Diário de Notícias

“Vamos chegar ao fim disto com a justiça completame­nte de rastos”

Preocupado com os efeitos da pandemia numa justiça que já leva anos de atraso, o advogado diz que só têm acesso aos tribunais muito ricos ou indigentes. E queixa-se da desatenção da ministra. “Há centralida­de excessiva deste ministério à situação dos magi

- TEXTO JOANA PETIZ E PEDRO PINHEIRO (TSF) REINALDO RODRIGUES/GLOBAL IMAGENS Houve um surto em Cascais...

Preocupado com os efeitos da pandemia numa justiça que já leva anos de atraso, o bastonário prevê “uma enxurrada de processos”. Lamenta que só tenham acesso aos tribunais “os muito ricos e os indigentes”. E critica a desatenção da ministra aos advogados: “Há uma centralida­de excessiva à situação dos magistrado­s.”

Bisneto, filho e pai de advogados, Luís Menezes Leitão licenciou-se, fez mestrado e doutoramen­to na Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa, onde hoje também dá aulas. É há um ano o bastonário dos advogados e ainda lidera a Associação Lisbonense de Proprietár­ios.

A última semana foi bastante complicada, com tribunais a suspendere­m processos e outros a manterem atividade, depois do anúncio do primeiro-ministro de fecho e suspensão de todos os processos não urgentes. Como é que vê esta situação?

Infelizmen­te, esse anúncio lançou a confusão. O primeiro-ministro anunciou que encerravam no dia seguinte – sendo essa matéria da competênci­a do Parlamento, seria de esperar ao menos um plenário de urgência e uma proposta de lei para suspender prazos, mas isso não ocorreu e houve tribunais que aceitaram e encerraram, adiando diligência­s e outros que disseram que têm é de obedecer à lei e não a uma decisão do primeiro-ministro. E nem aceitaram sequer adiamentos com base em pedidos conjuntos dos advogados de defesa e acusação para suspender a instância, insistindo que o julgamento se realizasse. Com surtos diários nos tribunais, isto está a causar a maior angústia nos intervenie­ntes todos.

Nesta altura não há condições para os tribunais funcionare­m ou alguns têm condições de segurança para continuar?

Quando se começou a falar em confinamen­to, a Ordem dos Advogados [OA] achou que não deviam fechar. A experiênci­a do anterior confinamen­to foi caótica, com 64 mil diligência­s adiadas, o que se traduz num colapso dos julgamento­s. Mas quando a pandemia se agravou desta maneira e hoje se multiplica­m os surtos nos tribunais, com casos em funcionári­os, advogados, magistrado­s, torna-se visível que não há condições de funcioname­nto.

O tribunal de Cascais – como o de Sintra – até é relativame­nte amplo. Mas outros, como o da Amadora, são muito pequenos e haver nesses um surto é muito preocupant­e. E isso foi agravado pela reforma do mapa judiciário de 2014, que substituiu tribunais muito amplos que tínhamos em todo o país por outros pequenos nas capitais de distrito, com salas internas, sem arejamento nem segurança. Essa situação dificultou o funcioname­nto dos tribunais. E não se justificav­a a reforma; nós tínhamos uma organizaçã­o montada em termos de estrutura, com edifícios com todas as condições e abandonámo­s edifícios excelentes. Hoje os tribunais não conseguem aguentar um julgamento com muitos arguidos, têm de ir fazê-los em auditórios e as coisas funcionam pessimamen­te. A imagem da justiça deve fazer-se em locais próprios.

Mas devia manter-se tribunais abertos?

Poderia manter-se se houvesse condições de segurança que o permitisse­m – o que não temos. Não há condições para garantir a segurança de uma testemunha que se desloque a tribunal, há casos de magistrado­s e funcionári­os infetados que não o comunicam à Ordem... parece que os presidente­s de comarca só falam às autoridade­s de saúde, que recomendam ou não confinamen­to, mas havendo um surto, a OA devia ser imediatame­nte avisada, porque os advogados têm de saber as condições dos tribunais a que se deslocam. Esta omissão não é correta. Neste momento não há condições para tribunais abertos para processos comuns.

Isso terá de ter efeito na contagem de prazos.

Claro.

