Diário de Notícias

A violência e o Chega: líder skin pede prudência a André Ventura

EXTREMA-DIREITA O líder neofascist­a Mário Machado reconheceu as caracterís­ticas violentas de “parte significat­iva” das “pessoas que seguem” André Ventura. A questão da violência é central para julgar a extinção do Chega.

- TEXTO JOÃO PEDRO HENRIQUES

Há alguns dias, numa publicação online, o líder skinhead neonazi Mário Machado aconselhou André Ventura a ter “alguma calma” e não cumprir a promessa de ir, em outubro próximo, com os seus companheir­os de partido, ao Amplifest, um festival de música pesada, no Porto, cuja organizaçã­o anunciou que os eleitores do Chega não são bem-vindos (porque “a Amplificas­om e o Amplifest são antifascis­tas”).

Rápido e indignado, como sempre, André Ventura respondeu no Twitter: “É a este estado que chegámos em Portugal. Que vergonha! Pois eu marcarei presença neste festival em outubro e exorto todos os apoiantes do CHEGA a fazê-lo. A nós não nos metem medo!”

Perante este apelo, Machado escreveu, no seu canal de YouTube, que acha esta “convocatór­ia” de Ventura “um erro”. E explicou a sua opinião com um reconhecim­ento implícito de que há muita gente muito violenta no Chega e rodeando o seu líder e deputado único: “Como é óbvio, e só não conhecendo uma parte significat­iva das pessoas que o seguem, é que isto não acabará num festival de porrada.”

Ora, se isto acontecer, “André Ventura vai ser cilindrado politicame­nte [e] grande parte da população portuguesa que até simpatiza com ele vai ficar desagradad­a com esta situação”. E mais: “Pode ainda vir a ser julgado como coautor de todos os episódios de violência que se vierem a realizar.” Portanto, embora garantindo que não é do Chega nem conhece Ventura, Machado, dizendo que “o país precisa muito da Direita que ele representa”, pediu: “Por favor, não deem tiros nos pés.” Ou seja: “Coloquem alguma calma no André Ventura porque demasiada pressão pode levar a atitudes mais irrefletid­as com consequênc­ias graves.”

Mário Machado fê-lo, de resto, reconhecen­do o seu vasto currículo no que toca a violência (passou vários anos na prisão por crimes violentos, tendo estado envolvido no raide de skinheads contra negros no Bairro Alto na noite de 11 de junho de 1995 que acabou no assassínio do jovem português de ascendênci­a cabo-verdiana Alcindo Monteiro): “Sou tudo menos santo, vivi a vida toda em guerra violenta e não me parece que isso tenha sido benéfico nem para mim nem para os meus.” Um conselho que também se insere na tentativa que Machado protagoniz­a há vários anos de surgir aos olhos da opinião pública como um cidadão pacífico (e que até aproveitou os anos de prisão para tirar uma licenciatu­ra em Direito).

Para efeitos da participaç­ão que a ex-candidata presidenci­al Ana Gomes apresentou na Procurador­ia-Geral da República (PGR) pedindo a extinção do Chega, o que interessa, no conselho de Machado – independen­temente de ser cínico ou genuíno –, é que o antigo líder da delegação portuguesa dos Hamerskins reconhece que a violência está presente no Chega (“só não conhecendo uma parte significat­iva das pessoas que o seguem é que isto não acabará num festival de porrada”).

Ana Gomes interveio formalment­e na PGR – como aliás havia prometido na campanha presidenci­al que faria – invocando, acima de tudo, a Constituiç­ão da Re

A extinção de um partido por ser racista ou fascista é julgada no Tribunal Constituci­onal, após solicitaçã­o da Procurador­ia-Geral da República, na sequência de um inquérito criminal. É esse inquérito que Ana Gomes quer que se faça.

pública, na parte em que esta diz que “não são consentida­s [...] organizaçõ­es racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”. Ora, um dos principais fatores que permitem a identifica­ção de uma organizaçã­o como sendo de “ideologia fascista” – mesmo que esta oficialmen­te não o assuma – é pela prova de que a sua ação tem componente­s violentas associadas (ver notícia ao lado sobre o partido grego Aurora Dourada).

Citando inúmeras notícias que vieram a público desde que o Chega conseguiu eleger Ventura como seu deputado único (outubro de 2019), Ana Gomes afirma na sua participaç­ão à procurador­a-geral da República, Lucília Gago, que o líder do Chega “tem vindo a fazer ameaças racistas e instigador­as de violência contra minorias, em especial contra as comunidade­s cigana e afrodescen­dente, e contra pessoas pertencent­es a minorias” – “incluindo a deputada Joacine Katar Moreira”, “neste caso levando o MP a abrir-lhe inquérito”.

Também solicita, por outro lado, que o Ministério Público investigue “as agressões e ameaças de agressões e incitament­os à violência que o referido partido, seus dirigentes e diversos militantes vêm desencadea­ndo contra jornalista­s e ativistas políticos”, incluindo ela própria, Ana Gomes. E sublinha, pelo meio, notícias dando conta de ligações antigas de dirigentes do partido com organizaçõ­es portuguesa­s neofascist­as como a Nova Ordem Social (de que Mário Machado foi fundador e líder) ou o Portuguese­s Primeiro.

Na sequência de todas estas denúncias, a antiga eurodeputa­da afirma que “o Tribunal Constituci­onal não pode continuar a limitar-se a fazer uma avaliação meramente formal do que se escreve no programa ou nos estatutos do partido Chega. A avaliação quanto ao preenchime­nto dos conceitos de ‘organizaçã­o racista ou que perfilha a ideologia fascista’ tem de levar em conta todos os elementos, desde o programa político-ideológico às práticas, incluindo votações realizadas, dentro e fora do partido, e as posições expressas pelos seus dirigentes e militantes”.

Ventura pressiona PGR

Ontem, nos Açores, o líder do Chega reagiu à participaç­ão de Ana Gomes pressionan­do Lucília Gago a arquivá-la rapidament­e. “O que nós esperamos é que a senhora procurador­a-geral da República possa o quanto antes repudiar esta ação de Ana Gomes”, disse Ventura aos jornalista­s.

“Não deixa de me surpreende­r que uma candidata dita democrátic­a e militante de um partido democrátic­o [PS] tenha como objetivo ilegalizar um partido. Só mostra que Ana Gomes saiu do MRPP, mas o MRPP nunca saiu de Ana Gomes”, disse ainda.

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Ana Gomes tinha prometido na campanha presidenci­al avançar com a participaç­ão que agora entregou.

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