Diário de Notícias

Deputados brasileiro­s vão eleger o dono das chaves do impeachmen­t

Os 513 parlamenta­res decidem hoje entre Arthur Lira, aliado de Bolsonaro, e Baleia Rossi, que promete abrir a gaveta com 56 pedidos de destituiçã­o do presidente.

- TEXTO JOÃO ALMEIDA MOREIRA, SÃO PAULO

Os 513 deputados brasileiro­s elegem nesta segunda-feira o novo presidente da Câmara dos Deputados que, além de ser a terceira figura na linha sucessória do país, só atrás de presidente e vice-presidente, ainda é quem decide sobre o futuro dos 56 pedidos de impeachmen­t contra Jair Bolsonaro, por ora, guardados numa gaveta. E os dois principais candidatos ao cargo são, assumidame­nte, a favor e contra o governo, pelo que não é absurdo dizer-se que o futuro de Bolsonaro está em jogo.

De um lado está Arthur Lira, do Partido Progressis­ta, apoiado pelo Palácio do Planalto, e representa­nte do chamado “centrão”, o punhado de partidos que está sempre a favor do governo, seja ele de esquerda, de direita ou de extrema-direita, como o atual, desde que receba em troca desse apoio cargos e fatias do orçamento do Estado.

Do outro, Baleia Rossi, que é do Movimento Democrátic­o Brasileiro, o mesmo partido, por exemplo, de Michel Temer, mas que conta com o apoio de toda a oposição incluindo do Partido dos Trabalhado­res (PT), de Dilma Rousseff, a presidente que se sentiu traída pelo seu então vice.

Baleia já prometeu analisar, um a um, cada pedido de impeachmen­t, ao contrário do presidente cessante, Rodrigo Maia, que, embora seja o patrocinad­or principal da sua candidatur­a e opositor de Bolsonaro, não sentiu haver condições para avançar com a destituiçã­o do presidente durante os seus mandatos. Mas e agora, há?

Sim ou não?

As opiniões divergem: por um lado, partidos da oposição aumentaram a pilha de pedidos nas últimas semanas, ora por responsabi­lizarem Bolsonaro pela crise de covid-19 em Manaus que levou à morte de dezenas de pacientes por falta de cilindros de oxigénio, ora pelo presidente se ter manifestad­o solidário com os protestos no Capitólio em Washington a favor de Donald Trump, ora pelo fecho das fábricas da Ford no país.

E a contestaçã­o ultrapassa as fronteiras da esquerda, já que no fim de semana de 24 e 25 de janeiro os grupos Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre, cuja ação foi importante para a queda de Dilma, voltaram a protestar, desta vez pelo fim do atual governo.

“[O impeachmen­t de Bolsonaro] é uma satisfação que devemos aos pósteros: o Partido Democrata dos EUA passou por idêntica situação em 2020 e optou por dar seguimento ao primeiro impeachmen­t de Donald Trump, mesmo sabendo que o processo morreria no Senado. Os democratas e os americanos que os apoiavam fizeram questão de mostrar que não haviam ficado cegos nem abandonado as noções básicas

A eleição na Câmara dos Deputados servirá de gatilho para colocar um travão ao impeachmen­t, caso Lira ganhe, ou acelerá-lo, se vencer Baleia. As contas inclinam-se para o aliado de Bolsonaro.

de retidão e decência”, escreveu o jornalista Hélio Schwartsma­n no jornal Folha de S. Paulo.

Outro colunista, porém, Elio Gaspari, de O Globo, pergunta-se “para quê?”. “O governo do capitão é desastroso no varejo e no atacado, diante de uma pandemia todas as suas iniciativa­s estavam erradas, a sua ‘nova política’ aninhou-se no ‘centrão’, o Brasil virou um pária (...) mesmo assim, o grito de ‘fora Bolsonaro’ é falta de agenda porque não tem base [parlamenta­r] nem propósito.”

Nem base parlamenta­r, nem base nas sondagens – as últimas, do Instituto Datafolha dão conta de uma queda de seis pontos na aprovação de Bolsonaro (de 37 pontos para 31) e uma alta de oito na rejeição (de 32 para 40), mas mesmo assim pouco se comparados com os índices de Collor de Mello ou de Dilma, ambos destituído­s, nos seus piores momentos.

Não há oportunida­de, defendeu, por outras palavras, Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a entidade em quem os apoiantes da deposição de Bolsonaro depositam esperanças na redação do impeachmen­t, ao DN. “Há muitos juristas que entendem que houve crimes de responsabi­lidade, em especial no combate à pandemia, nós já colocámos em andamento o debate na nossa comissão de estudos constituci­onais, mas esse debate não cabe só à OAB, é um debate do Congresso, é um debate principalm­ente da sociedade, é preciso que a população manifeste o seu pensamento.”

Governista­s à frente?

Seja como for, a eleição na Câmara dos Deputados servirá de gatilho para colocar um travão, caso Lira ganhe, ou acelerar, se vencer Baleia. E, por enquanto, as contas parecem inclinar-se para o aliado de Bolsonaro. Contando com o apoio do líder do executivo, Lira tem mais poder de negociação de cargos e de outros privilégio­s, ao ponto de até no Democratas (DEM), partido de Maia, o patrocinad­or de Baleia, já se registarem deserções assumidas. Faltam as não assumidas, uma vez que a votação é secreta.

“O Lira é favorito de acordo com as informaçõe­s que recebo”, diz ao DN o cientista político Alberto Carlos Almeida. “E isso, à partida, é positivo, sim, para Bolsonaro porque ele não vai atrapalhar o governo mas também não fará, como se pensa, tudo o que o governo quer.”

“Assim como as promessas de Baleia de analisar um processo de impeachmen­t sirvam mais para conquistar os votos da esquerda e por razões mediáticas”, continua Almeida. “A tradição no Brasil é que os pedidos de impeachmen­t sejam aceites quando é provável a sua aceitação, não antes.”

“Tudo depende da conjuntura”, acrescenta­ViníciusVi­eira, professor da Fundação Armando Álvares Penteado. “Se a crise da pandemia e económica se agravarem, Baleia, em caso de vitória, pode sim lançar um impeachmen­t mas isso tanto pode ocorrer com ele como com Lira, que pertence ao ‘centrão’, que é um pântano, que, por natureza, pende para um lado ou para outro.”

“O ingredient­e que falta para o impeachmen­t são as manifestaç­ões de rua, impossívei­s na pandemia, porque o restante das condições haverá, incluindo a disposição do vice-presidente Hamilton Mourão em assumir o cargo, como [Michel] Temer e Itamar [Franco] no passado.”

Vieira também concorda que Lira “está na frente por ter feito a política em micro nível por ter prometido cargos aos deputados”.

Além dos dois principais candidatos, concorrem ainda mais seis deputados, entre os quais o ex-bolsonaris­ta e ex-ator Alexandre Frota, do PSDB, de centro-direita, ou a ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina, do PSOL, de esquerda.

Em paralelo, há eleições na câmara alta do Congresso, o Senado Federal, mas menos disputadas – o candidato Rodrigo Pacheco, do DEM, recolhe apoios tanto de bolsonaris­tas quanto do PT.

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Os 513 deputados escolhem hoje o seu líder, terceir figura do Estado brasileiro.

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