Davide Amado
Saber readaptar. A resiliência das freguesias de Lisboa
Esta pandemia trouxe muitas incertezas. Mas o tempo também permitiu o vislumbre de algumas evidências. Os efeitos nocivos da covid-19 vão muito para além dos impactos na saúde de cada um dos que foram, são e serão afetados. A economia regista a sua maior queda dos últimos 60 anos, muito por causa da quebra do consumo e do turismo. O nosso Serviço Nacional de Saúde está sujeito a uma pressão imensa e inédita, algo que, aliás, partilha com a esmagadora maioria dos seus congéneres pelo mundo fora: nenhum foi projetado para funcionar e responder a uma afluência tão grande e simultânea em todos os continentes.
As fragilidades estruturais que o nosso país apresenta, e que não foi possíveis debelar em mais de quatro décadas de democracia, podem ser um obstáculo para uma recuperação que decorra a bom ritmo e que nos volte a colocar numa rota de crescimento.
Mudaram-se os hábitos de trabalho, de socialização e de consumo. Dizemos que tudo vai ficar bem, mas a verdade é que muito não vai ficar na mesma. Há um grande risco de que se acentuem as desigualdades e que aqueles que já se encontravam em fragilidade vejam a sua situação a piorar.
A confiança depositada pelos cidadãos nas suas instituições, que no caso do poder local é ainda maior, pela grande proximidade que existe entre a comunidade e os seus representantes autárquicos, está a ser posta à prova em toda a sua dimensão. A solução tem passado por reinventar as respostas tradicionais. Nunca como hoje o trabalho em rede na comunidade foi tão essencial. Passado que está quase um ano, aprendemos muito com a partilha de conhecimentos e temos vindo a trilhar caminhos conjuntos.
Num cenário de muita incerteza podemos, contudo, retirar bons exemplos e, a partir destes, alicerçar a metodologia de como podemos passar a trabalhar as nossas comunidades no futuro. A pandemia cimentou as relações entre os parceiros das comunidades. Agora há que perpetuar o que se conseguiu por via de uma situação de absoluta exceção como aquela que vivemos há quase um ano.
Há uma necessidade latente de se planear os próximos ciclos autárquicos com um maior pendor no papel da ação social e, por via desta, nos setores mais frágeis da população. A população sénior na cidade de Lisboa está em crescimento, e por isso deparamo-nos com dois desafios: o primeiro é assegurar que os nossos seniores estão debaixo de uma rede social consolidada, diversificada e devidamente apetrechada de respostas e ferramentas que lhes permita uma vida digna e plena.
Desengane-se quem achar que este é um facto consumado. Há um longo caminho a percorrer para evitar disrupções geracionais. A atual pandemia evidenciou por vezes isso mesmo. Nem sempre os mais novos abdicaram das suas liberdades individuais, para evitar que os mais velhos sofressem as consequências de uma doença que lhes causa maiores danos. O segundo desses desafios é um conjunto de políticas integradas de rejuvenescimento da cidade, que são transversais a decisões relacionadas com habitação acessível, incentivos fiscais, mobilidade e qualidade de vida.
Lisboa, que foi marcada pelos últimos anos pela palavra “empreendedorismo”, é hoje a Lisboa da resiliência. Dou o exemplo que vem de todas e cada uma das 24 juntas de freguesia da cidade. Todas elas, independentemente do seu posicionamento político, têm sido absolutamente excecionais e fundamentais para auxiliar as pessoas.
No dia a seguir ao Governo ter pedido a todos os portugueses para ficarem em casa, coube ao poder local coordenar e reinventar um impensável número de soluções por uma questão de dignidade e sobrevivência. As necessidades de alimentação, de cuidados médicos, de compras, até de socialização não pararam por decreto. Não só se mantiveram como, com o passar do tempo, têm vindo a aumentar.
Cá estaremos para mais uma vez, com resiliência, nos adaptarmos, reinventarmos e assegurar que tudo possa ficar bem.