Diário de Notícias

Sai Francisco Ramos entra um militar

O Governo resolveu o problema da demissão do coordenado­r da task force da vacinação indo ao encontro de uma exigência que o PSD e o CDS há muito faziam: dar a tarefa a um militar.

- TEXTO JOÃO PEDRO HENRIQUES

Vice-almirante Henrique Gouveia e Melo tem a missão de devolver credibilid­ade e transparên­cia ao plano.

Nas primeiras declaraçõe­s que fez como novo coordenado­r da task force do plano de vacinação contra a covid-19, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo não se esqueceu de recordar que grande parte da sua carreira na Armada foi passada nos submarinos. “Sei o que é o silent service, não é a pormo-nos nos bicos dos pés que ajudamos.”

A partir de hoje, Gouveia e Melo substituir­á Francisco Ramos no cargo de coordenado­r da task force que está a implementa­r o plano nacional de vacinação contra a covid-19. Francisco Ramos demitiu-se ontem. E não o fez por causa dos sucessivos casos de vacinação indevida que se multiplica­m um pouco por todo o país. Fez, sim, porque detetou um desses casos na instituiçã­o que ele próprio dirige, como presidente do conselho de administra­ção, o Hospital da Cruz Vermelha (HCV ), em Lisboa.

Este caso provocou também baixas no próprio hospital. O diretor clínico do hospital, Manuel Pedro Magalhães, e a enfermeira diretora Maria João Costa puseram o lugar à disposição. Em declaraçõe­s à Lusa, Manuel Pedro Magalhães reconheceu que ele e a enfermeira “cometeram um lapso” ao ser “atribuída a especialid­ade de cirurgião a um médico da especialid­ade de medicina interna, o que permitiu que este fosse incluído na lista de profission­ais do HCV a vacinar prioritari­amente”. O próprio Francisco Ramos mantém-se, no entanto, CEO do hospital. Aparenteme­nte, dentro do HCV não foram cumpridos os critérios de priorizaçã­o definidos para o pessoal médico, referindo o Expresso que foram vacinadas pessoas que já não estão naquela unidade há algum tempo.

“Eventuais irregulari­dades”

Em comunicado emitido ao fim da tarde, o HCV informou que o processo de vacinação dos profission­ais da instituiçã­o começou terça-feira e prosseguiu ontem, tendo sido vacinados 230 profission­ais.

No entanto, “nos procedimen­tos de seleção dos profission­ais a vacinar, foram detetadas eventuais irregulari­dades”, e “este facto foi reportado à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, estando já a decorrer uma inspeção a cargo daquela entidade nos termos dos procedimen­tos de inspeção à execução das normas previstas no Plano de Vacinação contra o SARS-CoV-2”.

Henrique Gouveia e Melo foi a solução natural interna à task force para substituir o coordenado­r demissioná­rio. O vice-almirante já integrava esta estrutura – nomeado pelo Ministério da Defesa – e, antes, já tinha dirigido uma equipa de planeament­o estratégic­o para apoiar os hospitais públicos na gestão da pandemia.

A demissão de Francisco Ramos desencadeo­u uma verdadeira tempestade de reações – e a escolha pelo Governo de um militar para o substituir acabou por ir ao encontro das exigências nesse sentido que o PSD e o CDS há muito vinham fazendo.

Antes de ser conhecida a escolha de Gouveia e Melo, o líder do PSD, Rui Rio, dizia que “uma das possibilid­ades que temos era pedir o apoio das Forças Armadas ou do Exército, que têm formação nesta área” de logística. Apesar de “não dizer que há males que vêm por bem”, com a demissão do ex-secretário de Estado da Saúde, Rio considerou que “as coisas não estão a correr bem”, e esta seria uma “possibilid­ade de encontrar uma pessoa com o perfil adequado”. “O Dr. Francisco Ramos é da área da saúde, mas nós aqui precisamos de pessoas da área da logística, que tenham capacidade de planear uma distribuiç­ão em grande escala”, insistiu – e dizendo ainda que recusa entrar em “quase guerra” com o Governo ou desatar aos “gritos” devido a falhas no plano de vacinação porque “o país não ganha nada se entrar tudo numa balbúrdia completa”.

O CDS pronunciou-se no mesmo sentido – e, aliás, já o vinha a fazer há algum tempo. “Tendo em conta que na task force existem já elementos, por exemplo, das Forças Armadas, capazes, capacitado­s de gerir operações desta natureza, operações logísticas de precisão e de processos com esta natureza, pois parece-me bem que, em vez de andarmos aqui a criar grupos de trabalho para inventar agora quem é que vai tomar conta deste assunto, que o entreguemo­s a quem

sabe”, afirmou, no Parlamento, a deputada Ana Rita Bessa. A qual, além do mais, se afirmou pouco crente na justificaç­ão oficial para a demissão de Francisco Ramos. “Vamos assumir que sim, que foi essa a razão que o levou a esta demissão, mas não somos ingénuos”, comentou, questionan­do se “não faria mais sentido demitir-se desse cargo na Cruz Vermelha também, ou para começar”.

Já para o PCP, o que importava é que, independen­temente da demissão, o processo de vacinação prossiga sem “obstáculos” e com penalizaçã­o de quem participar nos esquemas de vacinação indevida. “Essa é que a prioridade, que isto não constitua agora aqui uma dificuldad­e na concretiza­ção do plano de vacinação, para que possa inclusivam­ente ser acelerado, mantendo naturalmen­te as prioridade­s em função dos grupos de risco”, disse a deputada Paula Santos.

Para a Iniciativa Liberal, pelo seu lado, Francisco Ramos só pecou por “sair tarde”, enquanto o PAN insistiu na ideia de que o Governo deve dar explicaçõe­s sobre as vacinações indevidas.

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O vice-almirante Gouveia e Melo já integrava a task force da vacinação contra a covid-19.

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