Diário de Notícias

Le Pen à frente de Macron. Irá estilhaçar o “teto de vidro”?

FRANÇA Foi há dez anos que substituiu o pai na liderança da então Frente Nacional. Sondagens dão-lhe vitória na primeira volta em 2022, perdendo na segunda por apenas quatro pontos.

- TEXTO SUSANA SALVADOR

Aimagem do “teto de vidro” é simples. Por muito que a extrema-direita francesa crescesse, dizia-se que nunca seria capaz de conquistar mais de um terço de votos, que esse seria o máximo de eleitores que votariam por um partido nacionalis­ta, populista e demagogo. Marine Le Pen, que há dez anos sucedeu ao pai, Jean-Marie Le Pen, na liderança da então Frente Nacional (e atual Reunião Nacional), mostrou na segunda volta das presidenci­ais de 2017, na qual conquistou 33,9% dos votos, que era possível riscar esse teto. Mas as sondagens mostram agora que, nas presidenci­ais de 2022, pode estilhaçá-lo completame­nte.

A sondagem Harris Interactiv­e, de 19 a 20 de janeiro, dava a Marine Le Pen entre 26% e 27% das intenções de voto (consoante os adversário­s), com o presidente Emmanuel Macron a não ir além dos 23% ou 24%. Na segunda volta, este conquistar­ia 52% dos votos, diante dos 48% da líder da extrema-direita. Uma diferença de apenas quatro pontos percentuai­s, dentro da margem de erro, a pouco mais de um ano das eleições.

“É uma sondagem, uma foto instantâne­a de um momento, mas o que mostra é que a ideia de eu ganhar é credível, até plausível”, disse Le Pen, de 52 anos, na passada sexta-feira. Outra sondagem, da Ipsos, feita uma semana mais tarde, coloca-a com 25% a 26,5% e Macron com 24% a 27%, sendo certo que só num dos sete cenários o presidente de 43 anos faria melhor e em três haveria empate. Na segunda volta, a diferença entre ambos é contudo maior, de 12 pontos, favoráveis a Macron (56% contra 44%).

Os analistas franceses não têm dúvidas em apontar a crise económica e sanitária, causada pela pandemia, como uma das razões para a subida nas sondagens, junto com o sentimento anti-islamita, após a decapitaçã­o em outubro de um professor que tinha falado nas aulas das caricatura­s do profeta Maomé. Para continuar a capitaliza­r esse tema, Le Pen propôs há dias proibir o uso de véu islâmico em todos os locais públicos.

“Chegou a hora de mudar de rumo porque senão a França vai deixar de ser a França”, disse Le Pen há menos de um mês, numa entrevista ao DN, quando esteve em Portugal para apoiar a campanha de André Ventura, do Chega. Um partido que, revelou o DN, a ex-candidata Ana Gomes quer ver extinto (ver páginas 6 e 7).

“Le Pen já é frequentab­le”

Francisco Seixas da Costa, que foi embaixador em França entre 2009 e 2013, mostra-se “muito preocupado” com a subida de Le Pen nas sondagens. “Não estamos diante de um remake automático das eleições anteriores, em que Macron era o fator novidade diante do arraso total dos partidos tradiciona­is, à esquerda e à direita”, disse ao DN.

“Podemos ter alguém a chegar ao poder, pela via democrátic­a, com uma agenda de revanche, de ódio, uma espécie de capitaliza­ção cumulativa de mal-estares vários”, referiu, dizendo que a ideia do voto republican­o (todos menos a extrema-direita) desaparece­u completame­nte. “As pessoas estão hoje desarmadas diante de Marine Le Pen. Ela já é frequentab­le, já é frequentáv­el”, concluiu, lembrando que ela, mais do que o pai, consegue quebrar essa barreira que mantinha o partido afastado da comunicaçã­o social, dos debates. “É ela que consegue a normalizaç­ão do partido”, explicou Seixas da Costa.

“A extrema-direita francesa, ao longo deste tempo, não perdeu muito, não houve uma subida de uma proposta alternativ­a que pudesse pôr em causa aquilo que é o mal-estar”, disse o antigo embaixador. “Na minha opinião, a extrema-direita é a manifestaç­ão desse mal-estar, ou como alguém dizia em França, da resposta errada a problemas certos”, referiu. Por outro lado, Macron “não só já não é novidade como tivemos os coletes-amarelos, tivemos a França na rua, temos a pandemia”, lembrou. Pela positiva, Seixas da Costa destaca o papel do presidente francês como “uma figura europeia, com uma capacidade de afirmação e propostas muito interessan­tes”.

O ex-embaixador admite que está criada uma situação muito complexa em França, mas também para as forças democrátic­as na Europa. “No dia em que Marine Le Pen chegasse ao poder, nem que fosse conjuntura­lmente, a União Europeia acabava. Depois do Brexit, o impacto psicológic­o que isso teria seria o fim da União Europeia, independen­temente de se poder manter o mercado interno ou outras coisas. Mas como ideia, como força, como capacidade de intervençã­o, a Europa acabava.”

“No dia em que Le Pen chegasse ao poder, nem que fosse conjuntura­lmente, a União Europeia acabava. Depois do Brexit, o impacto psicológic­o que isso teria seria o fim da UE.” Francisco Seixas da Costa Ex-embaixador em França

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Sondagens mostram “que a ideia de eu ganhar é credível, até plausível”, disse Le Pen.

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