11 MESES DE PANDEMIA E FOI A VACINA A CAUSAR UMA DEMISSÃO
COVID “Em tempo de guerra não se mudam generais”, dizia António Costa há cerca de um ano. Em Portugal, como nos países europeus mais próximos, não houve mexidas na tutela da saúde.
Em Espanha multiplicam-se também os casos de atropelos à lista de vacinação prioritária. Um general já se demitiu e agora há um bispo sob suspeita.
Onze meses depois dos primeiros casos de SARS-CoV-2 em Portugal, não foi a gestão da pandemia, mas o processo de vacinação a provocar a primeira baixa política. Depois de notícias sucessivas sobre casos de atribuição ilegítima de vacinas, Francisco Ramos apresentou a demissão do cargo de coordenador da task force responsável pelo processo de vacinação, invocando como razão para a saída as irregularidades cometidas no Hospital da Cruz Vermelha, de que é presidente executivo.
Francisco Ramos, antigo secretário de Estado da Saúde de vários governos socialistas, foi escolhido em novembro do ano passado para coordenar a task force, liderando um núcleo de coordenação que integra elementos do Ministério da Defesa Nacional, Administração Interna, Direção-Geral da Saúde e Autoridade Nacional do Medicamento.
Já estava sob uma barragem de críticas, com a direita parlamentar a sugerir a sua demissão do cargo.
“Em tempo de guerra não se mudam generais”
Passados 11 meses, é a vacinação a provocar uma baixa – e a questão levantou-se logo aos primeiros dias da gestão da pandemia no país. Recuando até ao início de março de 2020, António Costa já era questionado sobre a continuidade de uma das responsáveis da área da saúde, no caso, Graça Freitas, diretora-geral da Saúde. Estávamos a 4 de março, os primeiros casos de covid-19 em Portugal tinham sido detetados dois dias antes, e o primeiro-ministro respondia no parlamento à oposição. “Estamos a viver uma epidemia e um risco de uma pandemia e há uma coisa que é certa: no meio da batalha não se mudam os generais”, disse então o líder do executivo.
Desde então, e apesar do tom crescente das críticas da oposição à resposta das autoridades de saúde e do governo à gestão da pandemia, poucas vezes a oposição elevou as críticas ao ponto de pedir a demissão de Graça Freitas ou Marta Temido – a exceção remonta a julho do ano passado quando David Justino, vice-presidente do PSD, pediu a saída da ministra do cargo.
Esse foi, aliás, o período mais conturbado em termos de avaliação pública da ministra. Numa altura em que a Grande Lisboa mantinha níveis de contágio muito acima do restante território nacional, as críticas já vinham do próprio PS, com o presidente da Câmara de Lisboa a arrasar a estratégia das autoridades de saúde. As críticas voltaram a subir de tom quando, no início de novembro, o país viu com surpresa os números de contágio a aumentar rapidamente, levando a nova declaração do estado de emergência, que se manteve até agora. António Costa veio então falar em confiança política “reforçada”.
O que é certo é que, ao longo dos últimos 11 meses, a oposição – nomeadamente o CDS e o PSD – foi bastante mais contundente a pedir a saída da ministra do Trabalho, da ministra da Justiça ou do ministro da Administração Interna. Já nesta semana, em entrevista a Miguel Sousa Tavares, na TVI, o líder social-democrata, Rui Rio, foi questionado sobre se teria substituído a responsável da Saúde. Respondeu ao lado: “Não tenho dúvidas de que teria demitido a ministra da Justiça.” E optou por criticar o que chamou de preconceito ideológico de Marta Temido contra a saúde privada: “Mais depressa ia embora por causa disso.”
Ministros mantêm-se
Olhando para a gestão da pandemia, o princípio de que durante a guerra não se mudam generais não é exclusivo de Portugal. Espanha mudou agora o ministro da Saúde, mas por razões de calendário político – Salvador Illa será o candidato do PSOE às eleições na Catalunha – mas em Itália, França ou Reino Unido os ministros mantêm-se na tutela da Saúde desde os primeiros casos e apesar de situações críticas, como a que viveu a Itália na primeira vaga.
Mas, noutras latitudes, houve saídas. O ministro da Saúde polaco, Lukasz Szumoswski, demitiu-se logo em agosto, alegando razões pessoais, após acusações de irregularidades na aquisição de equipamentos de proteção contra a covid-19. Em setembro também o ministro da Saúde da República Checa, Adam Vojtech, se demitiu, sob um coro de críticas à gestão da segunda onda da pandemia. Na Suécia o chefe da Agência de Proteção Civil demitiu-se no início de janeiro depois de uma viagem às ilhas Canárias, contrariando as indicações para evitar as viagens no período natalício. A Nova Zelândia, apontado como um país modelo no combate à covid-19, viu cair o ministro da Saúde logo em julho, também por violação das regras de confinamento.
Do general ao bispo: vacinas lançam a polémica
Já o processo de vacinação está a causar mais estragos – não necessariamente entre os responsáveis políticos. Em Espanha já provocou a demissão do chefe do Estado-Maior do Exército: o general Miguel Ángel Villarroya pediu a demissão depois de se saber que foi vacinado contra a covid-19, a par de outros comandantes militares, apesar de não fazer parte dos grupos prioritários. O conselheiro de Saúde de Múrcia (entretanto demitido), a mulher, e vários altos cargos do município também foram vacinados de forma irregular. Agora, as suspeitas recaem sobre um bispo, em Alicante, que terá sido vacinado como residente num lar de párocos idosos no qual não reside. Na última terça-feira a agora ministra da Saúde, Ana Barceló, adiantou que as autoridades estão a investigar 233 casos sob suspeita.