Diário de Notícias

Rui Rio ficará na história como o líder partidário que normalizou o Chega, que o trouxe ao colo para o sistema, introduzin­do assim um perigoso vírus no tecido celular da democracia.

- Deputado e professor catedrátic­o

Odiscurso do líder do PSD, na reação aos resultados da eleição presidenci­al, é um dos episódios mais desastroso­s de que me lembro na política partidária nacional. Para alguém que faz regularmen­te gala de ser dono da verdade, da ética e da consistênc­ia, Rui Rio evidenciou escassez de inteligênc­ia estratégic­a que o poderá levar à morte política.

Muitos políticos, simpatizan­tes e eleitores da social-democracia terão aumentado o volume do som da televisão para se assegurare­m de que o que ouviam estava mesmo a acontecer: Rio a gastar parte substancia­l do seu discurso a enaltecer o resultado eleitoral de André Ventura, como um pai babado a tecer loas ao sucesso do seu filho. Errático na forma e no conteúdo, deu-se ao detalhe de singulariz­ar o sucesso do extremista no Alentejo, convertend­o, com um deleite mal escondido, essa contabilid­ade numa reconquist­a da direita sobre o comunismo. Algo que, nas suas palavras, nem o PSD conseguiu. Dir-se-ia que Rio identifico­u o seu ponta-de-lança ideal, o que resolve jogos, pelo que a claque deveria exigir a sua contrataçã­o imediata.

Impõe-se, contudo, ir além da lógica e do estilo propagandí­stico – que alguns designam de talento – e apurar os ganhos e perdas do candidato do Chega. Ventura ganhou a eleição presidenci­al? Não! Ventura forçou Marcelo a uma segunda volta? Não! Ventura alcançou os prometidos 15%? Não! Ventura ficou à frente de Ana Gomes? Não! Ventura demitiu-se de líder do Chega como prometeu? Não, apenas vai encenar a farsa de devolver a palavra aos seus acólitos. Ventura está a forçar a reconfigur­ação da direita política? Sim! É aqui que está o problema.

Rui Rio caiu na ratoeira como um passarinho. Primeiro foi atraído pelo isco do governo açoriano. No rescaldo das presidenci­ais, entrou na gaiola pela própria asa, não antecipand­o que o seu “protegido” é afinal um felino com a intenção última de o engolir. Ao final da noite eleitoral, Ventura disse ao que vinha com uma expressão que ainda vai fazer correr muita tinta: “Não haverá governo em Portugal sem o Chega”. Conseguiu! Está no sistema.

A segunda-feira não terá sido um dia fácil para Rui Rio. Ninguém gosta de fazer de idiota útil. Durante a semana, bem foi gritando que não está na política a qualquer preço, que os 11,9% do candidato da extrema-direita não o farão mudar de estratégia, mas o simples facto de os jornalista­s o questionar­em já indicia fragilidad­e. E eis que anuncia um acordo para as autárquica­s com o decrépito CDS, entretanto já engolido pelo Chega, deixando Ventura de fora. Apesar de ser uma confissão de arrependim­ento do arranjo açoriano, é também uma aliança lose-lose entre dois náufragos que, caminhando fora de pé, se agarram um ao outro pensando que assim podem flutuar melhor. Não creio.

O PSD é uma força política demasiado importante para estar permeável a tentações e erros como aqueles que Rio tem protagoniz­ado relativame­nte ao Chega e ao seu líder radical André Ventura. O que está em causa vai para além da mera estratégia do partido. Tem consequênc­ias para a democracia que tanto custou a conquistar. Rui Rio ficará na história como o líder partidário que normalizou o Chega, que o trouxe ao colo para o sistema, introduzin­do assim um perigoso vírus no tecido celular da democracia. Por isso, terá cometido haraquiri, suicidando-se politicame­nte.

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