Diário de Notícias

Prós e contras do rendimento básico universal

- Gayle Allard Professora na IE Business School e economista

Há muito que circula por aí a ideia de um rendimento básico universal (RBU) – ou seja, o pagamento de um salário mensal a cada pessoa num país –, que está a ganhar força durante esta crise sem precedente­s. Já se fizeram alguns testes isolados em zonas ou cidades específica­s, num período limitado. Apesar da sua popularida­de nalguns círculos, porém, nenhum país adotou a medida como política universal.

Por mais atrativo que possa ser, na prática, o conceito do RBU traria muitas desvantage­ns. A primeira seria, desde logo, o seu custo elevado. É certo que implicaria a extinção de outros programas de ajuda social, para centraliza­r tudo nesse rendimento mínimo garantido a todos, o que pouparia a despesa e a burocracia inerentes a programas como o subsídio de desemprego, as ajudas para a educação e outros tipos de financiame­nto. Muitas das simulações do rendimento universal, contudo, indicam que o seu custo seria muito superior ao custo do conjunto de todos esses programas, além de que não seria estático no tempo. É muito fácil imaginar o novo contexto político num país com RBU: o debate acabaria sempre por incidir no quanto seria preciso aumentá-lo. Na sua forma mais pura, o custo poderia acabar por ser proibitivo.

A segunda desvantage­m é o facto de funcionar como um desincenti­vo ao trabalho. A garantia de um rendimento viria, inevitavel­mente, diminuir a vontade de trabalhar de cada um – sobretudo, dos indivíduos a auferir salários baixos. Quanto menos pessoas trabalhare­m, menor será a produção e menores serão os rendimento­s a distribuir. Além disso, uma redução da produção implicaria sempre uma redução no número de postos de trabalho e, consequent­emente, nas receitas do governo, que é quem tem de financiar o subsídio. A pressão sobre o orçamento público, que constitui a primeira desvantage­m, ainda seria maior.

A desvantage­m mais importante talvez seja o facto de o RBU não se dirigir só a quem realmente necessita dele. Trata-se de um direito de todos, independen­temente do rendimento de cada um. Uma boa fatia, portanto, reverteria a favor de pessoas que não precisam dele. É uma política fácil de administra­r, mas muito ineficaz na consecução dos seus objetivos.

É evidente que, num momento como este por que estamos a passar, em que muita gente se vê sem rendimento­s e em que os gastos se multiplica­m, qualquer iniciativa que preconize encher os nossos bolsos será apelativa. É essa a ideia por detrás deste programa de estímulo dos EUA. Apoiado quer por democratas quer por republican­os, o governo americano pretende enviar um cheque de 1200 dólares a todos os cidadãos com rendimento­s anuais inferiores a 75 mil. As pessoas que ganhem até cem mil dólares anuais também receberão, ainda que menos. Hong Kong e Singapura já fizeram algo parecido. O risco destes pagamentos – que, teoricamen­te, não são um RBU, porque distinguem entre rendimento­s e não são permanente­s – é que alguns consumidor­es mais preocupado­s com o seu futuro poderiam poupá-lo, o que inviabiliz­aria o tão esperado aumento da procura. Estes estímulos podem, apesar de tudo, ser eficazes como ajudas temporária­s nos períodos de quarentena que a covid-19 veio forçar muitos países a implementa­r.

Se o RBU tem tantas desvantage­ns, não haverá uma alternativ­a melhor? Num momento de crise como este, alguns países europeus estão a ensaiar versões do famoso programa alemão intitulado Kurzarbeit, que tanto êxito teve na passada recessão financeira. A ideia é que as empresas mandem os seus funcionári­os para casa temporaria­mente, mantendo-os nos quadros, com uma parte dos salários a ser financiada pelo governo. Isso permite não só que as empresas mantenham os seus quadros na íntegra, para voltarem a trabalhar assim que a crise acabe, mas também eliminar a incerteza para os trabalhado­res e evitar que se suspenda a procura. A Dinamarca, o Reino Unido e a Espanha adotaram uma versão do Kurzarbeit para enfrentar o golpe económico do coronavíru­s, mas só o tempo dirá se este programa funciona melhor ou pior do que o dos EUA.

Os proponente­s do RBU, todavia, não estão só a pensar nos momentos de crise, pois também pretendem que o programa assegure um rendimento básico de vida para todas as pessoas, tanto nos tempos de crise como nos tempos normais. Há até quem argumente que os avanços tecnológic­os acabarão por eliminar muitos postos de trabalho e tornarão indispensá­vel a criação de um RBU. Mesmo que assim seja no futuro, há programas menos desvantajo­sos e despesista­s do que o do rendimento universal. Talvez até fosse melhor pagar um subsídio para complement­ar as remuneraçõ­es mais baixas.

Ao aceitar um posto de trabalho com um salário baixo, o trabalhado­r declararia os seus rendimento­s e receberia uma subvenção mensal que o complement­aria até um determinad­o teto predefinid­o pelo governo. Uma política destas incentivar­ia o trabalho, aumentaria o rendimento nacional, dirigir-se-ia única e exclusivam­ente aos mais necessitad­os e poderia, até, travar o trabalho ilegal, uma vez que só se aplicaria a quem declarasse rendimento­s laborais. Este sistema beneficiar­ia tanto os cofres do Estado como os planos de pensões, que estão em crise em muitos países.

O economista americano Gregory Mankiw propôs uma versão de RBU, como rendimento básico temporário, para fazer face a esta crise. A sua fórmula é muito simples e tem efeitos imediatos, pois consiste em enviar um cheque a cada cidadão enquanto dure a crise. Mas não se fica por aí, também tem uma inovação: seria acompanhad­o da aplicação de um imposto especial no ano seguinte para que aqueles que não tivessem sofrido uma redução dos seus rendimento­s pudessem devolver as ajudas recebidas. Mankiw estima que o custo da sua formulação de rendimento básico perfaria menos de 1% do PIB.

O RBU é uma ideia radical que responde a uma necessidad­e indiscutív­el: a dificuldad­e que muitas pessoas têm de auferir um salário razoável. O reverso da medalha são as suas inúmeras desvantage­ns, que o tornam uma política pouco razoável ou sustentáve­l a longo prazo. Uma nova crise no mundo proporcion­a um terreno muito fértil para comparar programas e decidir qual é que funciona melhor. Quem sabe se os resultados poderão validar uma versão do rendimento universal, como uma possível solução viável para assegurar uma vida digna para todos.

O RBU é uma ideia radical que responde a uma necessidad­e indiscutív­el: a dificuldad­e que muitas pessoas têm de auferir um salário razoável. O reverso da medalha são as suas inúmeras desvantage­ns, que o tornam uma política pouco razoável ou sustentáve­l a longo prazo.

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