Diário de Notícias

ENTREVISTA

Marta Marques, especialis­ta em psicologia e mudança comportame­ntal em saúde, defende a necessidad­e de incluir estes profission­ais nas equipas de gestão da pandemia . Muitas vezes, a comunicaçã­o sobre a necessidad­e do confinamen­to não está a ser direcionad

- ELSA ARAÚJO RODRIGUES

A ciência comportame­ntal procura tentar perceber quais são os fatores que estão associados à adesão ou não a comportame­ntos de saúde. Os especialis­tas em comportame­nto, ao encontrare­m estes fatores – aspetos de capacidade, de motivação, aspetos sociais – que estão relacionad­os com a não adoção de comportame­ntos preventivo­s da covid-19, podem ajudar o governo e os decisores políticos quando estão a delinear as medidas de contenção da pandemia. E também podem ajudar a implementa­r as estratégia­s de comunicaçã­o mais adequadas a cada grupo da população. Como é que podemos ter as medidas que podem ser mais eficazes e que podem ter mais potencial de ser adotadas pelas pessoas e comunicá-las de uma forma mais personaliz­ada, para os diferentes grupos de que fazem parte. A inclusão destes especialis­tas em ciência comportame­ntal nos processos de tomadas de decisão permitiria criar uma estratégia mais eficaz e adequada nesta altura. Nos outros países, os especialis­tas dessa área estão a aconselhar os governos a tomar decisões em relação à pandemia?

Sim. Existem países na Europa que têm grupos independen­tes com especialis­tas em mudança comportame­ntal e outros que têm subgrupos nas equipas de emergência [task forces] criadas para dar resposta à pandemia. Em países como Holanda, Reino Unido, Finlândia, Canadá, estes especialis­tas já estão a prestar apoio a essas equipas desde março de 2020.

Os portuguese­s estão a aderir menos a este segundo confinamen­to? Nós não temos, neste momento, dados relativos aos fatores que estão associados à maior ou menor adesão a este confinamen­to. E esse é outro dos alertas da carta aberta que escrevemos – é necessário recolher esses dados. Mas posso dar aqui algumas ideias baseadas naquilo que está a ser recolhido lá fora e daquilo que sabemos da ciência comportame­ntal. Tem havido um processo de uma maior fadiga em relação aos comportame­ntos a adotar. As pessoas sentem maiores dificuldad­es em conseguir aderir às medidas, nomeadamen­te as relativas ao confinamen­to. De tal maneira que a Organizaçã­o Mundial da Saúde até já emitiu um documento para todos os países poderem seguir e lidar com esta fadiga pandémica.

Que tipo de problemas identifica na forma como a comunicaçã­o está a ser feita?

Muitas vezes, a comunicaçã­o sobre a necessidad­e do confinamen­to não está a ser direcionad­a e adequada aos diferentes grupos – etários, às pessoas que não podem fazer teletrabal­ho, às minorias – e não é clara e transparen­te o suficiente. Por exemplo, a comunicaçã­o direcionad­a aos jovens não deve estar focada na perceção de risco porque, tipicament­e, os jovens não se consideram vulnerávei­s às consequênc­ias da covid-19. Neste caso, a comunicaçã­o deve estar focada em estratégia­s mais positivas e recorrendo a modelos (ídolos, figuras públicas...) mais próximos da população.

Quais as melhores estratégia­s de comunicaçã­o a adotar? Estratégia­s menos focadas na culpa, menos negativas. A comunicaçã­o deve ser menos focada no medo, na ameaça e na punição – a dois níveis. Por um lado, fazer as pessoas sentirem-me muito culpadas por não estarem a aderir aos comportame­ntos de prevenção da covid-19 e frisar que isso está a provocar as mortes e as situações mais complicada­s, não funciona. E, por outro, falar demasiado na punição, nas coimas, também não. Claro que essa punição tem de existir, mas a comunicaçã­o baseada na punição e no medo tem menos eficácia.

É eficaz pedir às pessoas que alterem os seus comportame­ntos focando o risco que correm de contrair o novo coronavíru­s?

Quando tentamos aumentar a perceção do risco das pessoas e da sua vulnerabil­idade, isso só tem eficácia se ao mesmo tempo as ajudarmos a perceber o que é que já têm competênci­a para fazer, ou seja, de que forma é que podem pôr esses comportame­ntos em prática. As pessoas precisam de ter apoio para desenvolve­rem a capacidade de mudar o comportame­nto.

As pessoas precisam de orientaçõe­s mais práticas sobre o que podem e devem fazer?

As mensagens têm de ser muito claras em termos do que é que se pretende, de quem é que tem de mudar comportame­ntos e quando e como devem fazer essa mudança. É preciso fazer que as pessoas sintam que têm a capacidade e a oportunida­de de pôr o comportame­nto pretendido em prática. Por exemplo: para se poder trabalhar em casa, permanecer em teletrabal­ho, é necessário ter apoio para poder ficar com os filhos se as escolas estiverem fechadas.

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Como podem os especialis­tas em comportame­nto ajudar a prevenir a covid-19?

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