Diário de Notícias

“Viver na bolha das redes sociais tira-nos outras perspetiva­s,” diz a vice-presidente da Comissão Europeia

- Margrethe Vestager

Não importa a ninguém o que se passa ou passou nos outros países. Se somos o país em 28.º lugar nas mortes por milhão de habitantes desde o início da pandemia, se somos o pior nesta segunda ou terceira ou que vaga for, se continuamo­s a ter resultados semelhante­s aos de países mais ricos e mais preparados.

O que importa é que temos gente a morrer que não devia estar a morrer, sejam essas mortes causadas pelo velho novo corona ou pela estirpe inglesa sejam pelo estado em que o vírus deixou o nosso SNS. O que interessa é olharmos para os nossos hospitais e percebermo­s que não temos profission­ais de saúde que cheguem para tratar tanta gente e os estamos a obrigar a fazer escolhas terríveis.

Fazer apelos a que se façam balanços ponderados sobre o que se podia ou não ter feito para evitar esta catástrofe é tentar parar o vento com as mãos. Não há moderação que resista quando se vê gente a morrer à porta de hospitais ou ao pânico da perspetiva de não poder ter cuidados de saúde se a doença os atacar. E, claro, quem está no espaço público e na atividade política não escapa a isso.

O governo passou de milagreiro a assassino; o alívio do Natal, aprovado por todas as forças políticas e sociais, passou a ser uma decisão criminosa que “eles” tomaram; quem berrava por esses meios de comunicaçã­o fora que não se podia afogar a economia e que estávamos a poupar alguns agora para matar muitos à fome no futuro exigem o confinamen­to total; há quem assegure que toda a gente sabia o que ia acontecer e ninguém se lembra de que havia opiniões científica­s para todos os gostos.

Não sei como se deve lidar com esta pandemia nem consigo sequer fazer uma espécie de balanço à atuação das autoridade­s.

Sei que o governo deve ter falhado em muitas situações. Vi hesitações, passos em falso, certezas de ontem a transforma­rem-se em dúvidas de hoje, a incontrolá­vel vontade de autoelogio quando as coisas estavam a correr bem e a de culpar os outros quando começaram a correr mal, e podia seguir por aí fora.

Tenho, porém, muitas razões para ser tolerante com o governo na forma como se tem comportado na pior crise por que Portugal passou em muitas décadas.

Nunca nenhum governo passou por uma situação sequer parecida, tanto ao nível da saúde pública, como na questão económica.

A propósito, subitament­e a questão económica parece ter saído da equação. Ou seja, até podemos pensar que nesse aspeto as autoridade­s acertaram, mas a realidade é mais complicada do que isso. O facto é que quem mais sofre e mais vai sofrer, em condições de vida, com os confinamen­tos gerais não tem acesso aos media. Aliás, são os mesmos que também correm mais riscos de ser infetados. Para estes a possível infeção é provavelme­nte um preço baixo face às dificuldad­es que passariam se não usassem os transporte­s públicos e não tivessem de ir para as fábricas ou outros locais em que a presença física é inevitável.

Por muito que custe a quem está morto por encontrar um bode expiatório não é o governo que terá um papel decisivo no debelar da situação.

Todos sabemos, como sabíamos no Natal e na passagem de ano, como se apanha o vírus. Chega a ser insuportáv­el o paternalis­mo do “devia ter-se proibido o Natal” ou o “não confinaram mais”. Mas havia alguém que não soubesse os riscos de contágio estando à mesa com a família alargada? Foi o governo que autorizou as festas que se deram por todo o lado? Alguém quer, mesmo agora, parar os transporte­s públicos, as fábricas ou a recolha de lixo?

Neste momento, tirando o esforço que tem de fazer para que as vacinas cheguem o mais depressa possível e em manter as pessoas financeira­mente à tona de água, pouco mais conseguirá fazer.

O fecho das escolas é um bom exemplo: não foi o governo a fechá-las, foram os pais e a opinião pública.

O grande problema, nesta altura, é a sensação de que o governo, na questão de saúde pública, já não está no comando, e é infinitame­nte melhor ter um governo a errar do que vivermos ao sabor dos humores dos media, redes sociais e especialis­tas no que quer que seja.

É absolutame­nte vital termos estabilida­de política e que as decisões sejam tomadas pelo poder político. Somar uma crise política à sanitária e económica seria somar catástrofe à catástrofe.

Seja como for, estamos dependente­s da força do compromiss­o coletivo, da vontade de nos protegermo­s uns aos outros. Nenhum governo poderá fazer o que a nós cabe enquanto comunidade. Há momentos na história em que os povos se revelam, espero que possamos no futuro ter orgulho do que vamos fazer nas próximas semanas.

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