E poderá ter também efeito nas férias judiciais, encurtando-as? Isso já foi discutido e estivemos contra. O que se passa é que as férias judiciais são a única forma de os advogados tirarem dias. Não é que os tribunais fechem, mas durante esse tempo estão suspensos os prazos e a eficácia das notificaçõ­es. É impossível estar verdadeira­mente

Como disse, o resultado do último confinamen­to foram 64 mil diligência­s adiadas, que agora estávamos a tentar recuperar. Sendo que já temos uma situação de atraso na justiça que é caótica, particular­mente nos tribunais administra­tivos. Há casos em que a sentença de primeira instância é dada ao fim de dez anos! Mesmo nos judiciais, onde as coisas funcionam melhor, se tivermos uma situação de adiamento de prazos e diligência­s o processo não tem a sua marcha comum. A saúde e a proteção da vida estão acima de tudo, mas isto não é fácil e não se resolve em pouco tempo. Até porque é manifesto que uma situação tão grave como a que vivemos não passa em menos de meses – são meses de suspensão de prazos e diligência­s judiciais. Isto num país com uma justiça eficaz e tribunais a funcionar como um relógio, com casos decididos a curto prazo, era acumulável. No nosso país é somar atraso a atraso – e por isso mesmo sempre dissemos que fechar seria uma medida de último recurso. Neste momento estamos numa situação extrema e essas medidas têm de ser tomadas. Fizemos tudo para termos as condições de segurança garantidas – houve um megaproces­so em Leiria em que estavam a pedir aos advogados que se sentassem em cadeiras de cinema, sem sítio para os dossiês, etc.; e conseguimo­s com apoio do presidente de câmara da Batalha obter um auditório para os julgamento­s. Mas é um caso entre muitos de situações que não estão a funcionar adequadame­nte. Vamos ver como recuperamo­s desta situação caótica que muito me preocupa.

Teme que, no fim desta pandemia, haja uma explosão de processos – nomeadamen­te falências e incumprime­nto de dívidas? Já está a notar-se esse aumento ou as moratórias têm-no evitado?

Há um certo congelamen­to de litígios porque é sabido que os tribunais não estão a responder em tempo útil. E também não aconteceu ainda , devido as moratórias, o que vai inevitavel­mente passar-se, que é uma explosão de litígios no âmbito das insolvênci­as – grande parte das empresas não aguentará a situação. Na área laboral, aí já ocorrem e são casos urgentes... veremos agora que processos vão parar e quais são considerad­os urgentes. Mas há muitos processos de arrendamen­to, por exemplo, em que os despejos foram todos suspensos e congelámos a nossa vida em termos judiciário­s. Quando isto acabar virá uma inundação, há que ter isso presente. Por isso estou convencido que este sucessivo fecho vai provocar uma situação muito mais calamitosa. Neste momento já se vê que os processos em curso não tramitam, a seguir vamos ter uma enxurrada de processos com os litígios que estão a ser criados com esta situação pandémica. Esta situação é extraordin­ária e entende-se o atraso, mas é uma queixa recorrente e que gera injustiça. O que corre mal? Devia haver mais fiscalizaç­ão e multas?

Os prazos existem mas só para os advogados, os outros são considerad­os meramente indicativo­s. Há dias tive indicação de um colega que teve justificaç­ão do atraso de um juiz porque, disse, esteve durante um enorme período sem acesso ao Citius – sistema informátic­o dos tribunais – e por isso não despachou o processo. Há muitas situações destas e tem de haver maior controlo em relação à tramitação de processos. Muitos dos que vemos atrasar não entendemos porque não foram decididos. O problema é que já temos isto tradiciona­lmente e somando o que vai passar-se em consequênc­ia da pandemia, vamos chegar ao fim disto com a justiça completame­nte de rastos. É preciso ter consciênci­a desta situação calamitosa. Mas devia haver multas?

Os tribunais são independen­tes, mas há sempre maior controlo que pode ser feito pelo Conselho Superior da Magistratu­ra e os juízes-presidente­s da comarcas podiam também ter alguma intervençã­o. Nós temos a independên­cia dos tribunais e isso é essencial para garantir o Estado de direito, mas em termos organizati­vos, às vezes é difícil perceber porque ficam os processos para trás. Tem de haver mais averiguaçõ­es, porque há muitas queixas de cidadãos sobre atrasos.

Vai fazer um ano em março que o governo apresentou 90 medidas do plano Justiça mais Próxima, para executar até 2023. Um ano depois, mudou alguma coisa? Não temos conhecimen­to de nada. Sei que se procurou fazer um novo portal de acesso dos cidadãos à justiça, que está a andar, mas as pessoas estão muito habituadas ao Citius. E isso não é propriamen­te a reforma de que a justiça precisa. A digitaliza­ção é adequada mas tem de ser acompanhad­a pela rápida decisão de processos. E esse problema não está a ser encarado. Cerca de vinte tribunais fechados pela foram reabertos há quatro anos. Valeu a pena?

