Truques para enfrentar a pandemia no Dia Mundial do Mágico
O mais conhecido dos mágicos portugueses continua a reinventar-se. É a partir de um estúdio, em Ansião, que constrói alternativas aos espetáculos tradicionais. No Dia Mundial do Mágico (que se assinala hoje) revela o que tem na manga para os próximos dias
Chama-se Estúdio 33 – “uma caixa aberta à porta fechada” e é a partir daquele espaço, no Parque Parque Industrial do Camporês, no concelho de Ansião (a norte do distrito de Leiria, mas mais próximo de Coimbra) que o mágico Luís de Matos constrói há 25 anos os espetáculos que fazem o público deslumbrar-se. Foi a partir de lá que contou ao DN como desde há um ano a produtora se reinventou, e todos os “truques” usados para se manter à tona.
Naquele lote n.º 33, quando tinha 33 anos, o mágico construiu a base das Produções Luís de Matos. “Todas as séries que fui fazendo para a RTP desde 2008 são feitas aqui”, com o apoio de uma equipa de nove pessoas que o acompanham ao longo deste quarto de século. É ali que trabalham todos os dias e fazem produção, criação, construção, planificação. Há um espaço multiusos que reproduz o palco do Teatro Nacional de São João, há jardins, e desde 2005 todos os espetáculos são desenhados e ensaiados ali, de onde saem diretamente para os palcos de Portugal e do mundo. Chama-lhe “um tubo de ensaio” de tudo o que fazem, desde o desenvolvimento de ilusões para o mundo corporativo até aos festivais de magia. E não foi por acaso que ali se fixou. É no concelho de Ansião que tem as raízes familiares, está “a 20 minutos de casa”, tem a qualidade de vida que o interior permite, e assim contribui também “para energizar esta parte do país”, já que a sua atividade não depende “de estarmos no Terreiro do Paço ou no Marquês de Pombal”. Contada assim, a vida de Luís de Matos poderia ser mágica, até porque, como gosta de lembrar, integra “o grupo de pessoas que fazem o que gostam e como gostam”. Mas a pandemia apanhou-o sem ilusões. Quando se instalou, “perceberam-se as consequências desastrosas”. Foi cancelada uma digressão europeia que estava contratada desde o início de 2019, que iria passar por 23 capitais europeias, com dez espetáculos em cada uma delas. Por isso foram quase 200 espetáculos cancelados em grandes salas da Europa, “na linha do que vinha acontecendo nos últimos sete anos, em que passamos seis meses em Portugal e outros seis fora”.
A segunda pedrada atingiu-o nos projetos-âncora em que estava a trabalhar: um espetáculo único para os os 75 anos da TAP, que voou, completamente. Tal como o resto dos artistas e produtores do país, Luís de Matos passou por diversas fases. A anestesia, a negação, a apatia, a revolta. Depois reagiu. Lembra-se bem como e quando isso aconteceu. “Cruzei-me com um artigo do agente da Billie Eilish, cujo título foi para mim uma epifania: ‘Afundar ou nadar’.” Foi aí que começou a nadar para se salvar, a ele e à equipa. Sobretudo nadar para não afundar. Quando ganhou essa consciência, desafiou-os todos (em teletrabalho) a mandarem-lhe, em 24 horas, as ideias todas que tivessem para um cenário que, à época, parecia disparatado: “Imaginando que a situação de estado de emergência e confinamento duraria não 15 dias, um mês, um ano, mas sim dois anos. E que soluções poderiam encontrar para a desejada sobrevivência.” Pedia que cada um respondesse individualmente (e não para todo o grupo). 48 horas depois, a equipa encontrou-se no jardim do Estúdio 33 e ele leu cada uma das ideias, sem identificar o autor. “Surgiram ideias extraordinárias e que colocámos em prática.” Uma delas foi a dos concertos drive-in, que tornou conhecido o espaço em todo o país. Ainda em maio, Pedro Abrunhosa foi o primeiro a subir ao palco, para uma plateia dentro dos carros. Nesse dia 23, disse o que nunca mais se esqueceu: “A cultura declara o país aberto.” Seguiram-se mais 21 espetáculos – dez de magia e os restantes de música e humor.
Seguiram-se outros desafios, nesse manual de sobrevivência. Um dos que tiveram mais impacto foi o espetáculo Conectados – que se estreou primeiro em Espanha e só depois em Portugal, “em que a magia acontece na plateia, no palco e em casa das pessoas. Quem compra bilhetes recebe outros para oferecer a quem pode participar (e não assistir) remotamente, a partir de casa”.
Entretanto, dentro de uma ou duas semanas há outro projeto a estrear: uma série de vídeos para a internet, que se chama Magia nas Mãos Deles. António Zambujo, Nuno Markl, Catarina Furtado, Sam the Kid, entre outros, estão em casa com alguns objetos à mão. “O momento surpreendente acontece não nas minhas mãos, mas nas mãos deles, do lado de lá. É magia à distância”, revela Luís de Matos.
Do palco da aldeia para os palcos do mundo
A história de Luís de Matos no mundo da magia começa a escrever-se quando era menino, em Chão de Couce, uma freguesia de Ansião. “Era um miúdo como tantos, que integrava um grupo de teatro e variedades na aldeia, onde todos tocamos viola, cantamos, etc. Nesse grupo, um deles – o Serafim Afonso – fazia magia. Com ele aprendi as primeiras coisas, foi quem me emprestou livros.” Era ainda menino quando se estreou num programa de talentos da RTP, apresentado por Sansão Coelho.
Depois passou a ir a festivais. Ser mágico tornou-se um hobby, que foi mantendo a par da carreira académica – entretanto Luís de Matos estudara na Escola Superior Agrária de Coimbra e fora convidado a integrar o corpo docente. Ainda demorou dois anos dividido entre as aulas e a magia, nos programas de TV. Até que teve mesmo de optar. “Foi uma escolha muito difícil, mas lógica e racional.”
O mágico português foi forçado a cancelar digressão pela Europa que iria passar por 23 capitais, com dez espetáculos em cada uma delas.