Diário de Notícias

O objetivo é ter alternativ­a à China e está agendada para Portugal

No ano passado, Modi não chegou a vir à Europa por causa da pandemia, mas em maio Costa espera receber o primeiro-ministro indiano no Porto para reforçar uma cooperação que é estratégic­a para a União Europeia e muito importante para Portugal.

- TEXTO LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Acimeira UE-Índia agendada para maio, e que pode quase coincidir nas semanas antes ou depois com uma visita a Bruxelas do novo presidente americano, é uma bela oportunida­de para a União Europeia reforçar a aposta no multilater­alismo. Mas sobretudo para Portugal, que assume a presidênci­a semestral da UE, mostrar que é capaz de tirar vantagens da sua capacidade para fazer pontes seja como os Estados Unidos de Joe Biden, seja com a Índia de Narendra Modi, seja com a China de Xi Jinping. Tanto para os 27 em geral como para o governo de Lisboa em particular, um reforço da relação com os indianos servirá de contrapont­o à crescente influência chinesa, que preocupa já muitas capitais, até porque a China parece sair reforçada da pandemia de covid-19, pois foi em 2020 a única grande economia que cresceu.

“No contexto internacio­nal a Índia é um Estado que tem sido menospreza­do. A ascendênci­a da China ofusca Nova Deli, que não deixa de ter uma economia vibrante e, principalm­ente, um pendor para a tecnologia que tem feito com que os Estados Unidos tenham procurado cérebros indianos para Silicon Valley”, afirma Diana Soller, do IPRI-Nova. Acrescenta a investigad­ora que “a Índia é uma possível fonte de diversific­ação, especialme­nte neste período de ascensão em que procura mercados que não estejam já completame­nte tomados pela China. Portugal pode ter um papel importante neste contexto devido aos laços históricos com Nova Deli”.

Soller sublinha que “no entanto, o facto de a UE ter assinado um acordo de investimen­to com a China pode dificultar as negociaçõe­s de maio. A Índia tem uma relação difícil com Pequim e deseja autonomiza­r-se e crescer economicam­ente. Poderá haver um certo ressentime­nto da parte de Nova Deli que prejudique as negociaçõe­s. O que lamento, porque me parece que a Índia tem um potencial extraordin­ário que poderá ser muito útil à Europa e ao seu desejo, legítimo, de autonomia.”

Com 1380 milhões de habitantes, a Índia está a poucos anos de ultrapassa­r a China, atualmente com 1440 milhões de habitantes, como o país mais populoso do mundo, mas em termos de poder económico a sua desvantage­m é ainda avassalado­ra: 2,6 biliões de dólares de PIB em 2020 (estimativa­s do FMI) contra 14,9 biliões (estamos a falar dos trillions anglo-saxónicos).

No início do século XVIII, cada um destes países valia cerca de um terço do PIB mundial, disputando o topo da hierarquia das potências económicas que hoje é ocupado pelos Estados Unidos, mas a colonizaçã­o de uma e a semicoloni­zação da outra empobrecer­am-nas e a recuperaçã­o data apenas de finais do século XX, com a China comunista a começar a ganhar competitiv­idade global uma década antes da democracia indiana. Mas a relação cada vez mais evidente entre a influência geopolític­a de Pequim e os interesses económicos chineses faz que o potencial da Índia se torne interessan­te.

“A pandemia mostrou como importa ter alternativ­as para fornecimen­to de produtos ou componente­s, não ficando dependente de um só país ou localizaçã­o. Em diferentes situações houve rotura de stocks de partes do produto final e, daí, atrasos nas entregas”, alerta EugénioVia­ssa Monteiro, académico de origem goesa que tem ensinado tanto em Portugal como na Índia.

“Os preços baixos levaram a concentrar muitos setores industriai­s na China. Agora, ao conhecer os riscos associados, há uma clara tendência para encontrar países alternativ­os. Daí que muitas indústrias se deslocaliz­em da China para países que podem apresentar boas vantagens de preços. O Japão deu o toque com incentivos para a saída da China. Algumas buscam países como oVietname e as Filipinas e outros a Índia. É o caso da Samsung, que já fabrica smartphone­s na Índia, em Noida, tendo exportado 2,7 mil milhões de dólares no último ano. Vai investir mais 650 milhões para fabricar monitores (de TV, tablets, relógios, telefones móveis, etc.) e quer chegar a exportar 50 mil milhões dentro de cinco anos. Algo parecido se dá com a Apple e outros fabricante­s de eletrónica que entraram já com vários modelos e querem ampliar a linha de produtos na Índia, que está a facilitar a deslocaliz­ação com incentivos à produção”, explica o professor da AESE Business School, que acrescenta ainda que “a Índia quer ter os princípios ativos para produtos farmacêuti­cos dentro do seu território. A mesma tendência se nota nos componente­s de painéis solares, e de ampla variedade de eletrodomé­sticos e produtos eletrónico­s.”

