O que esperar do segundo mandato do PR: “mais Marcelo”
Tribunais querem vacinar segundo o risco da função. Lista do Supremo tem 22 pessoas, deputados são 38
Apontou-se o cenário de uma segunda volta, uma abstenção na casa dos 70%, o efeito da dispersão do voto à direita e do voto útil, à esquerda, em Ana Gomes. Nada disso se confirmou: Marcelo saiu das eleições do último domingo reforçado por mais 122 mil votos, um aumento percentual de nove pontos, uma votação e um fosso para o segundo candidato mais votado só batido na reeleição de Mário Soares. Um presidente com força reforçada, perante um governo minoritário que joga o seu destino a cada Orçamento do Estado, num contexto político, social e económico imprevisível como nunca.
Que papel jogará Marcelo Rebelo de Sousa neste segundo mandato? António Costa Pinto, investigador coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, não espera diferenças abissais do Presidente da República que os portugueses viram nos últimos cinco anos. “Não vamos conhecer outro Marcelo. É pouco provável que haja alterações significativas” no estilo e na intervenção pública do chefe do Estado, antecipa. Ou seja, um Marcelo igual a si próprio, mas em superlativo, com um “ritmo discursivo muito intenso e uma monitorização da vida pública e da atividade do governo muito intensa” – “Vai estar mais no centro da vida política portuguesa.”
Não se pode dizer que o Presidente reeleito não avisou. No discurso que proferiu na noite eleitoral, leu os números da reeleição como um sinal de que os portugueses “querem mais e melhor, em proximidade, em convergência, em construção de pontes, em gestão da pandemia”. “Entendi este sinal e dele retirarei as devidas ilações”, sublinhou, apontando o caminho e deixando antever uma ação fortemente fiscalizadora do executivo.
Para os tempos mais próximos o tom está dado e não oferece dúvidas. “O mais urgente do urgente chama-se combate à pandemia”, disse Marcelo, prometendo uma “solidariedade institucional total” com o parlamento e o governo. Uma mensagem reforçada menos de 48 horas depois quando, ao lado do primeiro-ministro, falou numa “total união” em torno do mesmo objetivo.
Mas haverá um pós-pandemia. E o calendário político, considerando apenas o ano de 2021, não é escasso em desafios. A começar já nas eleições autárquicas. Há cinco anos, em maio de 2016, Marcelo antecipou que as eleições locais marcadas para meses depois abririam um novo ciclo. E abriram, de facto, à direita, com Pedro Passos Coelho a deixar a liderança do PSD, abrindo caminho a Rui Rio – o mesmo Rio que agora enfrenta uma prova que pode ser decisiva. Em simultâneo estará a chegar ao parlamento o Orçamento do Estado para 2022, sem garantias de aprovação. Na entrevista ao DN/TSF, antes das eleições presidenciais, Marcelo abordou os dois momentos, com um desejo comum a ambos: estabilidade. Sobre as autárquicas: “Todas as eleições têm uma leitura política. Se me pergunta se desejo que isso signifique não haver legislatura até ao fim, não. Eu desejo que ela vá até ao fim.” Sobre o Orçamento: “Não espero que seja reprovado. Não espero nem desejo. Já disse que é bom cumprir as legislaturas.”
“Marcelo vai continuar a preservar a estabilidade governamental, não será ele a perturbar a estabilidade”, antecipa Costa Pinto. O que não é igual a dizer que ela não aconteça, nomeadamente num cenário de “agravamento da crise económica e social pós-pandémica que pode provocar alguma erosão governativa” – as circunstâncias podem “forçar a sua intervenção, mas não será o Presidente a provocá-las”. Certo é que, seja num horizonte mais próximo ou no término do mandato do governo, em 2023, o segundo mandato de Marcelo terá pelo meio umas eleições legislativas. Nesse momento o Presidente da República “vai ter de se confrontar com a crise de representação da direita”. “Não é provável que seja um ator interventivo nessa crise, mas a sua grande preocupação é que o PSD seja a grande alternativa eleitoral ao PS em caso de crise”, defende o investigador, num cenário em que as novas formações políticas, e o Chega em particular, ganham espaço à direita. Pode o Presidente ter a tentação de intervir ativamente naquele que é o seu espaço político de origem? “Não, Marcelo estará sempre preocupado com uma alternativa sólida do PSD ao PS, mas chega à Presidência de uma forma muito autónoma. Não tem, nem de perto nem de longe, a relação que tinha Cavaco Silva ou outros presidentes com o seu partido de origem.”