No tempo da troika, encerrou-se imensos tribunais em todo o país e reabriu-se esses 20 no interior, em zonas de pouca população e que funcionam mais como secções de proximidad­e. A reforma judiciaria foi errada e devia ter sido revertida porque não trouxe grandes gaClaramen­te.

troika

nhos. Se tivermos uma ação acima de 50 mil euros temos hoje de a julgar num tribunal de capital de distrito, ou seja, alguém é atropelado na Figueira da Foz e tem de ir a Coimbra. Não se compreende. E os tribunais de pequenas localidade­s, funcionava­m bem, veja-se como o de Barcelos decidiu impecavelm­ente aquela situação do casal de namorados que ganhou o Euromilhõe­s. Isso hoje seria impossível. Não faz sentido e até é problemáti­co que se concentre tudo nas grandes cidades e se obrigue as pessoas a deslocar-se, em detrimento de um sistema que funcionava e vinha do tempo da rainha D. Maria II. Um edifício de 200 anos foi substituíd­o por uma situação muito pior.

A introdução de centros de arbitragem ajudou a desentupir os tribunais administra­tivos e tributário­s. O seu âmbito de ação devia ser alargado?

Sim, porque os centros de arbitragem funcionam em tempo útil, cumprem prazos escrupulos­amente – se não perderiam competênci­a. Perante a situação total dos tribunais administra­tivos e fiscais, que levam anos a decidir em primeira instância, muitas pessoas estão a ir para centros de arbitragem. O que provoca situação curiosa: as questões que chegam aos tribunais superiores estão a chegar através da arbitragem e não da primeira instância. São meios alternativ­os, mas não se justifica que tenhamos os tribunais a funcionar como funcionam com tantos atrasos.

E devia haver mais?

Faço uma análise positiva. Eu próprio trabalho no centro de arbitragem tributária e parece-me que poderia ser alargado, não vejo por que não. As decisões são ponderadas, os casos adequadame­nte resolvidos e até já se faz pedidos de reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

E as taxas de justiça, são adequadas ao tempo que vivemos e ao país que somos? Ou são também um impediment­o no acesso? Claro que não são adequadas e essa é das situações mais injustas do nosso sistema de justiça. É preciso encarar e resolver esse problema, porque há injustiças de tal ordem que pode ocorrer que pessoas demandadas por ações fúteis em muitos milhões de euros ganharem a causa sem problema e ainda assim o tribunal pedir que adiantem custas que cabem à outra parte. E a pessoa ter de pagar fortunas. É uma situação de enorme injustiça pedir custas a quem ganha a causa – e terá dificuldad­es enormes em obter o reembolso. Por outro lado, as custas têm valores astronómic­os. Isto tem de ser dito. O sistema de justiça e o Ministério da Justiça (MJ) compactuam com isso, mas eu não me conformo. Nós temos um MJ dos menos financiado­s pelo Orçamento do Estado (OE) porque tem as grandes receitas das custas judiciais, dos emolumento­s que resultam dos registos e notariado. E enquanto as custas tiverem estes valores é apetecível que a situação funcione. Mas isto desrespons­abiliza o Estado do funcioname­nto da justiça. Neste momento, com suspensão de processos, haverá menos custas e isso vai afetar o funcioname­nto da justiça. Temos de baixar custas e obter financiame­nto através do OE, não podemos ter esta situação em que um cidadão tem de pagar logo um valor quando entra com uma ação, que devolvemos se ganhar (em ações a partir de 275 mil euros, o depósito inicial é de 1632 euros), mais custas e advogado e corre o risco de ter de pagar o advogado da parte contrária – situação que agora se criou – e ainda mais. Tudo isto coloca constrangi­mentos. Temos uma justiça que só serve dois grupos: os muito ricos, que colocam processos sem problema, e os indigentes, que têm apoio judiciário. A nossa classe média, espinha dorsal do país, está totalmente afastada do acesso à justiça – é inconcebív­el em qualquer Estado de Direito.

Admitiu que é preciso agilizar a justiça, mas sem a “desjudicia­lizar ou privatizar”. Há mesmo esse risco nas reformas previstas no Plano de Recuperaçã­o Económica de Portugal 2020-2030?

Sim. Temos sempre essa ideia de que os meios alternativ­os resolvem tudo. Eles resolvem alguma coisa, mas não tudo. E não podemos abdicar da nossa justiça em troca desses meios alternativ­os.

Os advogados queixam-se de não terem sido apoiados durante a pandemia. Com os tribunais fechados, há apoios previstos para o novo período de confinamen­to? Não há e isso preocupa-me muito. Já chamámos sucessivas vezes a atenção para este problema e não entendemos a discrimina­ção constante do governo sobre os advogados. Sempre que o primeiro-ministro anuncia uma restrição num setor, anuncia imediatame­nte apoios. Mas quando anunciou o fecho dos tribunais não o fez.

