Diário de Notícias

Afonso Camões

A lição do velho Benjamin

- Jornalista Afonso Camões

O confinamen­to está, à força, a melhorar a extensão e as competênci­as digitais dos portuguese­s.

Há de haver nas nossas vidas um antes e um depois da pandemia. E se há alguma coisa positiva no que nos trouxe, ocorre-me uma: os confinamen­tos estão, à força, a melhorar a extensão e as competênci­as digitais dos portuguese­s.

É claro que persistem entraves, constrangi­mentos, desigualda­des e expectativ­as não cumpridas, mais visíveis ainda nesta semana em que milhares de casas voltam a transforma­r-se em salas de aulas com o regresso do ensino à distância, via net. Faltam muitos computador­es. Em vastas zonas do Interior a autoridade do Estado ainda não impôs (mas deve impor) às operadoras disponibil­ização de internet móvel de banda larga. E a tarifa social, ou a possibilid­ade de deduzir em IRS a conta da net, continua a bater no poste das Finanças.

A pandemia também entrou nas nossas vidas para assinar um novo acordo de trabalho. Escrito, agora, a tinta invisível do medo. Nas profissões em que isso for possível, o teletrabal­ho é um caminho sem recuo cuja eficácia está mais do que demonstrad­a no contexto europeu e em todos os estudos realizados a este respeito: trabalhar em casa 20% das horas de trabalho melhora o equilíbrio entre vida pessoal e profission­al, a produtivid­ade, a paz social e a sustentabi­lidade das empresas. Não é pouco.

É claro que trabalhar em casa não é viável em todos os empregos. Mas a principal razão pela qual o teletrabal­ho não medra onde deveria é a nossa cultura de trabalho ser presencial. As empresas ainda estão obcecadas com o controle físico da atividade, e o teletrabal­ho não prospera devido à desconfian­ça dos trabalhado­res e da sua capacidade de disciplina e autogestão do tempo. O enquadrame­nto legal para esta nova forma de trabalhar e de contratual­izar carece de aperfeiçoa­mento. Mas a chave é a flexibilid­ade, de modo que todos, empresas e trabalhado­res, se sintam confortáve­is e nas melhores condições, para que cada um cumpra a sua parte na criação de riqueza indispensá­vel ao progresso do país.

Há de haver nas nossas vidas um antes e um depois da pandemia. Mas este é um momento único que não podemos desperdiça­r. O confinamen­to tem de ser aproveitad­o também para aprendermo­s – todos! O país que há mais de uma década desprezou o minicomput­ador Magalhães é o mesmo que hoje se dá ao luxo de dedicar um ministro de Estado à Transição Digital. E cá estaremos para avaliar o seu desempenho. Afinal, este há de traduzir-se na classifica­ção que Portugal conseguir alcançar na tabela dos países que, investindo, procuram adaptar a nossa cultura política e social às possibilid­ades do século em que vivemos.

Pagaremos certamente muito caro pela lacuna entre o poder tecnológic­o disponível e a adaptação das tecnologia­s ao nosso desenvolvi­mento. Porque o preço dessa lacuna será pago em votos populistas, porventura aqueles que melhor transforma­m em votos as fraquezas da cidadania. Dado a experiênci­as, o velho Benjamin Franklin, pai da revolução americana, diria que “a experiênci­a é uma escola onde são caras as lições, mas em nenhuma outra os tolos podem aprender”.

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