O aliado Portugal e a América de Biden
Calvin Coolidge, presidente dos Estados Unidos na década de 1920, recebeu António Ferro na Casa Branca e pediu-lhe que enviasse ao povo português uma mensagem de amizade e confiança através do Diário de Notícias.
O inesperado resultado do encontro na “White House”, como escreveu então o jornalista (mais tarde contratado por Salazar para a propaganda do Estado Novo), aconteceu em 1927, o ano a seguir ao golpe do 28 de Maio, e confirmou que a mudança de regime não afetava as relações entre os dois países, velhos aliados. Quatro dias depois do 25 de Abril, também o reconhecimento da Junta de Salvação Nacional pelos americanos mostrava que a aliança, na altura já formalizada na NATO, era para manter. E sabe-se hoje como a diplomacia americana se esforçou em 1974 e 1975 para que a revolução não criasse um Portugal comunista.
Coolidge é um presidente pouco conhecido, ao contrário desse Harry Truman que com as bombas atómicas pôs fim à Segunda Guerra Mundial e depois promoveu a criação da NATO, com Portugal nos fundadores, mas a Espanha de Franco não. E foi há dias no Edifício Truman, sede do Departamento de Estado, que Joe Biden fez o primeiro discurso de política externa como presidente. Falou muito de “liderança americana”, de “nações a trabalhar em conjunto” e na necessidade de “reparar as nossas alianças”.
Entre os países amigos que tiveram direito a ser nomeados em Washington estiveram três europeus, Reino Unido, Alemanha e França, os maiores. Foi igualmente referida, e isso é importante para Portugal, a NATO, tão mal-amada por Donald Trump. Ficou no ar alguma incerteza sobre o futuro das Lajes, pois o presidente prometeu reavaliar as necessidades militares mundo fora em função dos interesses estratégicos, suspendendo já a retirada parcial de tropas da Alemanha, decidida pelo antecessor.
“A América está de volta”, enfatizou Biden, que propõe um regresso ao multilateralismo, mas sempre com o propósito de defender a tal liderança que o seu país detém desde o final da Segunda Guerra Mundial e que o fim da Guerra Fria prometia eternizar, não fosse a China assumir agora o papel de potência concorrente antes desempenhado pela União Soviética.
E se Biden quer liderar o mundo “pela força do exemplo” e não “pelo exemplo da força”, não hesitou em apontar quem são os rivais, a China e a Rússia. E ficou subentendido que aos países amigos, aos aliados, vai ser exigido um compromisso claro.
Para Portugal, as consequências são óbvias (fora Lajes): a exigência de maior investimento em defesa, que vem de Obama e Trump reforçou, mantém-se; as relações com a Rússia e sobretudo com a China (dos investimentos à compra de tecnologia 5G) não poderão ignorar os interesses da tal liderança global americana. Quem cá governa vai ter de saber lidar com a América de Biden.