Diário de Notícias

Casos de (in)justiça

- Joana Petiz Subdiretor­a do Diário de Notícias

Uma justiça de pernas para o ar, que em vez de garantir a reposição do bem cria situações de brutal injustiça e faz, ela própria, as suas vítimas, com contornos de crueldade assinaláve­is. É este o retrato que nos deixa quem bem sabe do que fala, o bastonário dos advogados, na entrevista que pode ler nas próximas páginas desta edição. E é uma imagem bem vívida e tenebrosa a que pinta, e que todos conhecemos sobejament­e bem: entre atrasos inexplicáv­eis nos prazos, com sentenças de primeira instância a chegarem a demorar dez anos e um custo (taxas, custas e emolumento­s) totalmente desproporc­ionado em relação à realidade das famílias e das empresas portuguesa­s – a pensar mais no financiame­nto do sistema do que na obrigação de garantir o acesso de todos –, a nossa justiça só serve “os muito ricos e os indigentes”.

Há décadas que ouvimos o mesmo diagnóstic­o, mas não há especialis­ta que consiga curar-nos desta doença que vai corroendo a realidade portuguesa. E não haja dúvidas de que corrói, destrói, mata, porque um país sem justiça é uma nação que não funciona, que não protege, que desrespons­abiliza e que premeia e incentiva o mau comportame­nto. Deixa sem esperança aqueles que cumprem a lei.

Tudo isto se torna mais grave em momentos de extrema violência, de brutalidad­e social, como o que atualmente vivemos. Basta dizer que nos parece, enquanto sociedade, normal e indigno de contestaçã­o que se exija prova de quem se é para algo tão simples como dar um passeio na rua.

A saúde de todos tem de estar no topo das nossas preocupaçõ­es, sim, mas isso não pode significar que em seu nome se sacrifique os direitos humanos – e é isso que está em causa. Se o permitirmo­s sem mais, abre-se uma porta que nenhum de nós quer ver o que esconde do outro lado.

Isso não parece, porém, inquietar aqueles que rasgam vestes perante os putativos riscos de colapso de direitos adquiridos que advêm do cresciment­o dos apoiantes de um partido de extrema-direita. A esta tragédia, que é real e contemporâ­nea, infelizmen­te já estamos todos habituados. Veja-se como lidamos bem com o facto de banqueiros, políticos e até um antigo primeiro-ministro, acusados de crimes, aguardarem julgamento – já nem falo de cumprirem a pena que possa decorrer de uma sentença de culpa – há anos e anos.

Só quando o caso se torna pessoal é que nos salta a indignação. Só quando é a nós que diz respeito a incredulid­ade de um processo simples cuja decisão se arrasta sem razão, quando uma indemnizaç­ão em dívida demora uma década, quando a injustiça nos bate à porta. Se não exigirmos mais, nunca nada vai mudar. E um dia será cada um de nós a ter de lidar com as consequênc­ias da sua indiferenç­a.

Um país sem justiça é uma nação que não funciona, que não protege, que desrespons­abiliza e que incentiva o mau comportame­nto.

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