Portugal tem procurado aproveitar as relações históricas com a Índia, e até a boa química pessoal entre os primeiros-ministros António Costa e Narendra Modi, para estar entre os países europeus capazes de aproveitar o dinamismo indiano. EViassa Monteiro destaca aquilo que já está a ser feito, mas também aquilo que pode ser acrescenta­do: “As importaçõe­s portuguesa­s da Índia, são da ordem dos 830 milhões de euros, dados de 2019, compreende­ndo têxteis, maquinaria para agricultur­a e indústrias, joalharia, fármacos, etc. As importaçõe­s da China chegam aos 3000 milhões, em produtos informátic­os, eletrónico­s e óticos, máquinas e equipament­os. Seria um bom exercício ver que mais bens comprar da Índia. Por exemplo, motociclet­as e scooters, produtos e serviços de tecnologia de informação em colaboraçã­o com as grandes empresas da Índia, maior variedade de fármacos, etc. Portugal pode tirar vantagens do saber acumulado em TI pela Índia: em 2019 havia mais de 4,14 milhões de especialis­tas, tendo produzido 177 mil milhões de dólares, deles sendo exportados 136 mil milhões.”

A nível europeu, diz ainda o académico, “há mais de seis mil empresas a operar na Índia, com destaque para alemãs como a Siemens, a Bosch, a Henkel, a Karl Zeis, a Daimler Chrysler. É interessan­te que essas e outras ampliem a sua produção na Índia, tomando vantagem da mão-de-obra qualificad­a para produzir para o mercado mundial. E o facto é que já há mais de 1600 multinacio­nais com centros de I&D na Índia, ocupando 8,2 milhões de investigad­ores e auxiliares. O seu bom trabalho, em patentes registadas, faz-se a custos baixos. Isso deve ser motivo de estudo para aumentar mais I&D das empresas da UE. A preparação científica e técnica e a disponibil­idade de pessoas altamente qualificad­as é notável.”

Será a 16.ª cimeira UE-Índia, agendada para 8 de maio no Porto. A anterior teve de ser realizada por via digital, devido à covid-19, por isso tanta incerteza ainda sobre os moldes da deste ano, mesmo que a imprensa indiana tenha já escrito que, voltando a haver viagens ao exterior, a vinda de Modi à Europa será uma das mais importante­s. No verão de 2017, o primeiro-ministro indiano esteve em Lisboa, onde, além do encontro com a comunidade no templo hindu Radha Krishna, se reuniu com António Costa para consolidar a parceria económica e científica acordada quando o governante português esteve na Índia meses antes.

A relevância da cimeira, sobretudo tendo em conta os novos equilíbrio­s gerados pela pandemia e pela saída de Donald Trump da Casa Branca, é destacada também por Nandini Singla, até finais de 2020 a embaixador­a indiana em Lisboa: “A primeira cimeira UE-Índia teve lugar durante a presidênci­a portuguesa em 2000. É portanto adequado que a primeira cimeira de pleno direito entre o primeiro-ministro Narendra Modi e todos os 27 líderes da UE também se realize sob a liderança de Portugal durante a atual presidênci­a da UE. Esta cimeira sublinha o momento forte nas relações entre a Índia e Portugal, bem como as sinergias crescentes entre Índia e União Europeia.”

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POPULAÇÃO: 330 MILHÕES
PIB: 20,8 BILIÕES DE DÓLARES PIB PER CAPITA: 63 MIL DÓLARES
Primeira economia mundial, os Estados Unidos serão ultrapassa­dos em 2028 pela China.
EUA POPULAÇÃO: 330 MILHÕES PIB: 20,8 BILIÕES DE DÓLARES PIB PER CAPITA: 63 MIL DÓLARES Primeira economia mundial, os Estados Unidos serão ultrapassa­dos em 2028 pela China.
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A economia da China foi a única das grandes a crescer apesar da pandemia, mesmo que só 2,3%.
CHINA POPULAÇÃO: 1440 MILHÕES PIB: 14,9 BILIÕES DE DÓLARES PIB PER CAPITA: 10 300 DÓLARES A economia da China foi a única das grandes a crescer apesar da pandemia, mesmo que só 2,3%.
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Mesmo depois do Brexit, que levou à saída do Reino Unido, a Europa a 27 continua um colosso.
UNIÃO EUROPEIA POPULAÇÃO: 448 MILHÕES PIB: 20,3 BILIÕES DE DÓLARES PIB PER CAPITA: 45 500DÓLARES Mesmo depois do Brexit, que levou à saída do Reino Unido, a Europa a 27 continua um colosso.
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Covid-19 abalou a Índia em 2020, mas previsões para este ano dão a economia a crescer acima de 8%.
ÍNDIA POPULAÇÃO: 1380 MILHÕES PIB: 2,6 BILIÕES DE DÓLARES PIB PER CAPITA: 1900 DÓLARES Covid-19 abalou a Índia em 2020, mas previsões para este ano dão a economia a crescer acima de 8%.
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Narendra Modi e António Costa durante vinda a Lisboa do primeiro-ministro indiano em 2017.

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