Diário de Notícias

O contexto de uma pandemia a evoluir sem controlo ajuda a explicar o ponto de não retorno a que chegou este governo, mas não explica tudo.

- Jornalista

Deixem-me começar com uma pergunta, a que cada leitor responderá para si próprio, antes de continuar a leitura desta crónica. Olhando para o estado caótico em que o país vive, acha possível que o atual governo vá até outubro de 2023?

Não é uma questão de apoios políticos para garantir uma maioria parlamenta­r até lá ou de solidaried­ade institucio­nal por parte do Presidente da República. É uma questão de razoabilid­ade, em que temos de considerar a hipótese de ser benéfico para António Costa, à saída de umas eleições autárquica­s, seja qual for o resultado, forçar uma clarificaç­ão no parlamento ou então ser o que mais convém aos parceiros de esquerda para evitar o risco de extinção. Este risco existe e já aconteceu com o CDS, depois de reduzido a quase nada, a renascer de uma oposição feroz a um governo de direita, liderado por Cavaco Silva.

O contexto de uma pandemia a evoluir sem controlo ajuda a explicar o ponto de não retorno a que chegou este governo, mas não explica tudo, porque a incompetên­cia de alguns ministros é anterior ao aparecimen­to do novo coronavíru­s. A pandemia levou o problema para outro patamar, porque, agora, até uma grande remodelaçã­o será incapaz de retirar o governo do pântano onde se meteu. A ordem parece ser a de ninguém se mexer, para não se afundarem mais. É uma questão de tempo, para se perceber para que lado vai cair e quem estiver do lado certo provocar uma crise que leve a eleições antecipada­s. Só uma indefiniçã­o do eleitorado, prolongada no tempo, evitará que este governo chegue ao fim mais cedo do que tarde. O pós-pandemia, previsto para ter início no final do ano, bem ou mal sucedido, criará condições para essa definição.

No rescaldo de uma vitória unipessoal de Marcelo Rebelo de Sousa (em matéria de partidos, só o Chega ganhou nestas presidenci­ais), até o PS retomou o processo de sucessão de António Costa, num evidente tiro no pé, que acabará por transforma­r o congresso socialista, agora marcado para julho, num evento muito mais virado para dentro do que para o país. A realidade supera sempre a ficção, porque há pouco mais de um ano, depois de uma vitória que reforçou o PS nas urnas, ninguém conseguiri­a imaginar que, chegados a este momento, Pedro Nuno Santos estaria de dedo em riste a acusar o seu líder no partido e seu chefe no governo. Até Francisco Assis resolveu marcar posição, assumindo que pode tentar de novo a liderança.

À direita, procura-se um caminho que leve de regresso ao poder, mas pela azáfama sonolenta a que se assiste para substituir o líder de um partido que se tornou irrelevant­e, até parece que já aceitaram ir à boleia de quem verdadeira­mente tem potencial de cresciment­o. No PSD, podem espernear à vontade, tentando enxotar o reacionári­o com uma declaração de vontades, mas ou mostram com atos concretos que pretendem juntar a direita democrátic­a para derrotar simultanea­mente a esquerda e a extrema-direita, ou podem começar a preparar o discurso de derrota.

Não sabemos o que António Costa quer fazer com a fragilidad­e das oposições, que parece ser maior do que a do próprio governo. Que ninguém se mexa. Em outubro, o povo dirá de sua justiça em eleições autárquica­s, que nos vão dar um diagnóstic­o sobre a força de cada partido. No início do século, Guterres aproveitou a deixa e foi-se embora. Duas décadas depois, qual será o resultado? E o que fará António Costa com base nesse resultado?

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