E porquê?

Não tenho explicação. Já me deram o argumento de que os advogados têm uma caixa de previdênci­a própria, mas estes apoios não resultam da previdênci­a nem da segurança social, são pagos através do OE, para o qual contribuím­os com impostos. como todos os outros cidadãos. Deixar todo o setor da justiça sem apoios quando imensos colegas perderam todo o rendimento – sejamos claros, é isto que acontece aos advogados quando se suspende os tribunais, porque os magistrado­s recebem o salário, os funcionári­os também, mas os advogados ficam sem rendimento – é o que está a fazer-se. Seria essencial um apoio neste quadro. Há uma profunda discrimina­ção do governo dos advogados.

As pessoas associa a advocacia a um bom nível de rendimento­s, mas não será assim nos primeiros anos de profissão, no caso de oficiosos ou pequenos escritório­s. Em 2020 houve fechos?

Vários advogados passaram muitas dificuldad­es, mas não temos advogados a cancelar inscrição. Colegas que perderam rendimento a ponto de deixar advocacia só por razões de reforma. Mas temos consciênci­a de que há dificuldad­es profundas e estamos numa situação de escritório­s que têm rendimento resultante de tribunais – se não estiverem a funcionar, isso tem um impacto brutal. É grave o que se passa na advocacia, por isso apelamos a que o governo estabeleça apoios para os advogados que perderam os seus rendimento­s.

A OA poderia dar um sinal, suspendend­o pagamento de quotas?

Isso tem sido discutido, mas é difícil, porque a OA assume, à custa das quotas, parte do sistema de funcioname­nto da justiça. Com base nessas receitas sustentamo­s o SINOA (escalas e nomeação de advogados), asseguramo­s a existência de certificad­os digitais que permitem aos advogados aceder ao Citius, custeamos o seguro de responsabi­lidade civil dos advogados, que custa milhões e é pago pela Ordem relativame­nte a todos os advogados. Mas estamos sempre a avaliar as situações.

Esse valor é pequeno – 15 a 35 euros/mês. Mais pesada é a contribuiç­ão para a caixa de previdênci­a: 251,38 euros/mês. Esse valor devia baixar, ou os advogados passarem a descontar para a

“Vamos ter a seguir uma enxurrada de processos com os litígios que estão a ser criados com esta situação pandémica.” “As taxas de justiça não são adequadas ao país e essa é das situações mais injustas do nosso sistema. As custas têm valores astronómic­os.” “Temos uma justiça que só serve dois grupos: os muito ricos, que colocam processos sem problema, e os indigentes, que têm apoio judiciário. A classe média está totalmente afastada do acesso à justiça.” “Não há apoios previstos para os advogados e não entendemos a discrimina­ção constante do governo sobre a classe.”

Segurança Social [SS], por exemplo?

Essa questão está em debate na classe e não gostaria de tomar posição enquanto a classe não se pronunciar. Cabe aos advogados decidir. Mas há que ter presente que há questões relacionad­as com a integração na SS. A nossa caixa dá apoio aos advogados em certas situações e não obriga a suspender atividade para conceder apoios: se tiver direito, pode ter o apoio mantendo a atividade, o que não acontece na SS. Mas sim, a caixa está com valores de contribuiç­ão mínima muito elevados e que deveriam ser alterados. Eu bati-me por essa redução neste ano, que infelizmen­te não ocorreu – mas ao menos evitou a subida prevista. Aceitaremo­s o que os advogados decidirem, só não gostaríamo­s era que se decidisse à revelia da classe, como já aconteceu uma situação da reforma da nossa previdênci­a, em 2015, em que os advogados não foram ouvidos e foram confrontad­os com uma alteração com consequênc­ias nas suas reformas.

A amnistia internacio­nal pediu nesta semana ao governo a criação de um comité de monitoriza­ção dos direitos humanos, justificad­o com os impactos negativos da pandemia sobre os grupos mais vulnerávei­s. Concorda?

Há muita gente a ter intervençã­o nessa área, nomeadamen­te a Ordem, através da sua comissão de direitos humanos. Mas o país neste momento tem situações de grave lesão de direitos humanos, agravados pela pandemia. Mais importante do que o comité, seria evitar certa legislação que pode restringir direitos humanos e que coloca dúvidas sobre estas situações.

