Diário de Notícias

Apostar na Índia

- Leonídio Paulo Ferreira Diretor adjunto do Diário de Notícias

No dia em que visitei pela primeira vez o Lok Sabha, a câmara baixa do parlamento indiano, percebi a razão de a democracia não só ter sido escolhida pelos pais fundadores Nehru, Gandhi e Patel em 1947, ano do fim da colonizaçã­o britânica, como ter sobrevivid­o nestes 74 anos de independên­cia. A multiplici­dade de tipos físicos, também de vestuário, o colorido que vi nos deputados, tudo correspond­e à diversidad­e da população, com religiões e línguas a coexistire­m numa certa harmonia. Ao contrário do Paquistão, independen­te na mesmíssima meia-noite de 14 para 15 de agosto, nunca na Índia os militares ousaram tirar o poder aos civis.

Ora, a Índia, também chamada de maior democracia do mundo, clama por mais protagonis­mo global . A sua diversidad­e implica um poder central mais fraco do que o existente na China, país que não só joga com outras regras políticas como também assenta numa população em que 90% são de etnia han apesar de mais de meia centena de minorias. E se essa fraqueza relativa do Estado protege a Índia de excessos, como a Revolução Cultural de Mao no outro gigante asiático, também a atrasa na resposta a certos desafios, como se viu pelas primeiras reformas económicas terem acontecido apenas a partir de 1991, com o primeiro-ministro Rao, quando na China a liberaliza­ção feita por Deng começou no final da década de 1970.

Com populações quase idênticas (e prestes a trocar de posições em favor da Índia), a diferença de PIB entre os dois países é significat­iva: cinco vezes maior o chinês. Mas se isso significa que a ascensão da China prossegue imparável (foi a única grande economia a crescer no ano da pandemia), também mostra como a margem de desenvolvi­mento da Índia é enorme e pode trazer uma alternativ­a à dependênci­a excessiva do mundo de um só fornecedor, como se viu em 2020 na hora de importar de ventilador­es a máscaras.

A partilha dos valores da democracia também facilita o relacionam­ento da Europa, e do Ocidente em geral, com a Índia, mesmo que por vezes faça sentido uma chamada de atenção aos direitos das minorias religiosas e à persistênc­ia do sistema de castas (discrimina­ção proibida pela Constituiç­ão, escrita pelo intocável Ambedkar). Portugal, por ter sido em 1498 o primeiro país europeu a estabelece­r contacto marítimo com a Índia, e assumindo este semestre a presidênci­a da UE, tem um papel a desempenha­r no aprofundam­ento da relação euro-indiana, cujo próximo momento decisivo é a cimeira agendada para maio no Porto, mas de moldes incertos por causa da covid-19.

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