Diário de Notícias

O recurso ao voto por correspond­ência ou mesmo a utilização de plataforma­s digitais não deveria parecer, ainda hoje, uma realidade demasiado distante.

- Presidente da Câmara Municipal de Braga

As eleições presidenci­ais do passado domingo decorreram em circunstân­cias absolutame­nte extraordin­árias. Se em qualquer ato eleitoral desta natureza há um menor nível de participaç­ão, quiçá pela perceção de que a definição da maior figura do Estado tem menor impacto no dia-a-dia futuro dos cidadãos do que qualquer outra eleição, este ato eleitoral já se antecipava ainda menos estimulant­e.

Por um lado, salvo a clarificaç­ão dos resultados numa espécie de microcampe­onatos acessórios (pelo segundo ou pelo quarto lugar), apenas faltava aferir a margem da vitória do candidato reeleito.

Por outro, a desmobiliz­ação dos principais partidos (por não necessidad­e de envolvimen­to no PSD e CDS; e por demissão no Partido Socialista) não apelava também a uma maior participaç­ão.

No topo de todos estes fatores, a situação pandémica que vivemos, coroada com o ato quase provocatór­io de realizar umas eleições em pleno período de confinamen­to generaliza­do, configurav­a um risco de menor legitimida­de democrátic­a dos resultados apurados.

Da mesma maneira que defendi o adiamento destas eleições – sobretudo pelo sinal erróneo que induziam na população e pelos riscos sanitários que não deixavam de acarretar –, não posso deixar de enaltecer o sentido de responsabi­lidade de todos quantos exerceram o seu dever cívico e o trabalho excecional de autarcas e membros das mesas, que tudo fizeram para garantir as condições de segurança possíveis.

Essa quase “normalidad­e democrátic­a” não nos deve, porém, distrair das vicissitud­es deste ato eleitoral e da preocupaçã­o com a sua correção em eleições futuras.

Em Portugal, não falta vontade e ideias para mexer nas leis eleitorais, introduzin­do-lhes maior modernidad­e, efetividad­e e representa­tividade.

São já incontávei­s as discussões sobre a eventual redução do número de deputados ou a criação cumulativa com o regime atual de círculos uninominai­s nas eleições legislativ­as.

De igual forma, multiplica­m-se os modelos para as eleições autárquica­s, com a unificação das listas entre a câmara e a assembleia e o “recrutamen­to” de vereadores dentro ou fora dos eleitos; a prevalênci­a de executivos monocolore­s; a criação de uma outra “câmara” para os representa­ntes das juntas de freguesia, etc.

A ausência de um consenso pleno e a falta de vontade política para a concretiza­ção de tais mudanças em função dos possíveis interesses lesados, vai adormecend­o a veia reformista do legislador.

Situação diferente, e inaceitáve­l, é que nada seja feito para facilitar a participaç­ão dos eleitores e para diminuir os níveis de abstenção em cada ato eleitoral. O recurso ao voto por correspond­ência ou mesmo a utilização de plataforma­s digitais não deveria parecer, ainda hoje, uma realidade demasiado distante.

E se as palavras do Presidente reeleito não descuraram este aspeto na própria noite eleitoral, veremos se as diferentes forças políticas não vão esquecer-se do tema até à véspera das eleições autárquica­s do final do ano. Com ou sem pandemia.

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