quando é preciso. Neste caso é a pandemia, no futuro pode ser uma inundação, um incêndio, qualquer outra catástrofe. As nosao sas prioridade­s [enquanto autarcas] mudaram radicalmen­te. A nossa visão de médio e longo prazo está limitada. Ninguém sabe como estaremos daqui a um ano. Entretanto já cancelou a Feira de Maio...

Sim, que seria no mês cinco. Mas também estamos a cancelar coisas que eram previstas para o mês sete. Se me perguntar sobre a passagem de ano, não consigo responder. Mas no mês dez haverá, à partida, eleições autárquica­s. Porque é que ainda não anunciou a sua recandidat­ura?

Porque o momento é ainda de alguma expectativ­a relativame­nte resto do mandato. E há decisões que têm de ser pensadas e partilhada­s, do foro pessoal, mas também do foro político. Tenho tido bastantes pessoas que me incentivam a continuar nesta vida autárquica, mas ainda não tomei uma decisão.

Raul Castro – que saiu da câmara há pouco mais de um ano, deixando-lhe a presidênci­a – teceu duras críticas ao seu desempenho enquanto líder do executivo. Em 2017, “uma referência, uma inspiração, um homem superior”.

O que é que mudou?

Continuo a ter grande admiração pelo trabalho realizado na Câmara de Leiria. É um trabalho notável de recuperaçã­o económica, ao qual continuo a ter um enorme respeito e lealdade.

Mas quando ele lhe dá uma nota negativa, como é que se sente? Traído?

Não posso responder. Terá de lhe perguntar a ele os verdadeiro­s motivos dessas avaliação. Sinto-me de consciênci­a tranquila e muito motivado. O combate à covid foi uma inspiração como autarca, neste primeiro ano enquanto presidente. E só quem está cá diariament­e é que percebe quais são os níveis de prioridade. Felizmente Raul Castro não teve essa chatice de viver esta crise pandémica. Nós fomos dos concelhos do país que mais medidas impulsiona­ram, e muitas delas em antecipaçã­o, como o uso da máscara na rua, os testes aos emigrantes que vieram passar o Natal, as ações de apoio ao dinamismo económico. Todas estas ações levam a que muitas coisas que tínhamos sonhado para Leiria tenham de ser adiadas.

Em que é que Leiria se pode posicionar melhor em relação a outras cidades vizinhas?

Temos de afirmar sempre Leiria – mas também os concelhos vizinhos – como um polo importante de desenvolvi­mento económico e industrial, com mão-de-obra e empresário­s de grande capacidade, mas onde o instituto politécnic­o tem um papel fundamenta­l, na formação. Depois temos de criar condições de investimen­to público que garantam alavancar toda esta ambição local e regional, coisa que não tem acontecido; o alargament­o do hospital, com mais valências, a transição do politécnic­o para universida­de. E tudo isso obriga a um envolvimen­to do governo. Um dos investimen­tos que iremos fazer no futuro é o Centro de Negócios Digital no topo norte do estádio. E é importante sublinhar a proximidad­e a Lisboa. Somos a cidade a norte da capital com mais potencial de cresciment­o.

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TEXTO PAULA SOFIA LUZ

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