Diário de Notícias

Margarita Correia

- Professora e investigad­ora, coordenado­ra do Portal da Língua Portuguesa Margarita Correia

Literacia, trabalho e igualdade de género

No Bom Dia Portugal (RTP) da passada sexta-feira, escutei que Portugal se encontra abaixo da média da União Europeia relativame­nte à percentage­m de mulheres em lugares de topo, de acordo com o Índice de Biodiversi­dade de Género 2020 (European Institute for Gender Equality). A peça incluiu uma excelente entrevista a Mariana Branquinho, consultora de recursos humanos, que expôs razões para a situação portuguesa e destacou os países do norte da Europa, especialme­nte a Noruega, como os que garantem maior igualdade no acesso das mulheres a posições de topo na sociedade, sobretudo devido aos elevados índices de literacia daqueles países, que são ricos, desenvolvi­dos e com democracia­s consolidad­as.

Entre as razões geralmente apontadas para estes elevados índices destaca-se o impacto da Reforma Protestant­e nessa região. A rutura do mundo cristão, desencadea­da por Martinho Lutero na Alemanha do início do século XVI, conduziu a uma prática baseada na interioriz­ação da religião pela leitura dos textos religiosos, pelo que o esforço reformista de evangeliza­ção foi acompanhad­o de um intenso esforço de alfabetiza­ção. Em artigo de 1999 (“Alfabetiza­ção e escola em Portugal no século XX”), António Candeias e Eduarda Simões compararam os índices de alfabetiza­ção de conjuntos de países europeus em 1850, 1900 e 1950, verificand­o que Portugal ocupava a pior posição ainda em 1950 e apontando não só a religião como causa do sucesso dos países do norte da Europa, mas também fatores de natureza económica, tecnológic­a e política.

O referido atraso português ajuda a compreende­r porque Portugal apenas seja ultrapassa­do por Malta no recorde de país europeu com pior índice de alfabetiza­ção e, segundo dados de 2018 do Instituto de Estatístic­a

da UNESCO, seja um país onde apenas 95% das mulheres acima dos 15 anos são alfabetiza­das. É certo que, de acordo com dados da Pordata, Portugal desceu dos 18,6% de analfabeto­s em 1981 para os 5,2% em 2011 e subiu de 6,8% de população no ensino superior em 2001 para 19,6% em 2019. Evoluímos muito, sim, mas Roma e Pavia não se fizeram num dia. Temos um longo caminho a percorrer para acompanhar os países mais desenvolvi­dos da Europa e, quando esta pandemia acabar, constatare­mos que esse caminho se tornou mais difícil e sinuoso.

Ainda segundo a Pordata, a percentage­m de mulheres com diplomas do ensino superior era de 58,5% em 2019 e a de mulheres com doutoramen­to de 53,5% em 2015. Há portanto mais mulheres do que homens com formação superior em Portugal; no entanto, os quadros superiores femininos continuava­m, em 2018, a ganhar em média menos 26,1% do que os masculinos, ao passo que a remuneraçã­o-base média das mulheres continuava a representa­r apenas cerca de 85% da dos homens.

Não é só a literacia que explica estas iniquidade­s. A cultura empresaria­l e institucio­nal dominante, a dificuldad­e de acesso ao trabalho por mulheres em idade fértil, o descarado e impune desrespeit­o pelas leis laborais, sobretudo no setor privado, e a sociedade predominan­temente machista em que vivemos são também razões a ser apontadas e combatidas com determinaç­ão. Não haverá incentivo eficaz à natalidade sem que estes problemas sejam resolvidos. Mas a educação é e continuará a ser o alicerce da democracia e do pleno desenvolvi­mento do nosso país.

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