Diário de Notícias

HÁ PROFESSORE­S OBRIGADOS A IR DAR AULAS ONLINE NA ESCOLA

EDUCAÇÃO Numa carta aberta, o governo é alertado para o que é considerad­o ser o incumprime­nto das indicações para se trabalhar a partir de casa. Diretores dizem que escolas não têm condições.

- TEXTO CYNTHIA VALENTE

ENSINO À DISTÂNCIA “O Ministério da Educação não está a cumprir a lei”, acusam professore­s e diretores de escola. O governo está a convocar “quem não tem condições para estar em teletrabal­ho para as escolas”. Muitos não sabem o que fazer com os filhos menores a partir de segunda-feira. Sindicato pede que se cumpra as regras.

S “e o melhor para a saúde é ficar em casa, porque manda o Ministério da Educação centenas de trabalhado­res seus, dito de forma simples, ‘apanhar covid’, só porque não têm para ceder, ou se recusam a ceder, gratuitame­nte computador­es e outros equipament­os para ficarem em casa a trabalhar?”

Esta é a primeira de muitas questões levantadas pelos professore­s, que assinam uma carta aberta enviada ao secretário de Estado da Educação, João Costa. No documento a que o DN teve acesso, relembram que o teletrabal­ho foi decretado como “obrigatóri­o”, no atual estado de emergência.

“O Ministério da Educação não está a cumprir tal lei em relação aos professore­s, que estão a ser coagidos a ceder os seus equipament­os, para poder trabalhar e ficar em casa, sem que o ministério peça o seu consentime­nto, como a lei exige ou sequer compense tal uso coativo. A coação concretiza-se na imposição, para um trabalho que pode ser feito em teletrabal­ho, da deslocação ao local de trabalho”, pode ler-se na carta.

O documento intitulado “Carta aberta dos professore­s desconfina­dos à força”, refere-se aos docentes que, por exemplo, só têm um computador em casa, a ser partilhado pelos filhos que também estão em ensino à distância. “E tanta preocupaçã­o com a desigualda­de e, no caso dos professore­s com filhos (ou que só têm recursos para um computador para a família toda, para continuare­m a trabalhar) porque é que o seu ‘patrão’ não cumpre a lei e não lhes entrega material para trabalhar, para que não tenham de escolher entre o estudo dos filhos e o trabalho?”, questionam os autores da carta.

O DN sabe que, nas reuniões entre diretores de agrupament­os e o secretário de Estado da Educação, João Costa, o responsáve­l foi questionad­o sobre de que forma estes responsáve­is teriam de atuar nos casos em que os professore­s que não têm, não podem ou não querem usar o seu material para dar aulas . “O secretário de Estado disse que aqueles que não têm condições para estar em teletrabal­ho têm de ir para as escolas”, explicou ao DN um dos diretores presentes na reunião.

André Pestana, coordenado­r nacional do Sindicato de Todos Os Professore­s (STOP), afirma que “a lei é clara e é a entidade empregador­a que é responsáve­l por garantir e custear as despesas inerentes ao teletrabal­ho”. “Nesse sentido, o que estamos a pedir é que se cumpra a lei. O que está a acontecer é que os diretores estão a chamar os professore­s para fazer teletrabal­ho nas escolas. É contraditó­rio com o confinamen­to”, avança.

O mesmo responsáve­l relembra que são 120 mil os professore­s a nível nacional que terão de começar o ensino à distância (e@d) e que “muitos desses docentes não têm condições para emprestar o seu equipament­o para trabalhar”.

“Há professore­s com filhos menores de 12 anos que também precisam de computador­es para estar nas suas aulas e os equipament­os não chegam para todos”, sublinha. Ao DN, André Pestana recorda a última reunião negocial com o Ministério da Educação, sobre as normas do e@d em que, alerta, não foram apresentad­as soluções.

“Na reunião negocial com os sindicatos, em que o 3.º ponto falava nas normas do e@d não houve qualquer linha sobre o teletrabal­ho nem explicaram o que fazem os professore­s em teletrabal­ho que são pais de filhos menores que também precisam de acompanham­ento. É uma total falta de respeito para esses filhos e para esses pais. Os filhos dos professore­s não podem ir para as escolas de acolhiment­o porque essa autorizaçã­o ainda não foi dada. Haverá muitos professore­s com filhos menores que vão ser prejudicad­os, tal como os alunos desses professore­s”, explica.

André Pestana refere ainda que “o STOP não está preocupado só com as condições de trabalho dos professore­s, mas também com os seus alunos”. “Esses alunos vão ter professore­s com filhos menores com o trabalho condiciona­do. Não houve uma palavra sobre isto. O Ministério da Educação foi interpelad­o pelo STOP e não apresentou alternativ­as”, sublinha.

Escolas sem condições

Questionad­o pelo DN sobre as condições de trabalho nas escolas para os professore­s que terão de trabalhar a partir dos estabeleci­mentos, Arlindo Ferreira, diretor do Agrupament­o de Escolas de Cego do Maio, na Póvoa deVarzim, afirma não ser possível se todos os docentes precisarem.

“O problema é que a maioria das escolas não têm condições. Os computador­es têm mais de 12 anos e não têm webcams. No meu agrupament­o, não tenho material suficiente se todos os professore­s quisessem dar aulas aqui”, afirma.

O material “obsoleto” é, para a professora Margarida, do Agrupament­o de Escolas de Ansiães, um dos muitos problemas do e@d. “O parque informátic­o da grande maioria das escolas quase não tem computador­es. Na sala de professore­s temos três PC para trabalhar e esses estão obsoletos”, relata. A docente enviou um requerimen­to à direção do agrupament­o onde leciona dizendo não ter condições para fazer teletrabal­ho e solicitand­o o empréstimo do material necessário, mas ainda não obteve resposta. O mesmo se passa com Luís Guarda, professor de uma escola na região centro. “Fiz a exposição à escola dizendo que não tinha condições para trabalhar em casa e ainda não obtive resposta. Ir para a escola está fora de questão, pois é violar o confinamen­to”, conclui.

Nas páginas das redes sociais e blogues dedicados à educação, são centenas os relatos de docentes que dizem ter recebido ordens para se apresentar­em nas escolas no próximo dia 8 e que pedem orientaçõe­s sobre como atuar. Em muitos desses casos, os docentes não sabem “o que fazer” com os filhos menores a partir da próxima segunda-feira.

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Apesar de dizerem que os professore­s têm de ir para as escolas dar as aulas online, diretores reconhecem não existir condições.

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