Pastor negacionista quase morre de covid. “Não, não é uma gripezinha” BRASIL
Dado como morto, o líder evangélico Gladiston Amorim não culpa Bolsonaro, que “está aprendendo”, e sim o tom ideológico de políticos e media por terem considerado a doença irrelevante.
Saudável, com uma vida regrada e ainda fora, aos 58 anos, da idade de risco, o líder evangélico Gladiston Amorim, conhecido por pastor Dinho, achava que a covid passaria por ele como uma gripezinha – para usar a expressão de Jair Bolsonaro, presidente do Brasil. Afinal, esteve internado por 53 dias, 52 dos quais nas urgências de um hospital de Campo Grande, a capital do Mato Grosso do Sul, onde chegou a ser dado como morto.
“Respirava, o coração batia, os rins ainda funcionavam, mas os outros órgãos estavam parados”, conta ao DN, em conversa peloWhatsApp. Valeu-lhe, sendo um homem religioso, a fé: “Mantive-me sereno e, mesmo nos piores dias, não me preocupei com a morte porque quem tem fé em Cristo acredita que só troca de vida, passa desta vida para a vida eterna.”
Hoje mudou radicalmente a sua perceção da doença: chamar-lhe gripezinha, diz, “é uma bobagem”. No entanto, poupa o autor da expressão: “Ele está aprendendo, como outros políticos de outros países, como Portugal, estão aprendendo, não é justo responsabilizá-lo.”
Eis a sua história, começando pelo princípio: isto é, antes da doença. “Primeiro, eu não esperava contrair a doença e, caso a contraísse, achei que não passaria de uns sintomas gripais e de um isolamento forçado.” “Ao contraí-la, senti-me muito seguro porque ouvi Deus dizer-me que eu sou filho e que do filho o pai cuida. Já internado, mantive-me sereno”, garante. “E eu tive uma experiência em relação a esse momento da passagem porque o meu corpo estava praticamente morto e a medicina já havia dito que eu não passaria daquele dia.”
Recuperado, mesmo contra as expectativas dos médicos, mudou de opinião sobre o coronavírus – antes, politizava o assunto, influenciado, segundo o próprio, pela comunicação social, hoje considera-o apenas “uma questão de saúde”. “Muitas coisas mudaram no meu conceito: na comunicação social, há uma vertente ideológica forte, quer dos que menosprezam o vírus quer dos que apavoram a população. Tive tendência para achar que não era tão sério, tão grave, tão letal. Quando contraí, vi-me dentro do grupo estatístico inexplicável: alguém sem idade avançada, sem comorbilidade que quase se torna óbito. Hoje, larguei o lado político de uma discussão que deve ser de saúde, de vida. Mudei, vejo que as pessoas se devem cuidar e cuidar do próximo para não serem transmissoras.”
“Quem disse que a covid é uma gripezinha diz uma bobagem, está enganado ou a enganar-se; quanto ao uso de máscara, é uma questão bíblica – na Bíblia já se fala em isolamento e proteção”, recorda, usando passagem do Velho Testamento sobre a lepra.
“Mas quem deve confinar, fazer lockdown, são as pessoas enfermas. O problema é que no Brasil a pessoa está com tuberculose e vai para o cinema...”
Dinho recusa responsabilizar Bolsonaro pelo seu caso pessoal e pelo combate – considerado um falhanço colossal por organizações independentes dentro e fora do Brasil – ao vírus. O segmento evangélico, em crescimento sustentado no país há décadas e cada vez mais próximo em número de fiéis da Igreja Católica, é dos mais comprometidos com a agenda do presidente. E em contrapartida o Planalto já prometeu até uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) a um jurista “terrivelmente evangélico”.
“Autoridades e media trataram do assunto de forma ideológica e dessa forma não prestaram bom serviço. Tanto que, em nome da ciência, um antigo ministro da Saúde [ Luiz Henrique Mandetta, hoje opositor do presidente] mandou as pessoas ficarem em casa até se sentirem mal e só depois procurarem tratamento e isso é criminoso. Por outro lado, a OMS só reproduzia o que as autoridades chinesas diziam.”
“Bolsonaro? Não é justo responsabilizá-lo. Isso é discussão ideológica – a covid não é nem de esquerda, apesar de vir de país comunista, nem de direita. O presidente perdeu poder de ação, inclusivamente, depois de o STF ter dado a governadores e prefeitos. No fundo, ele está aprendendo, como outros políticos de outros países, como Portugal, por exemplo, estão aprendendo.”
O Planalto e o Ministério da Saúde vêm promovendo o uso de um “kit covid”, sem paralelo no resto do mundo, que contém medicamentos sem eficácia comprovada no combate à doença. Dinho gravou vídeos a favor da hidroxicloroquina, a “estrela” desse kit, e tomou-a, claro, semanas antes de estar entre a vida e a morte. “Não me deu os resultados que eu esperava mas mal não me fez...”, defende o pastor evangélico, ilibando novamente o presidente.
E a “gripezinha” e o “histórico de atleta” e o “não sou coveiro” e o “e daí” e o “país de maricas”? “O nosso presidente fala o que pensa e de vez em quando magoa, mas a sinceridade não é defeito, é qualidade”, conclui o pastor.
Recuperado, mudou de opinião sobre o coronavírus – antes, politizava o assunto, influenciado pela comunicação social, hoje considera-o apenas “uma questão de saúde”.