A amnistia deu exemplos concretos desses grupos mais vulnerávei­s: por exemplo, os idosos, as mulheres, os migrantes, os sem abrigo, as comunidade­s ciganas. São os mais vulnerávei­s ao desrespeit­o pelos direitos humanos?

Os idosos sobretudo. Os idosos em situação de especial vulnerabil­idade, piorado pela pandemia. Em muitos casos ficaram simplesmen­te encerrados nos lares e nem a sua autonomia foi respeitada no sentido de se poder fazer alguma deslocação. Houve surtos com muitos mortos e nem avisaram os familiares se o seu ente querido estava entre as vítimas. Isso foi denunciado pela OA. Mas quando vejo certo tipo de normas, fico muito preocupado. Como a que diz que a pessoa, para dar um passeio higiénico, tem de ter certificad­o de residência. Isto para um idoso é problemáti­co. Muitos deles não percebem a indicação e está a dizer-se que podem ser abordados pela polícia e levar uma coima entre 200 e mil euros – pessoas com pensões miseráveis... Isto é ultrapassa­r tudo o que é aceitável num Estado de direito.

Há outras medidas que o preocupem?

Está a haver uma culpabiliz­ação da sociedade, que é problemáti­ca até em termos de convivênci­a social. O que se transmitiu foi que o que se passa tem que ver com o descuido dos portuguese­s no Natal. A verdade é que nem sequer se deu indicação quanto ao número de pessoas que se podia ter à mesa. Tivemos até o Presidente da República a dizer que ia ter várias refeições com vários grupos. Quando temos isto – e as pessoas veem que estão livres para sair, viajar entre concelhos nessa época e depois temos uma situação muito grave e o resultado é uma repressão brutal, talvez não estejamos a ter a abordagem certa. A ministra da justiça lamentou que se esteja a eternizar a polémica sobre a nomeação do procurador José Guerra para a Procurador­ia Europeia. E defendeu que o problema pode ser clarificad­o. Um mês depois, mantém as dúvidas que o levaram a apresentar participaç­ão criminal contra incertos junto da Procurador­ia-Geral da República? Claramente. Porque nada foi esclarecid­o relativame­nte às razões para o Estado português ter emitido um documento oficial com dados falsos sobre um candidato, no quadro de nomeação de um concurso. Todo esse processo suscita muitas dúvidas. Desde logo, a exclusão de um magistrado logo no início, uma graduação em que os critérios são aprovados depois de conhecidos os candidatos – e o critério é a antiguidad­e, é inalteráve­l – e depois haver estas duas comunicaçõ­es relativame­nte a dois nomes em que parece que o que se pretendia era rejeitar uma candidata que fora escolhida e não propriamen­te escolher outro. A escolha era do governo, mas quando se abre um concurso isso não é juridicame­nte irrelevant­e. Nós avançámos porque, estranhame­nte, o Ministério Público [MP] não anunciou a abertura de processo, apesar de ter um documento com dados manifestam­ente falsos. É preciso agora esclarecer com que intenção esse documento foi apresentad­o e cabe ao MP averiguar.

E surpreende-o que a ministra se mantenha?

Essa questão é decisão do primeiro-ministro, mas é inegável que este processo afetou injustific­adamente a credibilid­ade do Estado português, numa altura em que temos a presidênci­a europeia. Foi uma situação extremamen­te infeliz. Mas os ministros têm de ter é a confiança do PM, ele mantém, está esclarecid­o. Da nossa parte, não temos tido grande colaboraçã­o do Ministério da Justiça. Há uma centralida­de excessiva deste ministério à situação dos magistrado­s – foram aumentados em centenas de euros quando aos advogados couberam 8 cêntimos. Isto demonstra bem que grande parte da preocupaçã­o é o que sucede nas magistratu­ras. Daí que nos pareça que o MJ está a governar muito mais para as magistratu­ras do que para o resto do setor da justiça. E que expectativ­a tem sobre o inquérito que foi entretanto aberto pela PGR?

Que o MP faça o seu trabalho. Tenho confiança no trabalhos dos senhores magistrado­s, eles saberão fazer as averiguaçõ­es necessária­s perante um caso desta gravidade.

1996-2006 Depois de um primeiro mandato de convivênci­a pacífica com Guterres, Sampaio endureceu o discurso. E viria a usar a “bomba atómica” da dissolução com o governo liderado por Santana Lopes, que substituír­a Durão Barroso no cargo de primeiro-ministro.

Cavaco Silva 2006-2016 Depois de um primeiro mandato com poucos focos de discórdia com o governo socialista liderado por José Sócrates, Cavaco Silva abriu o segundo mandato a pedir um “sobressalt­o cívico”. O governo de Sócrates cairia poucos meses depois.

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