A vida depois da Casa Branca: o Nobel para Carter, os quadros de Bush e o impeachment a Trump
Do presidente que se demitiu para evitar ser destituído (Richard Nixon) até àquele que enfrenta um processo de destituição já depois de ter deixado o poder. O que fazem os chefes de Estado norte-americanos depois de saírem do poder?
Há quem tenha escrito as suas memórias, quem se tenha dedicado à pintura ou ao circuito de palestras, quem tenha voltado a fazer campanha e até quem tenha acabado por ganhar um Nobel da Paz. Mas o 45.º presidente dos EUA, Donald Trump, é o primeiro a enfrentar um impeachment menos de três semanas depois de ter saído da Casa Branca. O julgamento no Senado começa nesta terça-feira e não tem prazo para acabar, mas no final Trump deverá ser ilibado e seguir com os seus planos pós-presidência – que podem incluir a tentativa de voltar a ser candidato em 2024.
Trump trocou Washington pelo seu clube de Mar-a-Lago, na Florida, onde criou o “gabinete do antigo presidente”. Tem estado para já discreto, depois de ter sido privado do seu principal palco – o Twitter, que como outras redes sociais o silenciou por repetir as falsas acusações de que as eleições foram “roubadas”e não ter condenado a invasão ao Capitólio. Trump ainda não encontrou uma alternativa para falar diretamente aos milhões de seguidores (as notícias de que tinha começado a escrever na rede social Gab foram negadas).
Quanto a livros, já tem vários no currículo e deverá também escrever as suas memórias – quase todos os ex-presidentes acabam por o fazer. A dúvida é saber, além do julgamento no Senado, que outros julgamentos poderá enfrentar nos tribunais. E que impacto isso terá numa candidatura em 2024.
A reabilitação de Nixon
Trump pode ter saído como o presidente mais impopular de sempre, mas a sua imagem pode ser reabilitada. Basta olhar para aquele que normalmente encabeçava a lista de impopularidade. Richard Nixon optou por se demitir em 1974 quando os congressistas já discutiam o seu impeachment por causa do escândalo do Watergate. Nixon receberia um perdão total do antigo vice-presidente e sucessor, Gerald Ford. Contudo, para piorar as coisas, teve vários problemas de saúde naquele ano e teve de vender propriedades para conseguir pagar as dívidas.
Mas aos poucos foi-se restabelecendo, escrevendo um livro de memórias
que foi um bestseller e mais uma dezena de obras sobre política internacional, tornando-se consultor dos sucessores nesta área. No seu funeral, em 1994, estiveram todos os presidentes ainda vivos.
O perdão a Nixon não foi bem recebido e Ford não conseguiu ser eleito em 1976, tendo chegado a falar-se dele para vice-presidente de Ronald Reagan, em 1980. Os planos não se confirmaram, Ford escreveu as suas memórias e tornou-se um orador em vários eventos, assim como figura destacada dentro do Partido Republicano até à sua morte, em 2006.
O democrata Jimmy Carter, o inquilino que se seguiu na Casa Branca (1977-1981), é muitas vezes apontado como um exemplo do que um ex-presidente pode fazer, tendo-se dedicado à organização Habitat para a Humanidade e às causas dos direitos humanos. Fundador do Centro Carter, ganhou em 2002 o Nobel da Paz “pelas suas
décadas de esforços incansáveis para encontrar soluções pacíficas para conflitos internacionais, para fazer avançar a democracia e os direitos humanos e promover o desenvolvimento económico e social”.
As bibliotecas presidenciais
Depois de deixar a presidência, Reagan (1981-1989) também se dedicou a escrever as suas memórias e à tradicional construção da biblioteca presidencial (que guarda o arquivo dos anos que passou na Casa Branca). Após ter sido criticado por receber dois milhões de dólares por discursar no Japão, recusou outros eventos no estrangeiro. Cinco anos depois de deixar o poder, anunciou que tinha Alzheimer e afastou-se da vida pública, morrendo em 2004.
George H.W. Bush (1989-1993) foi um dos poucos que não escreveram as suas memórias, tendo-se dedicado à sua biblioteca presidencial e a ser um membro da sua comunidade em Houston, Texas. Acabaria por continuar envolvido na política graças aos filhos, George e Jeb, ambos governadores e o mais velho também presidente (entre 2001 e 2009).
Além das suas memórias, George W. Bush publicou também uma biografia do pai e dedicou-se à sua própria biblioteca presidencial e museu, onde estão expostos os seus quadros – retratos não só dos seus cães, mas de líderes mundiais com quem se cruzou ou de veteranos ou imigrantes. Um hobby inspirado em Winston Churchill, mas que pode ser rentável – um quadro de Bush para caridade terá sido vendido por 750 mil dólares. O ex-presidente dedica-se a várias causas humanitárias e de caridade.
Bill Clinton esteve na Casa Branca de 1993 a 2001, entre Bush pai e Bush filho, e sobreviveu, tal como Trump já fez em 2020, a um impeachment, depois de ter sido acusado de mentir em relação aos seus casos extraconjugais e obstrução de justiça. Além de escrever as memórias, de preparar a sua biblioteca presidencial e de dar palestras, dedicou-se à Fundação Clinton e nunca deixou de fazer campanha. Afinal, Hillary Clinton era senadora e seria candidata nas primárias de 2008 e às presidenciais de 2016.
Um casal que vale milhões
Em 2008, Hillary perdeu as primárias democratas para Barack Obama, que ficaria na Casa Branca de 2009 a 2017. No final dos seus dois mandatos, não só Obama era um nome que rendia dinheiro como a mulher, Michelle, também. O casal recebeu 65 milhões de dólares de adiantamento para escrever as suas memórias, que foram dois bestsellers. Michelle esgotou arenas na sua tournée , sendo certo que o livro de Barack só saiu em novembro do ano passado, em plena pandemia (haverá um segundo volume).
Além disso, antes da covid-19, o ex-presidente chegava a cobrar até 400 mil dólares por intervenção. Criou ainda a Fundação Obama e está a preparar a sua biblioteca presidencial e museu em Chicago, tendo também aberto com Michelle uma produtora que tem parceria com a Netflix. E ambos tiveram um papel ativo na campanha para a eleição de Joe Biden.